segunda-feira, 31 de março de 2014

A ditadura que não diz seu nome

O imaginário sobre a Amazônia e os povos indígenas, forjado pelo regime de exceção, é possivelmente a herança autoritária mais persistente na mente dos brasileiros de hoje, incluindo parte dos que estão no poder. E a que mais faz estragos na democracia


Por Eliane Brum*


“Quando se quer fazer alguma coisa na Amazônia, não se deve pedir licença: faz-se.”
A declaração é do gaúcho Carlos Aloysio Weber, ex-comandante do 5oBatalhão de Engenharia e Construção, um dos primeiros a instalar-se na Amazônia na ditadura civil-militar. Em 1971, ele foi entrevistado para um projeto especial da revista Realidade sobre a Amazônia. O repórter fez ao coronel, apresentado como “lendário” em Rondônia, a seguinte pergunta: “Como é possível fazer as coisas na Amazônia e transformar a região?”. O coronel respondeu:
- Como você pensa que nós fizemos 800 quilômetros de estrada? Pedindo licença, chê? Usamos a mesma tática dos portugueses, que não pediam licença aos espanhóis para cruzar a linha de Tordesilhas. Se tudo o que fizemos não tivesse dado certo, eu estaria na cadeia, velho.
É uma declaração de sentidos explícitos – pelo tom em que foi dita, pela certeza da impunidade, pelo orgulho da falta de limites. Pela forma como o coronel vê a Amazônia como território a ser invadido e dominado pela força. O que a ditadura fez na Amazônia, tão longe dos centros de poder e das vozes de resistência, e o que fez com os povos indígenas, ainda precisa ser investigado com muito mais profundidade. Os horrores que já foram descobertos podem ser só a superfície. Mas, se o passado pede luz, o presente precisa ser iluminado com urgência.
Há vários entulhos autoritários corroendo nossos dias, como a Polícia Militar (que, se tem uma história anterior ao golpe de 1964, ganhou mais poderes na ditadura e os mantêm na democracia) e o “auto de resistência” (que serve para a polícia justificar a execução de suspeitos ou desafetos). Mas é no olhar tanto sobre a Amazônia quanto sobre os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas que o Estado autoritário persiste com mais força e menos resistência na mente da maioria dos brasileiros. Persiste da forma mais perigosa, porque traveste como verdade aquilo que é apenas uma imagem a serviço de interesses políticos e econômicos específicos. Talvez em nenhum outro campo o regime de exceção tenha conquistado tanto êxito ao impor seu ideário. E o mantê-lo na democracia.
A ditadura civil-militar enraizou no imaginário dos brasileiros a visão de que a floresta amazônica é um território-corpo para exploração. Se a lógica do explorador/colonizador norteou historicamente a “interiorização” do país, é na ditadura que ela ganha um pacote ideológico mais ambicioso. As peças de propaganda que o regime produziu continuam vivas, mesmo para aqueles que nasceram depois dela, como os slogans “Integrar para não entregar” e “Terra sem homens para homens sem terra”. É na ditadura que é cimentada a ideia da Amazônia como “deserto verde”, ignorando toda a riqueza humana, a diversidade cultural e biológica que lá existia, ignorando a vida. A disseminação dessa fantasia é tão bem sucedida que se torna verdade. E se torna uma verdade que continua verdade após a redemocratização. Tão verdade que cria uma realidade paradoxal: uma ex-guerrilheira, presa e torturada pelo regime, é quem, na democracia, leva adiante o modelo de desenvolvimento da ditadura para a Amazônia.
Leia todo o artigo na coluna de Eliane Brum para o sítio do El País – Brasil.

Ditadura militar foi responsável por matar 2 mil indígenas no Amazonas

Por Rosiane Carvalho*

Genocídio de dois mil indígenas waimiri atrori, impactos irreparáveis à população tenharim e a quase dizimação dos povos jiahui. Essas são algumas das “heranças” que o Amazonas recebeu do Golpe Militar, que no próximo dia 1º de abril completa 50 anos. Ao contrário dos registros da história oficial, a Ditadura Militar impôs ao Amazonas mortes e violação dos direitos humanos, que marcam a rotina e a memória dos povos indígenas waimiri atroari, tenharim e jiahui.

O levantamento sobre as inconsequentes ações dos governos militares no Estado faz parte de uma investigação feita em duas ações civis públicas do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM). A investigação aponta que os militares, a pretexto de “ocupar uma terra sem homens” (Amazônia), foram responsáveis pela morte de milhares indígenas durante a construção das BR-174 (Manaus-AM/Boa Vista-RR) e BR–230, a Rodovia Transamazônica.
Os primeiros resultados das investigações, que pode ser uma porta para que a história do Amazonas seja reescrita, serão debatidos na sexta-feira em um seminário no auditório Rio Solimões, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), realizado pelo MPF, pelo Comitê da Verdade no Amazonas e por lideranças indígenas. “Diante do aniversário do Golpe, vamos discutir a Amazônia de antes e de hoje. O que os diversos povos sofreram e vivem ainda hoje no regime democrático”, declarou o procurador da República Julio de Araujo Junior.

Waimiri e Tenharim
As ações foram abertas após denúncias de indigenistas que atuam na região desde o período militar. A primeira, sobre os waimir atroari, ainda não foi concluída porque, segundo o procurador Julio Araujo, precisa de profundas investigações.

Há notícias de que os militares atuaram num ataque direto e violento à aldeia dos waimiri. Os registros indicam, segundo o procurador, que antes da construção da BR-174 havia cerca de três mil indígenas (década de 70). Na década de 80, os registros apontavam para 300 indígenas na aldeia.

A segunda ação já foi apresentada à Justiça, que, por conta dos conflitos recentes, concedeu liminar para reparações imediatas sobre danos permanentes sofridos pela população tenharim e jiahui durante a construção da Transamazônica. Os jiahui eram apenas 17 indígenas em 2004, quando suas terras foram demarcadas.

A obra da Transamazônica, segundo o MPF, cooptou os tenharim para trabalhos forçados, os obrigou a mudar de território e infectou parte da população com doenças (como sarampo e catapora) trazidas pelo contato com os operários da Paranapanema, responsável pela obra.

Método do Brasil colonial
A construção da Transamazônica começou em outubro de 1970. Há registro do descerramento da placa do início da obra em Altamira, no Pará, pelo então presidente Emilio Garrastazu Médici com o seguinte teor: “Nestas margens do Xingu, em plena selva Amazônica, o senhor Presidente da República dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a conquista deste gigantesco mundo verde”.

Para o MPF, já no seu primeiro passo a obra liderada pelos militares dá sinais do descompromisso com os povos que já habitavam a região. “O teor do discurso demonstra a perspectiva de ‘conquista’ e ocupação de um território ‘verde’, em nome de uma arrancada histórica para o ‘progresso’”, diz trecho da ação.

O procurador da República Julio Araujo afirmou que as populações tradicionais são desprezadas desde a época do Brasil colonial. “Foram várias formas de violação, até mesmo as táticas de pacificação, provocaram essa desestruturação. A Ditadura não adotou métodos diferentes.

Em nome do desenvolvimento, se aprofundou a violação. Dentro dessa concepção, não considerou a diferença e os indígenas acabaram sendo um empecilho ao progresso e à conquista da região”, declarou o procurador Julio Araujo.

Transamazônica violou indígenas
Os danos provocados pela construção da Transamazônica aos tenharim e jiahui são alvo de um pedido de indenização de R$ 20 milhões por parte do MPF por danos coletivos sofridos pelas etnias. A construção da estrada em Humaitá foi feita pela empresa Paranapanema, que depois também passou a explorar minérios no Amazonas atingindo outras terras indígenas.

Na abertura da estrada, os tenharim foram obrigados a deixar a margem direita do rio Marmelos, num local chamado São José. Pela investigação do MPF, os tenharim ficaram às margens da rodovia porque a estrada foi construída por cima de locais sagrados para a cultura deles.

A invasão do território também trouxe consequência na estrutura da vida por causa dos prejuízos ao solo e atividades agrícolas. Até na caça, pela destruição da fauna, os tenharim tiveram que mudar seus costumes, segundo a pesquisa antropológica exposta na ação do MPF.

Muitos indígenas morreram por causa de epidemias de sarampo, catapora – doenças trazidas por operários da Paranapanema. A crença dos indígenas é que maldições acompanham aqueles que abandonam seus antepassados.

A Transamazonica causou, ainda, a destruição de cemitérios indígenas. “O progresso e o desenvolvimento idealizados com a rodovia não pressupuseram uma convivência em harmonia e respeito aos povos indígenas. Isso conduziu a desestruturação étnica de povos como os tenharim e jiahui, a homogeneizacão de culturas, a divisão de territórios e a provocação de tensões na região de Humaitá, Manicoré e Apui”, afirma trecho da ação.

Em outro trecho, o MPF indica: “A perspectiva homogeneizante colocou-se em primeiro plano, não se oferecendo qualquer alternativa àqueles que ousassem enfrentá-la (…) O resultado dessa perspectiva é a ocorrência de danos aos povos indígenas, os quais se prolongam no tempo em razão da omissão de adoção de medidas reparatórias”.


*Fonte: A Crítica (Manaus)

sábado, 22 de março de 2014

STF determina cumprimento da pena imposta ao deputado Asdrúbal Bentes


Na tarde desta quinta-feira (20 de março), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a imediata execução da condenação imposta ao deputado federal Asdrúbal Mendes Bentes (PMDB-PA) na Ação Penal (AP) 481, na qual a Corte, em setembro de 2011, considerou-o culpado pela prática do crime de esterilização cirúrgica irregular, previsto na Lei de Planejamento Familiar (artigo 15 da Lei 9.263/1996). Naquela ocasião, foi fixada a pena de reclusão de 3 anos, 1 mês e 10 dias, em regime inicial aberto, mais 14 dias-multa, no valor unitário de um salário mínimo.

De acordo com a denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) e ratificada pelo procurador-geral da República, no período entre janeiro e março de 2004, que antecedeu as eleições municipais daquele ano, o então candidato a prefeito de Marabá (PA), deputado Asdrúbal Bentes, com o auxílio de sua companheira e sua enteada, teria utilizado a fundação “PMDB Mulher” para recrutar eleitoras mediante a promessa de fornecer gratuitamente a realização de cirurgias de laqueadura tubária.

No julgamento de hoje, o ministro Dias Toffoli (relator) considerou incabível o recurso (segundos embargos de declaração) apresentado contra a condenação, por considerá-lo protelatório, e foi acompanhado por unanimidade. O ministro pronunciou-se pelo imediato reconhecimento do trânsito em julgado da decisão condenatória, independentemente da publicação do acórdão do presente julgamento, e a expedição imediata do mandado de prisão. Nesse ponto, foi vencido na votação apenas o ministro Marco Aurélio, que se posiciona no sentido da necessidade de se aguardar a publicação do acórdão.

O relator delegou a execução penal a ser cumprida pela Vara de Execução Penal da Circunscrição Judiciária de Brasília (DF), bem como determinou que se oficie à Mesa Diretiva da Câmara dos Deputados para fins de deliberação a respeito de eventual perda de mandato pelo parlamentar, conforme o artigo 55, inciso VI, da Constituição Federal.
Fonte: STF

quinta-feira, 20 de março de 2014

Tribunal nega recurso a Santo Antônio e reitera culpa por conseqüências no Madeira

O desembargador Sansão Saldanha mencionou em sua decisão que as usinas buscam a Justiça para proteger o patrimônio, enquanto as pessoas o fazem para resguardar suas vidas

 O desembargador Sansão Saldanha, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Rondônia, negou seguimento a um recurso interposto pela Santo Antônio Energia contestando decisão que determinou que a empresa providenciasse, no prazo de 24 horas, acomodações para os atingidos pela enchente do Rio Madeira. 

A Santo Antônio deveria, inclusive, acomodá-los em local seguro, com estrutura física adequada à habitação humana digna, com água encanada, saneamento básico, energia elétrica e transporte público próximo. 

Sansão mencionou em sua decisão, após relatar as argüições trazidas pela Santo Antônio, que a alegação de prejuízos financeiros irreparáveis trazidas pela empresa, por ter que arcar com os custos do realojamento dos moradores e remoção de bens, não pode se sobrepor a necessidade de proteção à vida e incolumidade física dessas pessoas.
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Também foi dito pelo magistrado que os atingidos pela enchente recorreram à Justiça para proteger suas vidas enquanto a Santo Antônio procurou proteger apenas a propriedade.

Clique aqui para ver a decisão da íntegra 

O que diz a Santo Antônio 

Os advogados da usina alegaram na justificativa do recurso que as atividades lá exercidas não têm relação com a cheia do Madeira e elencaram oito motivos para motivar a Justiça a dar seu provimento. Veja quais foram eles: 

1 –
  Que a barragem não controla o fenômeno do repiquete (alteração brusca do nível de água do rio) ou a velocidade das águas fora da sua área de influência; 

2 – Que os fenômenos erosivos são muito anteriores à instalação da barragem da usina hidrelétrica; 

3 – Que os registros históricos das chuvas na cidade de Porto Velho tem elevado o nível das cheias do rio Madeira ao longo dos anos; 

4 – A causa da cheia são as chuvas na Bolívia; 

5 – Que os agravados (moradores) construíram suas moradias irregularmente em área de em área de preservação permanente, e que sua ação de supressão da mata ciliar associada à omissão do poder público é que fragilizaram as margens e aumentou os riscos decorrentes das enchentes e de deslizamentos; 

6 – Que o sistema de geração de energia utilizado pela usina hidrelétrica de Santo Antônio, de turbina de fio d'água, reduz a área inundada pelo reservatório e permite a manutenção do mesmo regime hidrológico por observar as condições naturais, sem alterações na qualidade e quantidade de água ou do regime de vazões do rio Madeira;

7 – Ausência dos requisitos legais autorizadores da concessão da antecipação da tutela e; 

8 – Aponta como perigo de lesão grave e de difícil reparação a possibilidade de irreversibilidade da medida, que uma vez realizado o realojamento dos agravados e de seus móveis, se, ao final a agravante lograr êxito na demanda, os agravados não terão condições de lhe ressarcir os valores gastos no cumprimento da decisão antecipatória da tutela.



Governo não atende pauta dos SPF e entidades devem intensificar mobilização


O governo federal deu uma demonstração clara nesta quarta-feira (19) de que não há disponibilidade em negociar com os servidores públicos federais (SPF). O recado foi transmitido na reunião entre representantes do Fórum das Entidades Nacionais do SPF e membros da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Mpog), que aconteceu durante o ato realizado pelos servidores na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). 

A atividade contou com a presença de centenas de manifestantes de diversas categorias do funcionalismo público e integra o Dia Nacional de Mobilização chamado pelo Fórum. Em diversas cidades do país, os docentes federais se uniram aos demais servidores e foram às ruas cobrar atendimento à pauta unificada da categoria, em defesa de serviços públicos de qualidade e valorização dos SPF. 

Segundo informe passado após a reunião com o Mpog, o Secretário de Relações do Trabalho (SRT/Mpog) Sérgio Mendonça recebeu os dirigentes, acompanhado de sua equipe, e foi explícito ao informar que o governo entende que há um acordo vigente, firmado em 2012 com várias categorias do funcionalismo, e que não irá negociar, nem a pauta específica das categorias nem a unificada dos SPF, e que não há margem orçamentária para revisão do acordado. 

De acordo com Paulo Barela, representante da CSP-Conlutas na mesa, o secretário da SRT/Mpog disse apenas que seria possível refletir sobre a possibilidade de reajuste nos benefícios sociais. “Reivindicamos um calendário de reuniões para manter a porta aberta e Mendonça respondeu que não há necessidade, pois isso não irá reverter a posição do governo”, comentou Barela.

O coordenador da CSP-Conlutas informou que as entidades cobraram do governo uma resposta escrita e oficial à pauta protocolada em janeiro, o que foi prometido para o final de março, e informaram que as entidades devem intensificar as mobilizações. “Já existe uma greve em curso e várias entidades já têm uma agenda de ações. Vamos intensificar a mobilização para pressionar o governo a mudar essa postura intransigente, como fizemos em 2012”, finalizou.

Ato na Esplanada
Na capital federal, representantes do ANDES-SN e de várias categorias se reuniram em frente ao prédio principal do Mpog (Bloco K), para cobrar a resposta do governo à pauta unificada e a audiência com a ministra Miriam Belchior.  No início de fevereiro, o Planejamento havia se comprometido com dirigentes do Fórum dos SPF em dar retorno às reivindicações e sobre o encontro com ministra até o início de março, o que não ocorreu.



Durante a fala dos representantes das entidades presentes no ato, ficou explícita a indignação dos servidores com o descaso do governo em relação ao pleito da categoria, principalmente diante da argumentação de que não há recursos disponíveis, uma vez que o governo reviu diversos contratos e aumentou o repasse de verba pública para as empreiteiras que estão construindo estádios pra a Copa. Também foram saudados os técnicos administrativos das universidades federais, representados pela Fasubra, em greve desde segunda-feira (17).

Gibran Jordão, coordenador da Fasubra, destacou que, em seu segundo dia, a paralisação por tempo indeterminado já conta com a adesão de mais da metade da categoria. “A greve é uma reação ao descaso do governo com a Educação e com os técnicos administrativos, que recebem o pior piso do funcionalismo federal, cerca de um salário mínimo e meio. Estamos vivendo um clima político em que cresce a mobilização dos trabalhadores para organizar a luta e assim arrancar do governo resposta à pauta específica das categorias e também à pauta unificada”, disse.

Em sua fala, a presidente do ANDES-SN, Marinalva Oliveira saudou o movimento dos técnicos administrativos e ressaltou que a saída é intensificar a mobilização em todo o país. “Começamos hoje com a mobilização em vários setores. No ANDES-SN, chamamos um dia nacional de paralisação, com atos em diversas cidades, como resposta à intransigência em relação às nossas pautas. O governo segue inflexível com os trabalhadores, mas não com o empresariado. Nosso caminho é ir para a luta de forma unificada. Esse governo precisa nos respeitar e o nosso respeito buscaremos na rua, mostrando a força da nossa mobilização, pois é assim que temos feito e foi assim que já conseguimos fazer com que eles nos ouvissem”, avaliou Marinalva.

Fonte: Andes-SN

Conflitos Agrários: quem quer solução?


O apoio à lógica do agronegócio e dos latifundiários, de desqualificar o direito à terra das comunidades tradicionais, indígenas e famílias camponesas, é explicito e permanente na maioria dos grandes veículos de comunicação brasileiros. Neste último mês, os periódicos impressos reforçaram esta certeza, a partir da publicação do artigo “Contra a Lei”, da senadora Kátia Abreu, no dia 22 de fevereiro, na Folha de S. Paulo, e do editorial do jornal O Estado de S. Paulo “Drible do Judiciário”, no dia 3 de março. As duas publicações criticam, com parcos argumentos e desconsiderando o que aponta a Constituição Federal, as alternativas de mediação de conflitos fundiários no campo. 

Na semana seguinte à publicação do artigo da senadora, o professor Carlos Marés, doutor em Direito pela UFPR e ex-procurador geral do Estado do Paraná, enviou o artigo abaixo para a Folha de S. Paulo, na expectativa de apresentar elementos sobre a relevância da mediação de conflitos no campo no contexto atual. A recusa do veículo veio uma semana depois, sob justificativa de haver limitada disponibilidade de espaço.

Assim como artigo da senadora defende os direitos apenas de uma parcela da sociedade, limitando o entendimento do direito à terra aos grandes proprietários, a atitude da Folha de S. Paulo, reiterada diariamente por outros grandes veículos, também reafirma quem pode se manifestar nos meios de comunicação e o interesse de qual parcela da sociedade eles representam.

Confira o artigo:
Conflitos Agrários: quem quer solução?
Por Carlos Marés*

A Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) do Ministério da Justiça acaba de publicar o resultado de um interessante estudo sobre soluções alternativas para os conflitos agrários e tradicionais. O Estudo, coordenado e desenvolvido por professores integrantes de Programas de Pós-graduação, teve a parceria da organização Terra de Direitos e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Estes conflitos, em geral envolvendo proprietários de terras e comunidades tradicionais ou de pequenos agricultores familiares, são traumáticos, invariavelmente demorados e sempre judicializados.

A pesquisa partiu da análise de quatro casos concretos, dois de camponeses, um de indígenas e um de quilombolas. Estes conflitos se caracterizam pelo fato de um lado estar uma coletividade que usa e precisa usar a terra e do outro a propriedade privada. Da análise resultou que as soluções que o Estado brasileiro oferece acabam sempre judicializadas e decidias pelos estreitos limites do formalismo e legalismo, que não atendem a princípios constitucionais como a erradicação da pobreza e da marginalização e a promoção do bem de todos, entre outros.

De fato, o Poder Judiciário, tal como está estruturado, não consegue interpretar princípios e aplicá-los, parando num formalismo que, longe de solucionar os conflitos, os estendem para um tempo mais longe, mantendo um estado de injustiça, de pobreza e de marginalização, quando não o amplia.

A pesquisa demonstra que existe um instrumental jurídico e uma vontade nacional e internacional (arcabouço normativo de leis e tratados) para uma solução mediada, negociada de tal forma que se chegue a uma solução para as origens do problema. É um estudo sensato, sem críticas morais a sistemas ou órgãos, apenas constatando as dificuldades de implementação dos princípios pelos quais está constituído o estado brasileiro.

Apesar disto, a Senadora Kátia Abreu, em nome dos proprietários de terras, escreve um insidioso artigo criticando a pesquisa, seus financiadores, realizadores e autoridades presentes ao lançamento de seu resultado. Talvez por não ter entendido o teor de uma pesquisa científica, talvez pelo só espírito de emulação, considera que o resultado é um desrespeito às leis do país e uma desconsideração para com o Judiciário. Aliás, pelo nome da Secretaria de Estado que promoveu a pesquisa (Secretaria de Reforma do Judiciário) fica desconstruído o argumento da senadora e presidenta do CNA que também lançou uma nota ácida.

Ao contrário, a razão da pesquisa é exatamente analisar o que se deve fazer para implementar o que a Constituição brasileira determinou em 1988. Não só os conflitos agrários, quem sabe os mais visíveis, mas todos os conflitos e mazelas sociais deveriam ser objeto de estudo visando sua superação. O que a pesquisa mostra é que tudo está sendo judicializado e que há instrumentos para se pensar em soluções harmônicas, sempre mais justas e adequadas. Mas se a cabeça dos dirigentes dos proprietários de terras não está preocupada com soluções, dificilmente chegaremos a alternativas e o conflito deve continuar.

Realmente, enquanto faltar sensibilidade humana a uma das partes que tudo vê a partir do prisma do lucro, o trabalho do Estado, como conciliador, fica evidentemente prejudicado, nem haverá reforma do Judiciário, nem soluções alternativas. Vai imperar o radicalismo e sectarismo desejado pela Senadora.

*Carlos Marés é doutor em Direito pela UFPR, professor da PUC/PR e ex-procurador geral do Estado do Paraná. Artigo publicado no sítio da Terra de Direitos após ter publicação rejeitada pela Folha de São Paulo.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Há 50 anos, Jango defendia a Reforma Agrária na Central do Brasil



Por Leandro Melito

Há exatamente 50 anos, um episódio que teve importância no golpe de 64 aconteceu no Brasil. No dia 13 de março de 1964, o então presidente João Goulart realizou comício na Central do Brasil, região central do Rio de Janeiro, para defender as reformas de base propostas por seu governo. Cerca de 200 mil pessoas acompanharam o discurso que foi encerrado com as seguintes palavras: "Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributárias, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação, pela justiça social e pelo progresso do Brasil".

À época, um grupo de sindicalistas comunistas e trabalhistas tomou a frente da organização do evento. Entre eles, estavam  o deputado Hércules Corrêa, que foi fundador e dirigente do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e Paulo Mello Bastos, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos. Bastos também era secretário político do CGT.
 
O Comício
O evento, que estava sendo anunciado pelo governo desde janeiro de 1964, reuniu cerca de 200 mil pessoas e foi transmitido ao vivo por rádio e TV para todo o país. Por volta das 14h daquele dia 13 de março, cerca de 5 mil pessoas já se concentravam para o comício do presidente João Goulart na Praça Cristiano Ottoni, Rio de Janeiro, nas imediações da Central do Brasil e do Ministério da Guerra.

Antes de seguir para o palanque, João Goulart assinou, no Palácio das Laranjeiras, o decreto da Supra (Superintendência de Reforma Agrária) - que autorizava a desapropriação de áreas ao longo das ferrovias, das rodovias, das zonas de irrigação e dos açudes – e o decreto que encampava as refinarias particulares de petróleo.


O comício teve início às 18h. Jango subiu ao palanque às 19h45 e começou seu discurso exatamente às 20h46 após a fala do então presidente da UNE, José Serra, do governador de Pernambuco na época, Miguel Arraes, e do deputado Leonel Brizola. Tendo ao seu lado direito a esposa Maria Thereza, Jango falou de improviso durante pouco mais de uma hora. Ele fazia algumas pausas no discurso para passar um lenço no rosto. Eram nesses momentos em que o ministro da Casa Civil, Darcy Ribeiro, aproveitava para sussurrar observações e orientações como, por exemplo, “fale mais devagar, presidente”.

Em seu discurso, Jango falou sobre a mensagem que seria encaminhada ao Congresso e explicou os decretos que havia assinado.

Trechos do discurso:
Encampação das refinarias

Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas destes país.

Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.

A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.

Procurei, trabalhadores, depois de estudos cuidadosos elaborados por órgãos técnicos, depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao espírito da Lei n. 2.004, lei que foi inspirada nos ideais patrióticos e imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa alma e nosso espírito.


Decreto da Supra
O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.

Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, quese apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.

Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos de dívida pública e a longo prazo. Reforma agrária com pagamento prévio do latifundio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da Supra não é a reforma agrária.

Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.


Mensagem ao Congresso
Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.

Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares nacionalistas.


Comício fazia parte de nova estratégia

Após tentar implementar sem sucesso as reformas por meio de um acordo entre o seu partido Partido Trabalhistra Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD), de Juscelino Kubitschek - de quem foi vice-presidente – Jango decidiu se aliar às esquerdas em uma estratégia de mobilização popular que teria início com o comício da Central no dia 13. Três dias antes do comício, o PSD havia rompido formalmente com o governo.

A nova estratégia consistia na mobilização popular por meio de uma série de comícios que seriam realizados em diferentes regiões do país e que culminariam em uma greve geral no dia 1º de maio, como forma de pressionar o Congresso pela aprovação do projeto de reformas anunciado durante o comício e encaminhado formalmente ao Legislativo dois dias depois.

Para isso, Jango contava com as forças que apoiavam as reformas; o CGT, o PCB (Partido Comunista Brasileiro e a Frente de Mobilização Popular (FMP), formando a Frente Única de Mobilização.

Fonte: Agência Brasil - EBC

quarta-feira, 12 de março de 2014

Justiça determina que usina do rio Madeira refaçam estudos de impactos em Rondônia

Por Kátia Abreu*

A Justiça Federal de Rondônia determinou no início da noite desta segunda-feira (10) em liminar que as empresas responsáveis pela implantação e operação das usinas do rio Madeira e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) refaçam, imediatamente, o estudo e o relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) das barragens da hidrelétricas sob pena de perderam a licença de operação.
Para o juiz Herculano Martins Nacif, Rondônia vive uma tragédia devido a enchente do rio Madeira. Ele pediu os novos estudos para confirmar se os impactos ambientais e sociais são decorrentes da elevação das águas nos reservatórios das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. “Tendo em mira a excepcionalidade do caso a revelar uma verdadeira tragédia vivida pelas populações atingidas no Estado de Rondônia determino a imediata prolação desta decisão”, afirmou.
Usina hidrelétrica Santo Antônio em Porto Velho (Foto: Cley Medeiros)

Na decisão, o juiz federal Herculano Martins Nacif, da 5ª. Vara Federal, determinou também que os consórcios Santo Antônio Energia e Empresa Sustentável do Brasil (ESBR) atendam de imediato as necessidades básicas das famílias atingidas pela enchente do rio Madeira sob pena de multa diária de R$ 100 mil.

O juiz atendeu a ação civil pública movida na quinta-feira (06) pelo Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual, pelas Defensorias Públicas da União e do Estado e a Ordem dos Advogados do Brasil seccional de Rondônia.
Desde 2006, as instituições questionavam o EIA/Rima dos empreendimentos e alertavam para o aumento dos impactos ambiental e social no período da enchente do rio Madeira em decorrência das barragens das usinas de Santo Antônio e Jirau.
O rio Madeira enfrenta a maior enchente em 47 anos de medição da hidrologia em Rondônia. Com as chuvas acima do normal, o nível do rio marcou 19 metros nesta sexta-feira (10). Está acima 4 metros da cota de emergência, que é de 15 metros em Porto Velho (RO). Com 16 bairros alagados, a cidade está sob decreto de calamidade pública municipal.
O Corpo de Bombeiros de Rondônia diz que 2.230 famílias foram  deslocadas de suas casas e estão abrigadas na capital. Além de Porto Velho, as cidades de Rolim de Moura, Nova Mamoré e Guajará-mirim sofrem os efeito da cheia.
Segundo a Defesa Civil do Porto Velho, a abertura das comportas das usinas hidrelétricas Santo Antônio e de Jirau diariamente aumentou as inundações em bairros e comunidades localizados nas margens do rio Madeira, as erosões (desbarrancamentos) e os banzeiros (ondas) devido a força das águas liberadas pelas represas.
As duas empresas que operam as usinas negam a influência das obras sobre a cheia. Mas o consórcio Santo Antônio foi denunciado pela ESBR de operar com o nível de 75 metros, o que contraria normas da Agência Nacional das Águas e determinação da Justiça Federal. Com 17 turbinas em operação, Santo Antônio está paralisada desde o dia 18 de fevereiro.
A empresa Santo Antônio nega a denúncia e diz que sempre operou no nível de 70,5 metros, atendendo plenamente a legislação e explicou as consequências do rebaixamento do reservatório. As 17 turbinas em operação estão paradas desde o dia 18 de fevereiro veja aqui.

O Ibama e as duas empresas ainda não comentaram a decisão da Justiça Federal.
“É uma decisão histórica. Há tempos que reclamávamos do licenciamento e agora vão ser obrigados a refazer tudo, além de preservar várias famílias alagadas, o meio ambiente, as estradas, o patrimônio”, afirmou o procurador Raphael Bevilaquia, que assina a ação civil pública junto com a procuradora Gisele Bleggi, o promotor de justiça Átila Augusto, a defensora pública federal Mariana Doering, o presidente da OAB, Andrey Cavalcante, e o defensor público estadual, Marcus Edson de Lima.

Reservatórios
Conforme a decisão do juiz Herculano Martins Nacif, as empresas que operam as hidrelétricas do Madeira devem refazer os estudos sobre os impactos de suas barragens com supervisão do Ibama, Iphan, Agência Nacional de Águas, DNIT, entre outros. Os estudos devem ser acompanhados por engenheiros, agrônomos, geólogos, sociólogos e outros especialistas indicados pelas instituições e custeados pelos consórcios.
Martins Nacif disse que as empresas devem refazer o EIA/Rima considerando todos os impactados decorrentes da vazão e o volume histórico do rio Madeira. O estudo deve levar em consideração os aspectos mais relevantes, entre eles, a fauna, o tamanho dos reservatórios, os desbarrancamentos de margens, a população, o patrimônio histórico, lençóis freáticos e estradas afetadas, além das reservas ambientais. Ele deu prazo de 90 dias para as empresas comprovarem à Justiça Federal o andamento do reestudo, “sob pena de suspensão de suas licenças de operação”, diz a decisão.

Com relação as famílias atingidas, o juiz Martins Nacif determinou que as usinas de Santo Antônio e Jirau atendem imediatamente as necessidades básicas (moradia, alimentação, transporte, educação, saúde etc.) da população atingida pelas enchentes nas áreas acima das barragens. Segundo o juiz, o auxílio deve ser feito enquanto durar a situação de emergência e até que haja uma decisão definitiva sobre compensação, indenização ou realojamento. As instituições pedem indenização de R$ 100 milhões por dano moral coletivo. “As populações atingidas deverão ser identificadas pelas defesas civis municipal, estadual e federal. As duas hidrelétricas têm prazo de 10 dias para comprovar à Justiça Federal que estão cumprindo este item da decisão liminar”, afirmou.

*Fonte: Amazônia Real

Frases

“Nós temos total consciência do processo e da segurança do processo de licenciamento. Então, nós não acreditamos que as licenças sejam cassadas. E também não entendemos o que cassar a licença vai melhorar a situação da região, porque não vai retirar a usina de lá, nem parar de chover por causa da suspensão da licença de operação. Nos parece uma medida que não tem eficácia”, disse o presidente do Ibama, Volney Zanardi.


O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia Márcio Zimmermann também disse que não há relação entre a construção das usinas e o agravamento das enchentes na região. “Não existe a menor hipótese das obras das usinas que estão sendo implantadas no Rio Madeira tenham qualquer efeito nessa região, até porque o Brasil detém a melhor tecnologia de construção de hidrelétrica do mundo. E, por outro lado, tem o processo de licenciamento ambiental mais rigoroso do mundo”.

Declarações dadas no Jornal Nacional, em 08 de março de 2014, na matéria Construção de hidrelétricas podem ter agravado cheia do Rio Madeira


Leia no blog da Telm
a Monteiro: Hidrelétrica Jirau, no rio Madeira, o desastre confirmado 

terça-feira, 11 de março de 2014

Jorge Viana “samba na cara” dos atingidos pela cheia do rio Madeira

O senador Jorge Viana (PT-AC) “samba” ao lado de José Lúcio Arruda, diretor da empresa Energia Sustentável do Brasil, responsável pela Usina Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira. A foto, que circula nas redes sociais, teria sido tirada no Sambódromo do Rio, durante o último Carnaval.  A usina de Jirau é apontada como uma das responsáveis pelo agravamento das alagações provocadas pelo rio Madeira em Rondônia e na Bolívia e pelo isolamento rodoviário do estado do Acre.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Nota Pública: Direito Para Quem?

Por Terra de Direitos

Passados mais de 25 anos da promulgação da Constituição Federal o Estado brasileiro não cumpriu com a obrigação de realizar a reforma agrária, demarcar as terras indígenas e titular os territórios quilombolas. A ausência de cumprimento da lei maior faz com que o Brasil seja a segunda maior nação do mundo em concentração de terras, fato que dá origem aos extremados e diários conflitos fundiários. Povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores sem terra são as principais vítimas da falta de cumprimento da Constituição e pagam com a vida o preço de lutar pela efetivação de direitos.
Para fortalecer o debate acerca de soluções para os conflitos fundiários, a Terra de Direitos realizou a pesquisa Casos Emblemáticos e Experiências de Mediação: Análise para uma cultura Institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais, desenvolvida em parceria com o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria da Reforma do Judiciário. A pesquisa foi lançada no dia 19 de fevereiro, em Brasília, durante o seminário Conflitos Fundiários em Debate, que contou com a presença do Ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República, e Flávio Caetano, da Secretaria de Reforma do Judiciário.

No sábado seguinte ao lançamento, dia 22, o jornal Folha de S. Paulo publicou artigo da senadora Kátia Abreu intitulado “Contra a lei”, em que a ruralista afirma que a pesquisa da Terra de Direitos quer afastar o Judiciário da solução do conflito fundiário e que estaria propondo soluções “fora da lei” para os conflitos no campo.
Em 3 de março o jornal O Estado de São Paulo publicou editorial intitulado “Drible no Judiciário”, onde reafirma a posição da Senadora Kátia Abreu e acrescenta que o Governo Federal “apela à antropologia de botequim para questionar o próprio direito constitucional à propriedade.”
Os textos publicados em grandes veículos de comunicação revelam completo e conveniente desconhecimento sobre o conteúdo da pesquisa. O estudo aponta que a judicialização dos conflitos fundiários é enorme, e que o sistema de justiça (não só o Poder Judiciário) não dá respostas eficazes para pôr fim aos conflitos. Com a pesquisa se propõe que o sistema de justiça, inclusive o Poder Judiciário, possa incorporar procedimentos dialógicos e manejar instrumentos extra ou não estritamente jurídico para uma cultura de efetiva solução dos conflitos.
A pesquisa também aponta para o fato de que a mediação eficaz dos conflitos fundiários passa, necessariamente, pelo cumprimento da lei. Nesse caso é o cumprimento da Constituição Federal, com a realização da reforma agrária, da demarcação das terras indígenas e titulação dos territórios quilombolas. Não há resolução de conflitos fundiários que não passe pela efetiva realização dos direitos constitucionais dessas populações.
O que querem a senadora Kátia Abreu e os ruralistas da CNA é evitar a solução dos conflitos, na medida em que essa solução passa pelo integral cumprimento da Constituição Federal. Para eles o Poder Judiciário não pode trabalhar para resolver conflitos realizando a reforma agrária, a titulação de territórios quilombolas e a demarcação de terras indígenas, deve apenas atender aos interesses econômicos de quem acha que indígena, quilombola e sem terra é “tudo que não presta”.
Terra de Direitos, 7 de março de 2014
Confira também a nota no sítio da Terra de Direitos.

Direito à terra indígena está acima de título de propriedade

À vista da Constituição, os chamados ‘‘direitos originários indígenas’’, reconhecidos como mais antigos do que qualquer outro, preponderam sobre os direitos adquiridos, inclusive sobre aqueles materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios.
O argumento levou a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a negar Apelação de um fazendeiro do Paraná, que tentou derrubar na Justiça os efeitos da Portaria 1.794/2007, que versa sobre a demarcação de terras indígenas. O colegiado entendeu que, em face do que reza a atual Constituição, não poderia valer a coisa julgada constituída no ano de 1940. Até porque as partes acionadas no processo não estavam presentes à época, e nem havia menção ao direito dos indígenas.
O relator do recurso, juiz federal convocado Sérgio Renato Tejada Garcia, observou que não se exige a imemorialidade da ocupação para identificar uma terra como indígena. Ou seja, não é preciso que a comunidade indígena fixe sua habitação em toda terra reivindicada, que a ocupe fisicamente, mas que ela seja essencial para a sua subsistência, o desenvolvimento das atividades tradicionais e a preservação da herança cultural.
‘‘Assim, é de suma importância não descuidar os preceitos constitucionais e os tratados internacionais que visam salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão do dia 15 de janeiro.
A ação
O autor foi à Justiça com o objetivo de anular os efeitos da Portaria 1.794/2007, de 31 de outubro de 2007, do Ministério da Justiça, na parte que declarou a Fazenda Passo Liso como área de tradicional ocupação dos índios caingangues. A propriedade se localiza no município de Laranjeiras do Sul, no Paraná.
Sustentou que a norma ofende o instituto da coisa julgada, constituída nos autos de medição e divisão sob o número 129, de 1940, que tramitaram perante a Justiça Estadual da Comarca de Guarapuava. A ação anulatória foi proposta em face da União, do Estado do Paraná e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
A sentença
A juíza substituta Fernanda Bohn, da 1ª Vara Federal de Guarapuava, acenou com a literalidade do artigo 472 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: ‘‘A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros’’.
Da leitura deste dispositivo, extrai-se que, como regra geral, a sentença constitui coisa julgada apenas inter partes; ou seja, apenas em relação às partes que integraram a lide — reforçou a magistrada.
Para a julgadora, os documentos anexados à petição inicial não demonstram que a União e/ou a Funai tenham sido partes no processo judicial proposto no ano de 1940, motivo pelo qual tais entidades não são atingidas pela coisa julgada produzida naqueles autos.
"Restam afastadas, ainda, as hipóteses de coisa julgada com efeitos erga omnes [vale para todos] excepcionalmente previstas no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e no artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). Logo, a improcedência do pedido é a medida que se impõe", definiu a juíza.
 Clique aqui para ler o acórdão.
*Fonte:  Consultor Jurídico