quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A brutalidade dos coronéis e as histórias dos Tupinambá

Documentário em financiamento coletivo reúne depoimentos de indígenas da aldeia Serra do Padeiro, na Bahia, e sobre a luta pela terra
Dona Marluce, Tupinambá que vive na Serra do Padeiro, é uma das narradoras da história da brutalidade contra seu povo e da resistência, em documentário que busca financiamento coletivo

por Daniela Alarcon*


“Bom, o doutor Almeida... Ele tinha parte com o diabo.” É assim que dona Marluce do Carmo, uma senhora Tupinambá de 58 anos de idade, introduz o coronel mais afamado da região onde se situa a aldeia Serra do Padeiro, na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, que se estende por porções dos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, no sul da Bahia. Recorrendo às artes ocultas, conta dona Marluce, “doutor” Almeida fez com que uma ponte sobre o rio de Una se construísse sozinha – ela tem nítida diante de si a imagem pavorosa que lhe foi transmitida pelos antepassados, de guindastes movendo-se sem a mão humana, noite adentro.

Referido pelos indígenas como o “dono de Una”, Manoel Pereira Almeida foi grande proprietário rural e um dos principais responsáveis pela fixação de não índios no sul e oeste da Terra Indígena. Entre 1919 e 1937, esteve à frente da administração de Una – exceto por um breve intervalo, devido à Revolução de 1930 –, mantendo influência política no município até a década de 1960. Morreu, diz-se, quando um inimigo político determinou o corte de um pau-ferro, árvore que se erguia no centro da cidade e na qual sua vida fora “colocada”, a seu pedido, por um curandeiro.

“Olha, essa beira de rio aqui sempre foi nossa, dos nossos antepassados, do nosso tataravô”, conta dona Marluce, diante de sua casa, junto ao rio de Una. “Eu nasci e me criei aqui. Esse rio aqui é o rio que lavou minhas fraldas e de todos esses que estão aí.” À beira do mesmo rio, ergue-se ainda hoje o opulento casarão de Almeida. “Conheci gente ligada ao filho desse doutor Almeida. A casa em que ele morava, ninguém não podia nem chegar, porque morava o demônio dentro lá também – da casa dele, entendeu? Então, o homem era esquisito. Além de ter se coligado com os demais, para mandar acabar com os nossos antepassados também. Tios meus morreram de tanto apanhar. Era ele, esse doutor Almeida, e outro coronel de Ilhéus também, que eram ligados às matanças com a gente, com nossos antepassados. É por isso que sempre eu falo: até hoje ainda existe a maldição por lá.”
Almeida não é exceção. Nas falas dos Tupinambá, coronéis do tempo do cacau e outros pretensos proprietários de terras comumente aparecem como figuras brutais, associadas a pactos diabólicos e a assombrações. No hospital de Buerarema (hoje desativado), instalado na casa onde viveu um poderoso local, Eurico Susart de Carvalho, ruídos fantasmagóricos são ouvidos à noite. Dona Marluce recorda: “Eurico Suzart também tinha parte com o coisa-ruim. Um dia, o vaqueiro dele de confiança, quando chegou na manga, viu que um boi preto engoliu esse Eurico e cagou. Aí Eurico disse para ele não contar para ninguém, que era um segredo, era para ele morrer com aquilo. Era coisa do pacto [diabólico]. Quando ele morreu, quem pegou no caixão diz que lá dentro não tinha corpo: era um toro de bananeira”.
No marco da brutal expropriação sofrida pelos indígenas, narrativas como essas se multiplicaram. Invadido, o território tupinambá recobriu-se de pedras de tocaia (atrás das quais se postavam matadores de índios), covas na mata (onde foram parar alguns dos indígenas que se recusaram a entregar seus sítios) e peixes grandes comedores de gente (que se fartavam quando corpos eram lançados nas represas a mando dos coronéis). Porém, nas últimas décadas – após um longo período de resistência mais ou menos silenciosa, em que a história tupinambá morava nas memórias dos velhos –, esse povo vem se dedicando a curar a terra da sombra dos invasores.
Em 2004, após intensa pressão, o Estado brasileiro iniciou o processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. No mesmo ano, os indígenas iniciaram a recuperação efetiva de seu território, retomando fazendas em posse de não índios, limpando as nascentes, replantando roças, reocupando velhas casas abandonadas e adentrando novamente as moradas dos encantados – entidades não humanas que, conforme a cosmologia tupinambá, são os verdadeiros donos da terra. Só na aldeia Serra do Padeiro, cerca de 70 fazendas foram retomadas desde então e, a despeito de violentas ações de reintegração de posse, os indígenas continuam em posse de todas.
Dona Marluce participa das retomadas desde o início. “Nós não somos ladrões: nós estamos lutando pelo que é nosso. Que a terra é nossa, sempre foi nossa. Os nossos pais que morreram, lutando para ela ser nossa, e não conseguiram... Mas nós, que somos os netos, os bisnetos, os tataranetos... agora chegou a nossa vez!”
***
Transcorridos mais de dez anos, o processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença ainda não foi concluído e os indígenas vêm tendo seus direitos sistematicamente violados. Para que mais pessoas conheçam o caso tupinambá e se somem na pressão pela demarcação, a documentarista Fernanda Ligabue e eu, junto aos Tupinambá, estamos realizando um documentário de curta-metragem, reunindo depoimentos de indígenas da aldeia Serra do Padeiro, entre os quais, dona Marluce. O filme, produzido pela Repórter Brasil, está em fase de edição. Para finalizá-lo, criamos uma campanha de financiamento coletivo e convidamos todos que puderem a colaborar.

** Mestre em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília - UnB (“O retorno da terra: As retomadas na aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro, sul da Bahia”). Doutoranda em Antropologia Social junto ao Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ).Publicado originalmente no Blog do Felipe Milanez no sítio da Carta Capital

Dilma determina mudança no licenciamento ambiental

Na fonte 
Dilma Rousseff determinou que o Ministério do Meio Ambiente passe a discutir diretamente com outras pastas o licenciamento das obras de infraestrutura. O objetivo é evitar atrasos.

Verde-claro 
Ministros discutiram na terça, ainda, proposta para afrouxar a fiscalização desses licenciamentos. O governo atribui parte do atraso em obras a questionamentos do Ministério Público nos Estados e decisões de tribunais de Justiça.

Manejo 
A ideia, levada por Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia), é propor mudanças na legislação para restringir contestações ambientais ao Ministério Público Federal e a tribunais federais.

Marco Antônio Delfino: Clima de terrorismo impede demarcação de terras indígenas.


Em entrevista para o sítio do Instituto Humanitas Unisinos (IUH), o Procurador da República Marco Antônio Delfino sentencia: “A União tenta atender a todo mundo (produtores rurais e indígenas) ao mesmo tempo, mas não atende ninguém”, sustenta o procurador que defende ainda a execução da reforma agrária.

Ao defender as comunidades indígenas, o Ministério Público Federal não está apoiando um determinado grupo social em detrimento de outros, não se trata, simplesmente de defender uma causa, mas de garantir os direitos constitucionais. “É preciso que fique claro: o que o Ministério Público está defendendo é a Constituição Federal. A defesa das comunidades indígenas é igualmente um mandato expresso do Ministério Público Federal”, defende o procurador.

A pauta da demarcação de terras indígenas já é longa e há sete anos não avança em nada. “Desde 2008, há esse clima de terrorismo que impede que o processo de demarcação avance. O próprio governo federal recuou politicamente. Ele entende que politicamente não é uma briga que vale à pena de ser travada”, descreve.

Frente a esta queda de braço, onde de um lado estão as forças políticas amparadas pelo setores mais conservadores do Congresso e de outro os indígenas e os movimentos sociais, o governo parece se furtar ao debate. “O que vejo, infelizmente, é que a União fica numa posição extremamente cômoda. Há um compromisso político, mas com um determinado segmento. E aí se usa o eufemismo de que a demarcação vai avançar com responsabilidade ou acordo e, ao mesmo tempo, se faz compromissos com as lideranças indígenas de que irá cumprir seu papel”, aponta o procurador.

Com base em uma falsa “questão de fundo”, o Congresso empurra com a barriga a pauta indígena e mantém sua precária lógica de abordagem dos temas. “A grande questão é que o Congresso acaba entendendo o processo de demarcação sempre como o antagonismo de matéria e antimatéria. O processo de demarcação é sempre visto como um processo de destruição da produção”, explica Marco Antônio.

“A reforma agrária, tal como a questão indígena, tem que ter uma adequada atuação. Tem que ter recursos que sejam carreados de forma adequada para que a reforma venha a funcionar. (...) A Reforma agrária também é um mandamento constitucional, ela tem que ocorrer. Não é questão de acreditar ou não. Tem que ocorrer”, ressalta.


Confira a entrevista do Procurado Marco Antônio Delfino ao sítio do IUH.

MPF denuncia militares por homicídios durante a Guerrilha do Araguaia

Lício Maciel é acusado de três assassinatos e ocultação de cadáveres. Sebastião Curió também é acusado de ocultação de corpos

O Ministério Público Federal (MPF) entrou na Justiça nesta quarta-feira, 28 de janeiro, com ação penal contra dois militares da reserva do Exército por crimes ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência à ditadura militar.

Lício Augusto Ribeiro Maciel - conhecido na época da ditadura como major Asdrúbal - é acusado pelos homicídios dos militantes André Grabois, João Gualberto Calatrone e Antônio Alfredo de Lima e pela ocultação dos cadáveres das vítimas. Sebastião Curió Rodrigues de Moura - conhecido na época como doutor Luchini - foi denunciado pela ocultação dos cadáveres.

Para o MPF, trata-se de homicídios qualificados, por terem sido praticados à emboscada e por motivo torpe. Outros agravantes das penas, segundo o MPF, é que os crimes foram cometidos com abuso de autoridade e violação a deveres inerentes aos cargos dos militares. 

O MPF também pediu à Justiça Federal em Marabá, no Pará, que os acusados sejam condenados ao pagamento de danos em quantia equivalente à indenização paga aos familiares das vítimas, a ser atualizada durante o processo judicial. Outro pedido foi o de que os acusados sejam condenados à perda dos cargos públicos, com o cancelamento das aposentadorias e a devolução de medalhas e condecorações recebidas.

Execuções sumárias 
Os assassinatos ocorreram em 13 de outubro de 1973 em São Domingos do Araguaia, no sudeste do Pará. O grupo militar de combate responsável pela execução dos militantes era comandado por Lício Maciel. Segundo a ação, os militares emboscaram os militantes enquanto eles estavam levantando acampamento em um sítio.

A emboscada, as mortes e as ocultações dos cadáveres descritas na ação do MPF estão comprovadas por documentos e inúmeros depoimentos prestados por diversas testemunhas ao MPF e a outras instituições. 

Foram também citados depoimentos dados por militares e pelo próprio Lício Maciel. Ele descreveu assim a primeira execução: “Os meus companheiros, que chegavam, acertariam o André, caso eu tivesse errado, o que era muito difícil, pois estava a um metro e meio, dois metros dele”. Outra testemunha presencial do fato relata que: “foram pegos de surpresa, não tendo tempo para reação ... o Exército chegou atirando de metralhadora”.

“O crime foi cometido por motivo torpe, consistente na busca pela preservação do poder usurpado no golpe de 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para reprimir e eliminar opositores do regime e garantir a impunidade dos autores de homicídios, torturas, sequestros e ocultações de cadáver”, diz a ação assinada pelos procuradores da República Tiago Modesto Rabelo, Ivan Cláudio Marx, Andréa Costa de Brito, Lilian Miranda Machado, Sérgio Gardenghi Suiama e Antônio do Passo Cabral, no âmbito da Força Tarefa Araguaia, constituída pela Procuradoria Geral da República.

Ocultações em série
Sob a orientação de Lício Maciel, no dia seguinte aos assassinatos um grupo de militares acompanhado por um mateiro (guia civil) enterrou os corpos em valas abertas em outro sítio de São Domingos do Araguaia.

Entre agosto de 1974 e 1976, as ossadas foram removidas para outros lugares e novamente ocultadas em locais ainda desconhecidos durante a “Operação Limpeza”, uma operação militar de encobrimento dos vestígios das ações de repressão à dissidência política no Araguaia. Entre outros militares, a coordenação dessa operação estava sob responsabilidade de Sebastião Curió, apontado como um dos poucos que tem conhecimento dos locais onde sepultadas as ossadas dos militantes.

“Nessa operação, Sebastião Curió foi o responsável por coordenar a retirada dos corpos das covas e locais nos quais originariamente foram deixados, posteriormente enterrando-os ou de alguma forma ocultando-os em locais diversos, até então não conhecidos”, registra a denúncia.

Outras ações 
Além de denunciar os assassinatos, em outra ação o MPF denunciou Lício Maciel à Justiça pelo sequestro de Divino Ferreira de Sousa, o Nunes, capturado e ilegalmente detido pelo Exército também em 13 de outubro de 1973.

A ação foi deu base a abertura de processo judicial em agosto de 2012 (processo nº 0006232-77.2012.4.01.3901) na Justiça Federal em Marabá. Em novembro de 2013 o acusado entrou no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, com pedido para que o processo fosse cancelado. O pedido foi aceito em dezembro de 2014. O MPF recorreu ao TRF-1 da decisão.

Em outro processo aberto na Justiça Federal em Marabá (processo 0006231-92.2012.4.01.3901), o MPF acusa Sebastião Curió pelo crime de sequestro qualificado por maus tratos contra cinco militantes capturados durante a repressão à guerrilha do Araguaia na década de 70 e até hoje desaparecidos. Essa ação foi encaminhada à Justiça Federal em março de 2012. Curió conseguiu no TRF-1 o trancamento do processo. O Ministério Público Federal recorreu da decisão do tribunal, ainda sem sucesso. Agora, o MPF tenta levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Íntegra da denúncia e cota:
AQUI.

Fonte: MPF

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

MPF recorre contra soltura de integrantes da maior quadrilha de desmatadores da Amazônia


Desmatadores haviam sido presos em 2014 durante a operação Castanheira

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou na última quinta-feira, 22 de janeiro, recurso contra a revogação dos mandados de prisão preventiva contra líderes da quadrilha de desmatadores desbaratada pela operação Castanheira em agosto de 2014 na região de Novo Progresso, no sudoeste do Pará.

Além de recorrer contra a revogação do mandado de prisão dos líderes da quadrilha, desde a realização da operação Castanheira o MPF já recorreu contra a soltura de nove presos integrantes da quadrilha que tiveram resposta positiva da Justiça Federal a seus pedidos de habeas corpus.

Segundo os organizadores da operação Castanheira, realizada pelo MPF, Polícia Federal, Receita Federal e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o grupo alvo da operação Castanheira formava a maior quadrilha de desmatamento da Amazônia.

A área da rodovia BR-163, onde a quadrilha atuava, concentrava cerca de 10% de todo o desmatamento da Amazônia nos últimos dois anos. No final de agosto, quando a quadrilha foi pega, a taxa de desmatamento semanal era de mais de 3,4 mil hectares. Na primeira semana de setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou desmatamento zero.

De acordo com a investigação, pelo menos 15,5 mil hectares foram desmatados pela quadrilha, resultando em um prejuízo ambiental equivalente a R$ 500 milhões, no mínimo.

Violação de regras do plantão judicial 
O pedido do MPF encaminhado à Justiça Federal na semana passada é sobre a revogação dos mandados de prisão preventiva de Ezequiel Antônio Castanha e de Giovany Marcelino Pascoal. Apesar de eles já terem recebido resposta negativa a vários pedidos feitos à Justiça Federal em Itaituba, onde o processo tramita, e até mesmo ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, os acusados voltaram a pedir a revogação da prisão à Justiça Federal, desta vez em Belém, durante o plantão judiciário de final de ano, e foram atendidos.

“É comum a apresentação de pedidos perante o juízo plantonista com o objetivo exclusivo de burlar a análise pelo juízo natural da causa”, observa a procuradora da República Janaina Andrade de Sousa no texto do recurso. “Busca-se, com isso, que casos complexos sejam levados à apreciação de magistrado que não teve qualquer contato com os autos principais”.

Relato da extensa cadeia de crimes praticados pela organização criminosa, a denúncia relativa à operação Castanheira tem mais de cem páginas de detalhamento de como agia a quadrilha, com detalhamento da atuação dos 23 denunciados.

O MPF cita no recurso uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina que o plantão judiciário não se destina à renovação de pedido já apreciado no órgão judicial de origem do caso, nem à sua reconsideração ou reexame. Na linha do CNJ, portaria publicada em dezembro pelo Tribunal Regional Federal estabelece limites de atuação do juiz plantonista durante o recesso judicial.

Livres para novos crimes 
Segundo o MPF, os mandados de prisões preventivas haviam sido expedidos pela Justiça Federal em Itaituba para garantir que o processo judicial pudesse ser corretamente abastecido de informações, tendo em vista o risco de que os acusados destruam provas necessárias ao processo e ameacem testemunhas. Segundo dados fornecidos pela Polícia Federal, os acusados já haviam tentado destruir parte das provas.

Pascoal chegou a ser preso. E o mandado de prisão em relação a Castanha foi cancelado sem ter sido cumprido. A procuradora da República alerta no recurso que o cancelamento dos mandados de prisão pode permitir a fuga dos acusados e pôr em risco a ordem pública, já que Pascoal e Castanha poderiam voltar a atuar na invasão de terras públicas, furto, sonegação fiscal, crimes ambientais, falsificação de documentos, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

O MPF também sustentou no recurso que os mandados de prisão devem ser mantidos porque as penas privativas de liberdade referentes aos delitos cometidos ultrapassam em muito o limite mínimo da legislação para decretação da prisão preventiva, que é de quatro anos. Ezequiel Antônio Castanha é acusado de crimes cujas penas somadas chegam a até 54 anos de cadeia. Para Giovany Marcelino Pascoal, o tempo máximo de cadeia pode atingir 49 anos.

Contestação a suposto excesso de prazo 
A decisão que revogou os mandados de prisão tem como fundamento um suposto o excesso de prazo da prisão. Contra esse argumento da defesa o MPF alega que o Código de Processo Penal não estabelece um prazo máximo para a prisão preventiva e que um dos próprios acusados – Giovany Pascoal – está criando obstáculos ao andamento rápido do processo judicial. Pascoal pediu para que no processo sejam ouvidas testemunhas residentes em outros países, sem justificar a importância da contribuição dessas testemunhas ao processo.

Sobre a situação de Castanha, a procuradora da República ressalta que se o Código de Processo Penal não prevê prazo máximo nem para a duração da prisão preventiva, não cabe a alegação de excesso de prazo de ordem de prisão preventiva que sequer foi cumprida, já que o acusado fugiu durante a operação e encontrava-se foragido até o final de dezembro.

“Mostra-se indevida, pois, a presunção de um suposto excesso de prazo para quem nem preso está. Ao revés, a fuga do paciente do distrito da culpa revela, como afirmado anteriormente, o seu nítido propósito de se furtar da responsabilidade de sua conduta, fato que corrobora a necessidade da manutenção da sua custódia cautelar”, destaca o recurso do MPF.


Fonte:  Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

Entrevista com Gerson Teixeira: Depois da estagnação na reforma agrária, indicação de Kátia Abreu reforça opção do Governo Dilma pelo agronegócio.


Passados 12 anos do governo petista, pouco ou quase nada se avançou no tema reforma agrária. Agora, em nome do presidencialismo de coalização, o novo governo Dilma inicia com aliados que sempre foram ícones na defesa do agronegócio – vide a ministra da Agricultura Kátia Abreu. Diante desse cenário, é possível ainda acreditar em avanços nos temas relacionados à posse da terra?

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o engenheiro agrônomo e integrante da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA, Gerson Teixeira, afirma: “Os desafios são os mesmos de sempre, agravados, neste período histórico, pelos efeitos da hegemonia do agronegócio que, mesmo não conseguindo interditar totalmente essa agenda, conseguiu represá-la”, avalia. Hegemonia essa que se reforça tendo no governo figuras como a ministra da Agricultura que, nos primeiros dias na pasta, evidenciou suas preferências ao afirmar que não existe latifúndio no Brasil. “Esse engajamento incorpora discurso carente de consistência científica, ao pegar níveis de excelência da eficiência econômica do agronegócio”.

Teixeira reconhece alguns avanços ao longo da gestão petista, destacando ações da bancada do PT pelo fim do latifúndio. “Contudo, os conservadores conseguiram evitar a eficácia desse dispositivo ao enfiarem no texto da Constituição que lei específica garantiria tratamento especial à propriedade produtiva e fixaria normas para o cumprimento da sua função social. Até hoje não se toca nesse assunto no Congresso”, pondera. Na prática, a legislação segue emperrando análises mais eficazes sobre a produtividade e as pequenas propriedades continuam sendo preteridas às demandas dos grandes produtores.

 O problema também se acentua quando se traz ao debate questões de terra para índios e preservação de áreas naturais. “Na atualidade, as terras dos povos indígenas, as unidades de conservação, os territórios quilombolas, bem como as áreas do programa de reforma agrária foram transformadas em alvo da voracidade por mais terras pelo agronegócio que está sob o controle do capital financeiro internacional.”

No entanto, em contrapartida, Gerson Teixeira avalia positivamente a figura de Patrus Ananias no Desenvolvimento Agrário. “Por suposto ele não terá facilidades para viabilizar uma estratégia de ação que consiga de fato redirecionar a agricultura familiar e camponesa para uma realidade de sustentabilidade econômica e de protagonismo concreto da segurança alimentar e nutricional do país”, complementa.

Gerson Teixeira é engenheiro agrônomo, especialista em desenvolvimento agrícola pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Também é ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.

Ex-presidente da Funai solta o verbo: “A Funai está sendo desvalorizada e sua autonomia totalmente desconsiderada”

Assirati ao lado do ministro José Eduardo Cardozo, do Ministério da Justiça, ao qual a Funai responde. Ela descreve como a interferência política segura o trabalho técnico do órgão indigenista: “nada mais, nesse momento, depende apenas da Funai”. Foto: Agência Brasil

Na primeira entrevista desde que deixou o cargo de Presidente da Fundação Nacional do Índio, Maria Augusta Assirati fala sobre a interferência política no órgão indigenista, liderada pela Casa Civil e pelo Ministério da Justiça. E revela a manobra do governo para licenciar a usina de São Luiz do Tapajós.

Maria Augusta Assirati foi presidente interina da Fundação Nacional do Índio (Funai) por um 1 ano e 4 meses, tempo em que ela diz ter vivido com “grande descontentamento e constrangimento”. Na gestão que menos demarcou terras desde José Sarney, ela aponta a interferência política do governo Dilma Rousseff como a maior responsável pela paralisação do trabalho técnico do órgão indigenista. “A orientação é no sentido de que nenhum processo de demarcação em nenhum estágio, delimitação, declaração, ou homologação, tramite sem a avaliação do Ministério da Justiça e da Casa Civil”.

Na  entrevista, ela fala sobre o estopim para o seu pedido de exoneração: uma manobra para licenciar a usina de São Luiz do Tapajós, que pode alagar terra Munduruku; Depois de analisar o caso e se comprometer com os indígenas a publicar o relatório que delimita a terra, Assirati diz que foi obrigada a voltar atrás. “Nós tivemos que descumprir esse compromisso em razão da prioridade que o governo deu ao empreendimento. Isso é grave”.

A ex-presidente da Funai fala sobre como tentou apresentar uma alternativa, propondo que se selecionasse outro local para a obra. Mas o governo não teria considerado a solução satisfatória, pois o setor elétrico indicava que o leilão precisava ser lançado ainda em 2014.
De fato, em setembro, o Ministério de Minas e Energia anunciou o leilão da usina de São Luiz do Tapajós. Mas dias depois teve que adiar para uma data não definida, pois o licenciamento da hidrelétrica ainda não estava concluído. A “culpa” do atraso não foi da Funai ou do Ibama. Faltava a conclusão do Estudo de Componente Indígena, avaliação de impactos que é feita pelo grupo de empresas interessadas em construir a hidrelétrica: Eletrobras, Eletronorte, GDF SUEZ, EDF, Neoenergia, Camargo Corrêa, Endesa Brasil, Cemig e Copel.

Hoje com 38 anos, Assirati é formada em direito e trabalhou em gestões municipais do PT em São Paulo. Foi para Brasília em 2007 para integrar a mesa de negociações com servidores públicos do Ministério do Planejamento. Desde então passou pelo Ministério da Saúde, Justiça e Secretaria-Geral da Presidência, sempre em áreas ligadas à interlocução com movimentos sociais.



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Fundo do poço: Reinaldo Azevedo elogia o Incra!


 A notícia de que o Incra decidiu não querer mais a atualização dos índices de produtividade mínimas para que imóveis rurais sejam desapropriados para reforma agrária ganhou elogios de ninguém menos do que o colunista de Veja, Reinaldo Azevedo:

Incra faz a coisa certa e abandona tese que incendiaria o campo; MST não gostou. Então deve ser mesmo bom!

Incra muda de posição e rejeita revisar índice de produtividade

João Carlos Magalhães*

Documento interno do Incra (Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária) indica o fim da defesa de uma tradicional reivindicação do órgão e de movimentos sociais, a atualização dos índices de produtividade rural.

Segundo o pedido, a adequação desses padrões, estabelecidos com dados de 1975, revelaria que parte das grandes fazendas do país -se levada em conta a evolução tecnológica das últimas décadas- são improdutivas, não realizam sua função social e devem ser desapropriadas.

O relatório diz que a alta produtividade das grandes fazendas é empecilho para desapropriações, sem entretanto citar que o índice para medir a produtividade pode estar artificialmente baixo.

"A disseminação da tecnologia está permitindo que haja uma homogeneidade dos índices alcançados de produtividade física. São poucas as propriedades rurais com boas terras e bem localizadas que sofrerão a sanção constitucional da desapropriação em função dos indicadores de produtividade física", afirma o documento -"Proposta de Atualização Institucional do Incra"-, feito em dezembro.

O texto não apenas deixa de propor a atualização do índice como diz que outra abordagem deve ser avaliada.

Em lista de "estratégias de acesso à terra", o relatório propõe "debater um índice de sustentabilidade em vez da produtividade física", mas sem detalhar como a discussão ocorreria e quais variáveis comporiam o padrão.

A primeira parte relata o que foi feito pelo órgão nos últimos anos. A segunda, propõe ideias para o futuro e cita reivindicações salariais.

Mudança
A proposta, responsabilidade do atual presidente do Incra, Carlos Guedes, difere do que outros ocupantes do cargo falaram desde a chegada do PT ao governo federal.
Rolf Hackbart, que esteve à frente do instituto durante as duas gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu diversas vezes a modernização das bases de comparação. Celso Lacerda, que o substituiu, também o fez, mas com menos ímpeto.

A mudança sempre sofreu forte resistência do agronegócio, mas, graças em parte à pressão do Incra, em certos momentos da gestão Lula chegou perto de acontecer. Nos últimos anos, com o fortalecimento da bancada ruralista e o arrefecimento do conflito agrário, o assunto sumiu da agenda do governo.

Patrus Ananias (PT), novo titular do Ministério do Desenvolvimento Agrário - ao qual o Incra é ligado-, já disse ser favorável à mudança.

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), por sua vez, criticou o abandono da bandeira. "É com preocupação que a gente vê essas coisas. Houve uma mudança de ideologia quanto a desapropriar terras, o Incra não busca mais enfrentar o latifúndio", afirma Alexandre Conceição, da coordenação nacional do movimento.

Em nota à Folha, o Incra disse: "O documento foi elaborado para informar e subsidiar o novo ministro Patrus Ananias sobre os temas que dizem respeito ao Incra. O documento, entregue ao ministro, está sob sua análise, portanto não cabe comentários sobre os pontos colocados".

O texto reafirma a justificativa do governo federal para diminuir o ritmo de desapropriações, segundo a qual é mais eficiente desapropriar terras que tiverem condições de se tornarem produtivas.

"O desafio é identificar os fatores que podem levar grandes imóveis com boas condições de aptidão, logística e acesso a equipamentos públicos para serem destinados ao programa de reforma agrária de forma mais célere pelo Incra", conclui o documento”.

Fonte: Folha de São Paulo


Publicação registra pressão sobre os beiradeiros do Alto Rio Iriri, no Pará

O livro  “Não tem essa lei no mundo, rapaz! A Estação Ecológica da Terra do Meio e a resistência dos beiradeiros do alto rio Iriri” é o resultado da pesquisa dos cientistas sociais Daniela Alarcon e Mauricio Torres sobre a situação fundiária dos beiradeiros (ribeirinhos) que vivem junto ao Rio Iriri, o maior afluente do Xingu, na Estação Ecológica da Terra do Meio (EsecTM), no Pará. A edição do livro é resultado de parceria entre o ISA e as associações extrativistas das Resex do Riozinho do Anfrísio (Amora) e do Rio Iriri (Amoreri).

A frase que dá título ao livro (“Não tem esta lei no mundo, rapaz!”) foi dita por Seu Zé Boi (José Alves Gomes da Silva), beiradeiro que vive na EsecTM, em depoimento aos autores do livro. Ele demonstrava sua consternação em face de regras impostas aos beiradeiros pelo Ibama/ICMBio. No entendimento de Seu Zé Boi, corroborado pelos autores do livro, boa parte dessas regras vai na contramão das noções de direito e das práticas do grupo que tradicionalmente ocupa a área. Além de serem, muitas delas, inconstitucionais.

A Estação Ecológica da Terra do Meio foi criada em 2005, com três milhões de hectares, habitados hoje por um conjunto de famílias de beiradeiros e camponeses, que já viviam ali muitas décadas antes de sua criação. A categoria de Unidade de Conservação escolhida, de proteção integral, mais restritiva, não levou em conta a existência dessa população e deu como certo que a conservação da natureza é incompatível com as atividades tradicionais praticadas pelos beiradeiros. A partir dali, os ribeirinhos começaram a ter seus direitos desrespeitados e, hoje, sua sobrevivência está ameaçada pela violação de seus direitos civis e pelo estrangulamento de suas alternativas de geração de renda.

Histórias de pressão e temor
Os autores resgatam os estudos para a criação da EsecTM e das outras UCs da Terra do Meio (coordenados pelo ISA, a partir de demanda do Ministério do Meio Ambiente) e mostram como a proposta elaborada a partir de rigorosa pesquisa registrava a existência das famílias beiradeiras e previa que a área se tornasse uma Resex, categoria de UC focada no reconhecimento territorial de comunidades tradicionais, como os beiradeiros do Iriri, e não na sua expropriação, como pretende a Esec. Entretanto, mesmo tendo plena ciência da ocupação das dezenas de famílias beiradeiras, o Ibama optou pela UC de proteção integral.

A publicação conta as trajetórias de uma população que vive em ambiente de pressão, desinformação e temor. Estão documentadas histórias como a de Dona Zefa (Josefa Jerônimo da Silva), que viu uma equipe do Ibama revirar sua casa sem poupar sequer suas roupas íntimas, e a de Francisca Graça Gomes da Silva, que, na ausência de escola no beiradão, mudou-se com os quatro filhos para a periferia de Altamira, e perdeu-os todos, assassinados ou desaparecidos. Reproduz, ainda, relatos de beiradeiros sobre o caso de Chico, sua esposa e filhas, que viviam na margem do Rio Iriri e tiveram sua casa incendiada por ordem do então chefe da Unidade, sendo, em seguida, expulsos da área.

Os autores recuperam também algumas histórias familiares, indicando o arraigo dos beiradeiros ao território onde vivem há gerações e seu profundo conhecimento e ricas tecnologias de manejo da floresta. É o caso, por exemplo, de Dona Maria Raimunda Gomes da Silva, nascida em 1939 na margem direita do Rio Iriri, que toda a vida tirou seu sustento da floresta e têm sete filhos enterrados no beiradão. “Nunca abandonei aqui. Eu, pelo menos, não quero sair daqui, não, só se me mandarem embora. Se mandarem, eu vou chorando”, disse ela aos pesquisadores.

Termo de Compromisso aguarda para ser assinado
“Não tem esta lei no mundo, rapaz!” analisa também o processo de elaboração de um Termo de Compromisso (TC), no qual está empenhada a atual gestão da Unidade e que poderia harmonizar a relação entre o ICMBio e os beiradeiros que vivem no interior da EsecTM. O documento aponta meios para que se encerre a violência e o cerceamento institucional a que essas famílias têm sido submetidas e toma providência para que elas passem a ter acesso a direitos, como saúde e educação, hoje sistematicamente violados. Selado o pacto entre a gestão do ICMBio e os beiradeiros, o documento seguiu para Brasília, para ser assinado pela presidência do órgão; entretanto, até agora e sem qualquer justificativa, ainda não foi firmado.

Os dados da pesquisa foram coletados de 2007 a março de 2013, quando se deu a última de diversas incursões pela EsecTM, com o apoio da atual gestão da UC. No último período em campo, os pesquisadores realizaram entrevistas (semiestruturadas e livres) com beiradeiros e colonos que vivem na EsecTM e participaram de reuniões envolvendo esses grupos, representantes governamentais e outros para a construção do TC.

A versão digital do livro é gratuita e pode ser baixada aqui . Boa leitura!

Fonte: Isa

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Funcionários de usina hidrelétrica de São Manoel ateiam fogo em alojamento


Operários que estão trabalhando no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Energia (UHE) São Manoel, que está sendo erguida no rio Teles Pires, na divisa de Mato Grosso com o Pará, atearam fogo em uma instalação daquela unidade, durante a madrugada desta quinta-feira.

De acordo com informações da Polícia Militar, ainda está sendo apurado o que ocorreu no pátio de obras. Mas o certo é que alguns trabalhadores ficaram revoltados com questões trabalhistas e incendiaram um depósito. Outros funcionários usaram um caminhão pipa para apagar as chamas.

A direção da empreiteira que está tocando o empreendimento acionou as polícias Civil e Militar, para confeccionar boletim de ocorrências. Até agora, a companhia não se manifestou sobre quais reivindicações estão sendo feitas pelos trabalhadores.

A UHE São Manoel é uma das cinco que estão sendo feitas pelo governo federal no rio Teles Pires. A barragem fica a 125 km da cidade de Paranaíta (860 km de Cuiabá) - após a UHE Teles Pires - e terá uma capacidade mínima de 700 MW, devendo gerar energia a partir de agosto de 2017, com capacidade para atender uma população de 2,5 milhões de pessoas. A represa de São Manoel tem previsão de inundar 64 km².

Fonte: Olhar Direto - MT


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

MPF contesta Funai e insiste na demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu

Fundação prejudica os índios Munduruku ao tentar evitar a publicação do relatório de identificação do território que está concluído desde 2013.

O Ministério Público Federal apresentou contestação ao Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília, para que a Fundação Nacional do Índio seja obrigada a dar prosseguimento ao processo de demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, dos índios Munduruku, em Itaituba, oeste do Pará. O território será alagado em caso de construção da usina hidrelétrica São Luiz do Tapajós e o reconhecimento dele é crucial para que os direitos dos índios sejam reconhecidos no licenciamento da barragem.

O MPF havia obtido, na Justiça Federal de Itaituba, uma liminar obrigando a Funai a dar prosseguimento à demarcação, mas o TRF1 concedeu efeito suspensivo (uma suspensão temporária até o julgamento dos recursos), paralisando novamente o procedimento, que já ultrapassou a fase mais custosa, que é o trabalho de identificação e delimitação. A próxima etapa deveria ser a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), um passo procedimental sem custos significativos para o governo.

Mesmo assim, a Funai alegou, para pedir a suspensão, que não poderia prosseguir a demarcação por questões de planejamento e custos. Para o MPF, o argumento não se sustenta. “Ao contrário, economia maior se realizaria se houvesse a efetiva assinatura e publicação do RCID. Afinal, grandes gastos de recursos públicos já ocorreram na contratação e manutenção dos trabalhos do Grupo Técnico(que fez os levantamentos de campo que resultaram no relatório). Publicar o resultado deste trabalho não implica gasto público. Em outras palavras, não publicar o RCID representa elevados gastos públicos”, diz o recurso assinado pelos procuradores Janaina Souza e Camões Boaventura.

A paralisação da demarcação agrava os conflitos já existentes na terra indígena, como invasões de madeireiros e garimpeiros. Outra preocupação é que a Sawré Muybu está no caminho dos projetos de aproveitamento hidrelétrico na região. A terra onde vivem os índios será alagada se o governo federal construir a usina de São Luiz do Tapajós. Sem a delimitação do território, os Munduruku podem ter seus direitos ignorados no processo de licenciamento e até serem vítimas de remoção forçada, o que é vedado pela Constituição brasileira.

O MPF menciona na contestação, que a ex-presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, em reunião com os índios Munduruku em Brasília no dia 17 de setembro de 2014, admitiu que a publicação do RCID já deveria ter sido feita mas não o foi por interferência de setores do governo interessados na usina hidrelétrica. A reunião foi gravada e a transcrição, enviada ao Tribunal, registra: “Eu acho que essa terra indígena já deveria estar demarcada, já deveria ter sido o relatório publicado, mas que isso não depende da vontade de uma só pessoa, de um só órgão. Isso é um conjunto de fatores que define essas questões, que não sou só eu que posso ditar quais são os interesses prioritários do governo”.


Processo no TRF1 0064080-17.2014.4.01.0000/PA

Processo na Vara Federal de Itaituba 1258-05.2014.4.01.3908

Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

Justiça questiona identidade de remanescentes quilombolas no Amazonas

Os irmãos Vandernilson, Izaniele Nascimento e Ana Kelly, que nasceram e vivem na comunidade do Tambor (Foto: Elaíze Farias/AR)
Por: Elaíze Farias*
A Justiça Federal do Amazonas negou um pedido de liminar do Ministério Público Federal para impedir a remoção das famílias remanescentes de quilombos que vivem na Comunidade do Tambor, dentro do Parque Nacional do Jaú, no município de Novo Airão (AM), pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), do Ministério do Meio Ambiente.
A remoção, que também deverá ser efetivada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), foi determinada pela Câmara de Conciliação da Advocacia Geral da União (AGU), em reunião realizada em março de 2014.
Na decisão proferida no dia 14 de janeiro último, o juiz federal Ricardo Sales, da 3ª, Vara da Justiça, colocou em dúvida se a famílias da Comunidade do Tambor são remanescentes de quilombolas, causando surpresa e indignação em representantes do Tambor, procuradores do MPF do Amazonas e antropólogos. É que o assunto relacionado à identidade quilombola não é mencionado na ação do MPF.
“Ocorre que não é possível afirmar, neste momento, de análise perfunctória (superficial), que a Comunidade do Tambor seja, de fato, remanescente de quilombola, qualidade que deve ser aferida por profissional especializado, na área de antropologia, especialmente considerando a região é tradicionalmente ocupada por indígenas e ribeirinhos, o que é de fato notório”, diz o juiz na decisão.
Ricardo Sales determinou na decisão que seja realizado um estudo antropológico da comunidade. “Assim, para que se identifiquem as pessoas da mencionada comunidade como descendentes de quilombolas faz-se necessário, como já dito, um detido estudo por especialistas a serem oportunamente nomeados pelo juiz”, diz sua decisão.
A Comunidade Quilombola do Tambor fica na margem esquerda do rio Jaú, afluente do rio Negro, no Amazonas, numa faixa de terra delimitada em 719,8 mil hectares. A agência Amazônia Real visitou o local em outubro de 2014, e fez reportagem especial sobre a comunidade e os moradores.
Nos relatos, todos afirmaram ter relação de parentesco ou de afinidade com os primeiros ocupantes do Jaú: os três casais negros que migraram do Nordeste em 1910. Os moradores afirmaram ter conhecido sobre a decisão da AGU de removê-los, mas afirmaram serem contra a medida.
Os moradores da comunidade do Tambor são reconhecidos como quilombolas e tiveram seu certificado concedido pela Fundação Cultural Palmares, do governo federal em 2006. Com esta certificação, o passo seguinte seria a titulação fundiária.
Mas por estar sobreposta a uma unidade de conservação que restringe ocupação humana – o Parque Nacional do Jaú – a comunidade não teve a titulação fundiária assinada pelo Incra devido o litígio administrativo empreendido pelo ICMBIo .
O ICMBio contesta a regularização fundiária da comunidade alegando que o Parque Nacional do Jaú (PNJ) é uma unidade de proteção integral da fauna e da floresta, que exclui ocupação de populações humanas.
Na sua ação, o MPF pede que o Incra realize em um ano a conclusão da titulação de terras ocupadas pelo Tambor, mas o juiz, com base nas alegações do órgão federal, negou o pedido. Entre suas alegações, o Incra ressaltou que a sobreposição de terras levou a Câmara de Conciliação da AGU a pedir a remoção das famílias.
AGU decidiu remover
Em março de 2014, durante reunião em Brasília, Incra, ICMBio, Fundação Cultural Palmares, entre outros órgãos, decidiram pela remoção das famílias do Tambor, mas em nenhum momento questionaram a identidade quilombola dos moradores, conforme consta nos documentos, aos quais a Amazônia Real teve acesso. Na reunião, nenhuma liderança do Tambor esteve presente.
Foi para evitar a remoção e pedir agilidade na titulação da área que a o MPF entrou na justiça com pedido de liminar.
Sebastião Ferreira, vice-presidente da Associação de Moradores Remanescentes do Quilombo do Tambor, foi procurado pela Amazônia Real para falar sobre a decisão.
“Isso é coisa da cabeça do juiz, mas de onde ele tirou isso? O Tambor é quilombola. Foi reconhecido pela Fundação Palmares, tem documentos. O que está se tratando é sobre terra e não sobre se somos ou não quilombolas”, disse Ferreira, que vive na cidade de Novo Airão (a 180 quilômetros de Manaus), cidade mais próxima do Tambor, e se descreve como “representante legal” da comunidade.
Ferreira disse que vai se organizar para ir até a comunidade (cujo acesso pode levar até um dia de viagem de voadeira pelos rios Negro e Jaú) e informar sobre a decisão e procurar mobilizar os moradores. Ele reafirmou que os moradores se negam a sair do Tambor.
Procurador diz que juiz considerou tratado internacional
A Amazônia Real enviou perguntas por email para que o juiz federal esclarecesse sua decisão e dissesse com base em que documento ele pôs em dúvida a identidade quilombola do Tambor. Também pediu uma entrevista com ele. Após quatro dias do envio do pedido de entrevista, Ricardo Sales, por meio da assessoria de imprensa da Justiça Federal, respondeu que não iria se manifestar.
O atual procurador do 5º Ofício Cível do MPF/AM, Fernando Merloto Soave, que ficou no lugar de Julio José Araujo Júnior, autor da ação, disse que a decisão foi “omissa”, pois ela não aprecia o pedido que consta na ação.
“O juiz apresenta algo que não é divergência no processo. Não há contestação se os moradores são ou não quilombolas. Ele não se manifesta quanto ao nosso pedido”, disse.
Soave afirmou que vai definir que medidas tomará para responder à decisão. “Podemos entrar com um embargo de declaração para o juiz aclarar sua decisão. Ou então, um agravo de instrumento, que é um recurso contra uma decisão no curso do processo. Isso é feito no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília”, disse.
O procurador da República Julio José Araujo Junior disse que a decisão judicial desconsiderou tratados internacionais, a Constituição e a própria regulamentação sobre o tema, que falam em autorreconhecimento da identidade pela comunidade.
Ele ressaltou que ainda que não fosse assim, o autorreconhecimento dos quilombolas do Tambor já foi certificado pela Fundação Cultural Palmares e há relatório antropológico elaborado pelo Incra. O procurador afirmou que nem o Incra nem o ICMBio contestaram a identidade do grupo como quilombola.
“É um fato sobre o qual não paira qualquer controvérsia e que foi reconhecido, inclusive, durante toda a Câmara de Conciliação da AGU. O que se pretendeu com a ação judicial e não foi apreciado na liminar, é a garantia da permanência da comunidade na área do Parque Nacional. Além de estar lá há mais tempo, a comunidade quilombola tem o direito ao seu território assegurado pela Constituição, de modo que o art. 42 da Lei 9985/2000, que trata da impossibilidade de presença humana no parque, deve ser compatibilizado com a legislação de hierarquia superior”, disse.
Antropólogo diz que decisão é dúbia
O antropólogo João Siqueira, que foi o autor do estudo de identificação fundiária da Comunidade Quilombola do Tambor no período em que era funcionário do Incra, leu a decisão do juiz, a pedido da reportagem para comentar o assunto. Ele disse que não poderia supor sobre o que teria levado o juiz a levantar dúvida sobre a identidade quilombola dos moradores da comunidade do Tambor, mas afirmou que o juiz sequer se ocupa de apontar, na decisão, um marco ou pressuposto teórico que apoie sua percepção, por ora incerta, sobre a identidade étnica da referida comunidade.
Siqueira comentou ainda: “Nota-se que o conteúdo do documento que embasa a decisão do magistrado apresenta uma dubiedade que é própria das manifestações jurídicas de tradição brasileira porém, inconsistente, pois é evasiva e até confusa quanto aos fatos abordados. Note que num trecho do documento a identidade quilombola é colocada em dúvida, mas, logo em seguida, ele cita a existência do processo em trâmite na AGU referente à titulação da referida comunidade, o que se pode depreender com isso que ele, como operador do direito e um agente do judiciário, deveria, com base nesse fato, estar ciente que a identidade quilombola da comunidade já fora admitida pelo Estado brasileiro”, analisou.
João Siqueira continuou: “O juiz está não somente recorrendo à usual estratégia da dilação probatória, mas, também, reificando uma das principais características do direito brasileiro. A saber, a abstração”.
Em 2012, João Siqueira defendeu tese de doutorado com o título “Tambor dos Pretos: processos sociais e diferenciação étnica no rio Jaú, Amazonas”, pela Universidade Federal Fluminense.
Autor do livro “Do rio dos Pretos ao Quilombo do Tambor”, o antropólogo Emmanuel de Almeida Farias Júnior comparou a decisão de Ricardo Sales com a tomada pelo juiz Airton Portela, do Pará.
“Essa decisão do juiz federal do Amazonas coincide com o momento que está ocorrendo. Em Santarém, a Funai reconheceu os indígenas, mas o juiz diz que eles não são. Se grupos dizem que são quilombolas ou índios, eles são. Têm leis que garantem isso. O que os que questionam isso querem? Que mais elementos os juízes querem? Que se faça DNA? Ou que alguém chegue e diga que eles não são?”, afirmou Farias Júnior.
Em dezembro passado, o juiz Airton Portela declarou como inexistente a Terra Indígena Maró, em Santarém (PA), mesmo que a área já tenha sido reconhecida pela Funai (Fundação Nacional do Índio). Segundo Airton Portela, os indígenas da etnia Borari-Arapium são ribeirinhos. Assim, o juiz determinou que a União e a Funai deixem de declarar os limites da terra indígena e de todos os procedimentos para demarcá-la.
Emmanuel de Almeida Farias Júnior diz que duvida que o juiz tenha lido o seu livro, anexado na ação do MPF, ou outro estudo atestando a presença de quilombolas no Tambor.
A reportagem da Amazônia Real teve acesso ao processo completo sobre o caso e viu que, nas petições anexadas às respostas enviadas pelo ICMBIo, há um estudo de 2009 onde o órgão ambiental questiona a identidade quilombola do Tambor, e cita pesquisas do historiador Victor Leonardi, estudioso na área do rio Jaú, onde ele nega que a região é habitada por quilombolas, apenas por ribeirinhos.

*Fonte: Amazônia Real