sábado, 27 de fevereiro de 2010

Há nuances de autoritarismo do Estado na construção do Complexo do Madeira, alerta o doutor Alfredo Wagner

Por Rogério Almeida*

A disputa pela terra e os recursos nela existentes coloca ao centro a disputa pelo projeto de desenvolvimento em que estão em oposição grandes corporações do setor do agronegócio, mineradoras, construtoras de barragens, base de lançamento de foguetes de Alcântara, empresas de cosméticos e farmácia; e no outro extremo camponeses, indígenas e quilombolas e demais modos de vida considerados tradicionais na Amazônia. E aprofunda a condição colonial da região, como mera exportadora de matéria prima, numa âncora de projetos marcados pela lógica de enclave.

Conflitos Sociais no Complexo do Madeira demorou dois anos e meio para ser produzido e agrupa 21 artigos e doutores, mestres, graduados, mestrandos e doutorandos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal do Pará (UFPA).

A obra organizada pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida foi lançada ontem sob uma noite de chuva na Estação Gasômetro Parque da Residência, no bairro de São Braz em Belém. Uma espécie de teatro.

O organizador do livro avalia que há nuances autoritárias na intervenção do Estado. Na opinião de Almeida os modelos de megas projetos de geração de energia e outros similares não permitem a publicização de informação. Tal conformação não se coaduna com uma sociedade democrática. O livro recupera 200 anos de relatos dos naturalistas.

Na opinião de Almeida a burocracia do Estado despreza a ética, não considera a diversidade socioambiental e o ser humano. Indígenas, quilombolas, extrativistas e pescadores protagonizam várias passagens do livro. A situação de disputa pelo território e os recursos nele existentes impregnam a aquarela de tensão na Amazônia. Faces que dialogam com processos gerados em grandes centros de desenvolvimento que demandam matérias primas, como no caso da China, bem como os processos de integração regional como a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), da alçada do Governo Federal.

No horizonte, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) emerge como ponta de lança. Instituições como o Banco Mundial e o BID gravitam como fomentadores de projetos e políticas públicas para a periferia.

Guilherme Carvalho, historiador e doutorando da UFPA, Joseline Trindade, professora da UFPA, Rosa Elizabeth Acevedo Marin, professora do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA) e Dion Monteiro, economista e doutorando da Universidade de Paris 13 e membro do coletivo Xingu Vivo compuseram a mesa de debate.

Monteiro recuperou a contribuição de Glenn Switkes, ambientalista engajado nas causas dos rios, falecido no fim do ano passado. E disparou contra a ação da Advocacia Geral da União (AGU), que ameaçou o trabalho dos procuradores do Ministério Público Federal (MPF). O MPF tem se notabilizado pela excelente fiscalização sobre os megas projetos no Pará. E sido um parceiro junto às comunidades consideradas tradicionais.

Guilherme Carvalho, que tem se especializado em buscar entender o papel das agencias multi laterais, avalia que muita coisa pode ser realizada para otimizar a amplificação da energia antes de erguer megas hidrelétricas na Amazônia. Modernizar as hidrelétricas antigas e reduzir a perda da energia no processo de transmissão, estimada em 15%, seria de grande valor.

Carvalho pondera que o xadrez político e econômico envolve inúmeros interesses. Vendedores de aço, cimento, construtoras, consultores e tantos outros. Ele registra que até 2050 há 302 projetos de construção de energia na Amazônia.

Na opinião de Carvalho a experiência do Complexo de Hidrelétricas do Madeira serve como uma espécie de laboratório. Um exercício para acumular conhecimento no campo, técnico, jurídico e político e amplificar para o resto da região.

*Publicado originalmente no blog Furo.
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