quinta-feira, 17 de abril de 2014

Mais de Cem anos de solidão...

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o  gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores,dava a conhecer os novos inventos. Primeiro trouxeram o imã. Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal, que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava de a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia. Foi de casa em casa arrastando dois lingotes metálicos, e todo o mundo se espantou ao ver que os caldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dos parafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidos há muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades. “As coisas têm vida própria”, apregoava o cigano com áspero sotaque, “tudo é questão de despertar a sua alma.” José Arcadio Buendía, cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza, e até mesmo além do milagre e da magia, pensou que era possível se servir daquela invenção inútil para desentranhar o ouro da terra. Melquíades, que era um homem honrado, preveniu-o: “Para isso não serve.” Mas José Arcadio Buendía não acreditava, naquele tempo, na honradez dos ciganos de modo que trocou o seu jumento e um rebanho de cabritos pelos dois lingotes imantados. Úrsula Iguaráni sua mulher, a que contava com aqueles animais para aumentar o raquítico patrimônio doméstico, não conseguiu dissuadi-lo. “Muito em breve vamos ter ouro de sobra para assoalhar a casa”, respondeu o marido. Durante vários meses empenhou-se em demonstrar o acerto das suas conjeturas. Explorou palmo a palmo a região, inclusive o fundo do rio, arrastando os dois lingotes de ferro e recitando em voz alta o conjuro de Melquíades. A única coisa que conseguiu desenterrar foi uma armadura do século XV, com todas as suas partes soldadas por uma camada de óxido, cujo interior tinha a ressonância oca de uma enorme cabaça cheia de pedras.


Gabriel Garcia Marquez (06 de março de 1927 -  17 de abril de 2014)

Brasil concentra metade dos assassinatos de ambientalistas pelo mundo

Metade dos assassinatos de ativistas ambientais entre 2002 e 2012 em todo o mundo ocorreu no Brasil. O dado faz parte do relatório da Organização Não Governamental Global Witness, apresentado nesta terça, 15 de abril.  Dos 908 casos de mortes documentados pela ONG em 35 países, 448 se produziram no Brasil (49,33%).



Confira mais detalhes em matéria de  Elena G. Sevillano para o El País

Frases

“Acho estranho um país como o nosso ter como principal ponta de crescimento a agricultura, não a de alimentos, mas a de commodities, como soja, cana e milho. É nos estados dominados pelo agronegócio que os índios ainda hoje sofrem ameaças, despejos e assassinatos. O oeste do Paraná e o Mato Grosso do Sul, em especial, são regiões muito atingidas por isso. Morrem caciques, lideranças locais, e os crimes nunca são apurados, ninguém é condenado. Cria-se um clima de medo nessas regiões.” Trecho da entrevista dada ao psicanalista Maria Rita Kehl, integrante da Comissão Nacional da Verdade ao jornal O Globo, sobre a atual violação de direitos humanos de povos indígenas no Brasil.


terça-feira, 8 de abril de 2014

Titularidade da terra exigida pela MP 636 não é consenso entre deputados

Deputados defenderam nesta terça-feira (1º de abril), em audiência pública, a retirada de trecho da Medida Provisória (MP)636/13 que exige a transferência da titularidade da terra como condição para ter direito à propriedade da casa construída [em assentamentos de reforma agrária].

Encaminhada pelo governo no final do ano passado, a MP zera dívidas relativas aos créditos de instalação concedidos a assentados da reforma agrária entre 1985 e 2013, além de conceder linha especial de crédito para as famílias incluídas no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e condições especiais de renegociação de saldos remanescentes.

Para o deputado Marcon (PT-RS), a MP pode até prever a titularidade do lote, mas deve estabelecer uma forma que proíba a comercialização da terra. “Se o agricultor quer sair da terra, que vá para outro lugar, mas a terra é da União, a terra é do povo brasileiro. Nós não podemos pegar terra da reforma agrária pra virar uma imobiliária”, defendeu o deputado.

Para o deputado Valmir Assunção (PT-BA) muitos daqueles que defendem a exigência do título, querem comprar as terras dos agricultores. Segundo ele, a titulação é uma forma de privatizar os assentamentos da reforma agrária e permitir a reconcentração de terras, o que anularia todo o processo histórico de luta pela terra.

Regularizar situação 

O deputado Irajá Abreu (PSD-TO) defendeu o texto original da MP. Para ele, a titularidade regulariza a situação de muitos agricultores que estão em situação ilegal. Segundo o parlamentar, a transferência do título, caso assim queira, é um direito do agricultor. “Não podemos impedir que esse assentado cresça para ter uma área maior, ou aumente sua produção”.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, que participou da audiência pública, disse que a titulação é um direito constitucional, mas está atento ao tema da reconcentração fundiária. Para o ministro, a Medida Provisória atua sobre o passado, propondo solução para o endividamento, e sobre o futuro, preparando uma nova forma de financiamento da reforma agrária, com uma agenda positiva para melhores condições de produção.

Rossetto explicou que a MP recupera oito milhões de hectares de áreas agricultáveis, que estão produzindo em condições precárias, e beneficia mais de um milhão de famílias, que terão seus contratos renegociados e poderão ter acesso ao sistema de crédito agrícola nacional. Para o ministro, o objetivo da medida provisória é aumentar a produção, baratear os preços dos alimentos, combater a inflação e elevar a renda no campo.

Comercialização dos lotes

O relator da MP, senador Wellington Dias (PT-PI), deverá apresentar o relatório na quarta-feira (9) da próxima semana. Ele afirmou que está sensível à preocupação dos parlamentares quanto à comercialização dos lotes. Dias disse que há um esforço histórico de repasse de terras públicas privadas para pequenos agricultores. “Se não tivermos cuidado, essa terra acaba se concentrando novamente. Hoje, os pequenos são responsáveis por boa parte da produção brasileira”, observou o senador.

Fonte: Agência Câmara