terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A vaca tussiu: Dilma e centrais sindicais ferram com o trabalhador


Contrariando o que disse durante a campanha eleitoral, quando afirmou que não reduziria direitos trabalhistas "nem que a vaca tussa", o governo federal anunciou uma série de mudanças na legislação trabalhista e previdenciária que atacam frontalmente direitos conquistados para trabalhadores.

As medidas dificultam o acesso a benefícios foram anunciadas pelos Ministros da Casa Civil, Aluizio Mercadante, do Planejamento, Míriam Belchior e da Fazenda, Guido Mantega nesta segunda-feira, 29 de dezembro. O anúncio se deu logo após reunião dos ministros com centrais sindicais, entre elas a CUT, a UGT, NCST e a CTB.



O governo diz que espera economizar nos próximos anos 18 bilhões de reais pelo não acesso dos trabalhadores aos direitos. As medidas devem ser publicadas no Diário Oficial da União. Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Aluízio Mercadante, “em sua maioria”, as mudanças seguem ao Congresso por Medida Provisória.

As restrições servem para todos os trabalhadores que ainda não acessaram os respectivos benefícios, ou seja, afetam diretamente a juventude e desempregados que nunca acessaram a formalidade.

Veja as principais mudanças:

Abono salarial: a carência para ter direito ao benefício será elevada de um mês para seis meses ininterruptos de trabalho. Além disso, o pagamento será proporcional ao tempo trabalhado no ano base, do mesmo modo como ocorre com o pagamento proporcional do 13º salário. Afeta diretamente os trabalhadores da iniciativa privada;

Seguro-desemprego: elevar de seis para 18 meses o tempo mínimo de trabalho para a primeira solicitação do seguro e para 12 meses na segunda solicitação. A partir daí, nas demais solicitações, volta a valer a carência de seis meses. A medida afeta diretamente jovens e pessoas que ainda não tiveram o primeiro emprego com carteira assinada;

Seguro-desemprego do pescador artesanal: os novos beneficiários terão que contribuir pelo menos durante 24 meses para a previdência, com três anos de "carência" para ter acesso ao benefício. Além disto, passa a ser vetado aos pescadores de forma cumulativa o acesso ao seguro-defesa e outros benefícios previdenciários como o auxílio-doença por acidente de trabalho. Além disto, o pescador passaria a ter que comprovar que vendeu pescados num período de 12 meses anteriores ao benefício. O valor do seguro-defesa é de 1 salário minimo e atende pescadores pobres que exercem atividade exclusiva e de forma artesanal, em períodos de restrição legal de pesca;

Pensão por morte: Aumenta o tempo mínimo de "carência" entre a data do casamento ou União estável e a morte do/a cônjuge do/a beneficiário/a para acessar o benefício e no mínimo 24 meses de contribuição à previdência para que a família do assegurado direito à pensão, exceto em casos de acidente de trabalho e doença profissional. Haverá ainda uma nova regra para o cálculo da pensão por morte, reduzindo o patamar dos atuais 100% do salário de benefício para 50% mais 10% para cada dependente (viúvo ou viúva e cada filho, por exemplo), até o limite de 100%. O governo também quer limitar os benefícios da pensão por morte para cônjuges jovens. Assim, a pensão só será vitalícia para pessoas com até 35 anos de expectativa de sobrevida. Para pessoas mais jovens, passa a valer uma tabela que reduz o tempo de recebimento da pensão. A medida afeta também os servidores públicos, assim como os da iniciativa privada.

Auxílio-doença: sobe de 15 para 30 dias o prazo de afastamento do trabalho a ser pago pelo empregador, antes do início do pagamento do auxílio via INSS.




Frases

"Temos hoje casamentos oportunistas, com pessoas muito velhas casando com pessoas muito jovens para passar o benefício", disse o ministro-chefe da Casa Civil, Aluízio Mercadante para "justificar" as mudanças na concessão do benefício das pensões, um dos direitos trabalhistas reduzidos pelo governo federal.

O projeto será enviado pelo Palácio do Planalto para o Congresso Nacional na forma de medida provisória. Se aprovado, o benefício será pago apenas para pessoas cujo casamento ou união estável seja no mínimo de dois anos.

O anúncio foi feito após reunião com centrais sindicais. Segundo o ministro Mercadante, "os dirigentes sindicais não só aguardavam (as mudanças) como sabem que há distorções que precisam ser corrigidas."


O futuro ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que participou do anúncio das medidas, disse que a expectativa é de que as medidas terão impacto anual de economia de cerca de R$ 18 bilhões nas contas públicas, mas ressaltou que o impacto global dos ajustes depende da evolução delas na sociedade.

As informações são da grande imprensa.

Dona de Belo Monte anuncia atraso e risco de obra “ficar inviável economicamente”


Em carta enviada a Agência Nacional de Energia Elétrica (Anaeel) em novembro deste ano, o consórcio Norte de Energia informa que não só não vai cumprir prazo o estabelecido no leilão da usina de Belo Monte de começar a operacionalizar a produção de energia em fevereiro de 2015 como não está disposto a comprar energia de outras usinas para cumprir os contratos fechados em abril de 2010.

Para a Norte Energia, isto representaria "somas vultosas, capazes de inviabilizar o empreendimento". As informações são do jornalista André Borges, para o jornal O Estado de São Paulo.

Em tom de apelo, a carta da Norte Energia à Aneel tenta derrubar uma decisão já tomada pela Superintendência de Fiscalização dos Serviços de Geração (SFG) da agência. Em agosto, técnicos da SFG analisaram os argumentos e pedidos feitos pela Norte Energia. Todos foram rejeitados, ou seja, para a área técnica, o consórcio é o único responsável por cada dia de atraso da hidrelétrica, informa o jornal. 


Inconformada com a decisão preliminar, a empresa reagiu e disparou críticas contra tudo e contra todos. Após avaliar a decisão da SFG, disse que foi possível constatar "diversos equívocos e informações incorretas em sua análise" e que "o resultado contraria a legislação vigente". A própria Aneel foi incluída na lista de culpados por atrasos.

A agência, segundo o consórcio, comprometeu o cronograma das obras porque demorou a emitir as declarações de utilidade pública para as áreas onde seria construída a usina. Apesar de o pedido ter ocorrido em dezembro de 2010 e reapresentado em agosto de 2011, afirma a Norte Energia, a autorização de toda a área do empreendimento só ocorreu em janeiro de 2012, "causando atrasos na liberação das áreas".

O consórcio afirma que todas as informações poderiam ter sido requeridas pela Aneel com antecedência, imediatamente após a emissão da licença de instalação da usina. "Contudo, o mesmo não foi feito, trazendo prejuízo inevitável e alheio à vontade da Norte Energia." Para quantificar o dano sofrido, a empresa afirma que, até novembro, ainda tinha 591 unidades pendentes para desapropriação, o que representa 39% do total das áreas de terras necessárias para implantação do empreendimento.

A relação dos responsáveis pelos atrasos também inclui o Ibama e a Funai. O enchimento do reservatório principal da hidrelétrica teria sofrido atraso de 351 dias porque "impedimentos legais do Ibama e Funai inviabilizaram ações no sítio Pimental", local onde é construída uma das casas de força da usina. A empresa também afirma que a "perda da janela hidrológica (meses sem chuva) e demora na autorização do Ibama" resultaram no impacto direto de 397 dias de atraso no marco de desvio do rio Xingu.

Leia também: 
"Lava-jato chega a Belo Monte

Patrus Ananias será o novo ministro do MDA.


Ex-ministros da pasta assumem Relações Institucionais e Secretária Geral da Presidência

O petista, ex-prefeito, ex-deputado e ex-ministro Patrus Ananias será o novo Ministro do Desenvolvimento Agrário, confirmando o que já era arrolado há alguns dias. O nome de Ananias e mais seis ministros foi anunciado por meio de nota do Palácio do Planalto nesta segunda-feira, 29 de dezembro.

Patrus Ananias foi ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre os anos de 2004 e 2010, nos mandatos do governo Lula, quando implantou o programa Bolsa Família nos moldes próximos ao atual. Tem origem na esquerda católica e é fundador do PT, ligado ao chamado Campo Majoritário.

É a primeira vez desde quando Lula chegou ao poder em 2004, que a corrente petista Democracia Socialista (DS) não comandará o MDA. A indicação de Ananias desbanca o atual presidente do Incra, Carlos Guedes de Guedes, que chegou a ser cogitado para assumir a pasta agrária.

O atual ministro do MDA, Miguel Rosseto, também foi indicado nesta segunda, para assumir a Secretaria Geral da Presidência, tocada nos últimos anos por Gilberto Carvalho. Já o ex-ministro do MDA, Pepe Vargas, assumirá a Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela ligação do governo com o Congresso Nacional. Ambas as secretarias possuem status de ministério e ambos os ministros são da corrente DS, o que estaria desagradando as correntes do Campo Majoritário, que não veriam com bons olhos dois ministros de um setor minoritário do partido atuando diretamente e dentro do Palácio do Planalto.

Nota: Presente de natal para o agronegócio: Kátia Abreu como ministra da Agricultura


A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT se juntam aos povos indígenas, comunidades quilombolas, movimentos sociais do campo e a uma grande massa de brasileiros e brasileiras para expressar sua inconformidade e indignação em relação ao presente que lhes foi dado na antevéspera do Natal, pela presidenta da república Dilma Rousseff, com a nomeação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura.

Fazendo-se surda aos apelos que lhe foram feitos, a Presidenta manteve sua decisão, já há muito tempo anunciada, de nomear a senadora pelo Tocantins para este Ministério. Foi um sonoro tapa na cara em quem se empenhou para a sua reeleição, pois acreditavam que as posturas da presidenta no seu segundo mandato, diante dos movimentos do campo e indígenas, seriam diferentes.

Enganamo-nos todos. A nomeação de Kátia Abreu é a sinalização clara e explícita de que para a Presidenta, neste novo mandato, os povos indígenas, as comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais, os sem-terra em geral, continuarão a ser tratados como entraves que devem ser afastados de qualquer jeito para que o “desenvolvimento econômico” aconteça em nosso país.

Como não entender assim, se a senadora junto com toda a bancada ruralista, sempre ferrenhamente se opôs ao reconhecimento dos territórios indígenas, quilombolas e de outras comunidades tradicionais; abertamente se mostra contrária aos movimentos que lutam pela conquista da terra; escancaradamente defende o agronegócio com seus monocultivos regados a agrotóxicos cada vez mais nocivos à saúde humana e do meio ambiente?

Os movimentos do campo que a apoiaram mereciam outra coisa. Podia até ser um ministro alinhado ao agronegócio, mas que não trouxesse em sua bagagem toda esta carga de confronto aberto, sobretudo em relação aos que, durante toda a história destes últimos cinco séculos, foram humilhados, esbulhados de seus territórios e de sua cultura. Nós da CPT, que há 40 anos caminha junto às mais diversas comunidades de camponeses e camponesas, de trabalhadores e trabalhadoras, milhares deles e delas submetidos às condições degradantes de trabalho análogo ao trabalho escravo, seguimos em frente. Faz escuro, mas eu canto, esse verso de Thiago de Mello que tomamos emprestado como lema de nosso IV Congresso, que vai se realizar em Porto Velho (RO) em julho de 2015, expressa bem o que vivemos e sentimos nesta hora. Apesar de tudo temos esperança, pois a mudança em nosso país só poderá vir de baixo, da rebeldia de quem se nega a ser tratado simplesmente como estorvo e assume sua condição de cidadão construtor de sua dignidade e de seus direitos

Goiânia, natal de 2014.
A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional

Associação Brasileira de Antropologia repudia decisão judicial que declarou inexistente a Terra Indígena Maró

A sentença do juiz federal José Airton Portela que declarou inexistente a presença indígena na Terra Indígena Maró, em Santarém, acaba de ser contestada pela Associação Brasileira de Antropologia, a ABA.

Em nota, a entidade afirma que "o juiz Portela busca sustentar sua determinação apresentando uma parcialidade incompatível com o exercício da sua função jurídica". A entidade chama atenção para o fato de em sua decisão o juiz federal sequer tenha ouvido qualquer membro das comunidades abrangida pela Terra Indígena e tenha elaborada a sua sentença apenas com base nas alegações das partes contrárias ao grupo indígena.

Confira a nota na íngetra abaixo:



A (IN)JUSTIÇA E OS POVOS INDÍGENAS NO OESTE DO PARÁ: 


Nota sobre a sentença judicial que nega a condição de indígenas ao povo Borari e Arapium

No dia 26 de novembro de 2014, o juiz Airton Portela, da Justiça Federal de Santarém, estado do Pará, determinou que o relatório produzido pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 2011, que identifica e delimita a Terra Indígena Maró, onde vivem indígenas Borari e Arapium, não tem validade jurídica e que a FUNAI deve se abster de qualquer procedimento demarcatório em relação a essa TI. Em um acinte aos direitos estabelecidos na Convenção OIT nº 169 em relação à autoconsciência das identidades indígenas ou tribais, assim como aos propósitos de uma antropologia séria e criteriosa, o Juiz sentenciou não existir na área pretendida populações indígenas “distintas do restante da sociedade amazônica e brasileira” (p. 103).

Ao longo de 106 laudas, os argumentos que procuram sustentar essa sentença demonstram não só um total desconhecimento dos processos históricos e culturais que se sucederam na região do baixo rio Tapajós ao longo dos séculos, desde o início da colonização, como também se constitui uma afronta ao rigor científico antropológico necessário à compreensão da formação das identidades étnicas. A isso, soma-se uma parcialidade flagrante, que omite o conjunto de interesses econômicos que recaem sobre a terra dos indígenas, compostos por madeireiras, mineradoras, ou do agronegócio, os quais dão suporte às essas ações judiciais contra a sua demarcação.

A sentença é o resultado da Ação movida por sete associações comunitárias que se dizem contrárias ao reconhecimento da Terra Indígena Maró, e solicitam a nulidade do processo administrativo para sua demarcação, argumentando inexistência de vínculo étnico dos indígenas com a etnia Borari ou o povo Tapajó. Apoiando estas associações está a Associação das Comunidades Unidas dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Maró (Acutarm), ligada a empresários madeireiros, contratante de um contra laudo ao da FUNAI, o qual foi elaborado por Edward Luz, desfiliado da ABA e desqualificado como antropólogo em 2013, por sua postura antiética e por proferir declarações equivocadas e reducionistas, inteiramente desprovidas de rigor e embasamento científico. Embora esse contra laudo não seja citado no documento da sentença do Juiz, Edward Luz gabou-se em sua conta no Twitter de que “todas, todas as teses q defendi foram sustentadas e defendidas pelo Juiz Portela!!”

Com argumentos sobre “originariedade, permanência e tradicionalidade” para sentenciar que os habitantes da TI Maro não seriam “indígenas”, mas “populações tradicionais ribeirinhas”, o juiz Portela busca sustentar sua determinação apresentando uma parcialidade incompatível com o exercício da sua função jurídica. Nela o Juiz não chegou sequer a ouvir os indígenas habitantes da TI Maró, porém, apresenta sucessivos depoimentos (ditos serem obtidos “sob compromisso legal”) de pessoas declaradamente em conflito com o reconhecimento dos direitos étnicos e territoriais dos indígenas, e que procuram deslegitimar suas reivindicações identitárias como artificialidades criadas externamente, afirmando que são “índios falsos”. Com esses depoimentos o Juiz pretendia demonstrar que não bastava “reconhecer-se” como indígena, mas “ser reconhecido” enquanto tal. Contudo, enquanto argumentos contrários aos indígenas são repetidos a exaustão, nenhum indígena da TI Maró foi ouvido, ou mesmo vizinhos com os quais não estivessem em conflito direto.

Do mesmo modo, nenhum dos estudos sérios sobre as emergências étnicas no baixo rio Tapajós, conduzidos por profissionais antropólogos com profundas e substantivas pesquisas junto a esses grupos, foram tomados para compreender o fenômeno em sua positividade. Quando usados, foram omitidas suas teses ou deturpadas as suas interpretações, de tal modo que consubstanciasse a linha argumentativa de que os “indígenas não existiam”. Neste sentido, para elaboração da sentença lança mão de várias estratégias, principalmente de sucessivas colagens de partes de textos de diversos trabalhos antropológicos que reconhecem essas identidades indígenas, as quais foram arroladas de forma descontextualizada, mudando o sentido das suas argumentações originais; e em muitas delas chegando a acrescentar afirmações que inexistem nos textos, que são apresentadas de forma dúbia, com aspas mal situadas, fazendo parecer ser do antropólogo citado.

Se tivesse tomado com seriedade esses estudos, conduzidos por meio de longas e sólidas pesquisas de campo, teria o Juiz entendido que o movimento de emergência étnica que se processa na região é sim também uma reação à imposição de identidades genéricas como de “caboclo”, “ribeirinho”, ou de “população tradicional” que foi gerada no contexto das reservas ambientais, cujas definições são fundamentalmente baseadas em critérios ecológicos e não socioculturais, e que recaem em reducionismos raciais simplificadores de diversidades que seriam mais bem compreendidas em termos de territorialidades específicas. Reagem, pois sabem que a imposição de tais identidades, assim como faz o senhor juiz Portela ao sentenciar que as pessoas da TI Maró não são “indígenas”, mas “populações tradicionais ribeirinhas”, tem como desígnio tácito o não reconhecimento de vínculos maiores e mais sólidos que estas populações possam ter com a terra ou com uma organização sociocultural mais complexa, e assim infirmar seus direitos territoriais.

Não tem sido apenas para permanecer em seus territórios que estas comunidades indígenas têm se engajado em várias formas de luta nas últimas décadas, mas também para exercer um modo particular de vida que herdaram de seus antepassados e procuram dar continuidade, não obstante as várias situações históricas que enfrentaram desde que a colonização se iniciou no século XVI, e que significaram assaltos contínuos aos modos de vida dos indígenas, às suas cosmologias, aos seus territórios, e às suas identidades étnicas. Quem conhece com profundidade a história e os grupos indígenas no baixo rio Tapajós sabe bem que a sentença do juiz Portela não foi a primeira a decretar a “inexistência dos indígenas” na região. Ela faz parte de estrategias maiores, que se sucedem no tempo, para invisibilizar e proscrever a existência e os modos de organização étnicas e culturais, atribuindo-lhes formas de identificação que subtraem vínculos territoriais e socioculturais, como “caboclo”, “ribeirinho”, etc.

Ao reafirmar na atualidade antigas referências culturais e pertencimentos étnicos os indígenas estão reagindo contra a mais recente e forte onda de forças econômicas que se estende pela região, representadas por empresas madeireiras, mineradoras e do agronegócio (especialmente para o cultivo da soja), que buscam não apenas proletarizar a mão de obra dessas populações, mas também a apropriação de seus territórios. A tradicionalidade dos modos de vida dos indígenas de Maró está precisamente na reação que empreendem a essas forças econômicas que sucessivamente e tacitamente investem para desqualificar e denegar seus preceitos socioculturais, seus modos de ocupação da terra e de reconhecimento étnico.

Nesta direção, a linha argumentativa da sentença do Juiz demonstra ainda profundo desconhecimento das problemáticas antropológicas, não obstante sentencie sobre elas, assim como evidencia não saber distinguir os fenômenos sociais estudados pela antropologia das teorias que são aplicadas para analisá-los. Deste modo, arvora explicar os processos de etnogêneses como se fossem movimentos impulsionados pelas teorias antropológicas que os interpretam, às quais atribuiu um caráter de militância e conspiração política, promovida por uma suposta “linha radical da antropologia” de um suposto “grupo de Barbados”.

Se talvez mais ponderado em seu ímpeto de comprovar uma má preconcebida inexistência de indígenas na TI Maró, o senhor Juiz tivesse lido com a atenção devida o texto de Miguel Bartolomé, que cita várias vezes (de forma descontextualizada, omitindo as teses que realmente defende), teria ele entendido que as etnogêneses são constitutivas do próprio processo histórico da humanidade, e não apenas uma evidência contemporânea, ou de que ocorreria apenas na região do baixo Tapajós. São exatamente essas capacidades de auto-reconstrução e de reelaboração étnica e cultural que asseguraram a continuidade das sociedades indígenas no presente, apesar do intenso e atroz contato estabelecido pelo colonizador. Capacidade, alias, manifesta em todas as sociedades que se recuperam depois de sofrerem profundos abalos em suas formas de organização sociopolíticas e culturais, sejam eles causados por intervenções econômicas, por guerras, doenças, ou acidentes naturais.

É próprio das dinâmicas socioculturais as suas sucessivas reelaborações e ressignificações culturais ao longo do tempo, e esses processos podem e são antropologicamente bem compreendidos, desde que fortemente embasados em sólido e consistente arcabouço teórico-conceitual, e em substantiva pesquisa de campo e documental. Mais do que tudo, é preciso rigor metodológico que assegure clareza de compreensão tanto em relação às motivações e estratégias internas aos grupos, como aos diversos interesses que inevitavelmente se revelam frente aos processos de reelaboração étnica e cultural.

Talvez desnecessário ressaltar que tais preocupações teórico-metodológicas se fazem ausentes na forma como a sentença sobre os indígenas da TI Maró em seu movimento de reafirmação étnica foi elaborada pelo juiz Portela, que de forma previamente tendenciosa faz uso descontextualizado de partes de textos antropológicos, aos quais chegam a ser acrescidas frases que divergem da tese dos seus autores, para corroborar ―forçada e artificialmente― sobre a inexistência de “indígenas verdadeiros”. Trata-se de um exemplo lapidar de uso nocivo do exercício da antropologia, assim como da prática jurídica, que distância direito de justiça, para fazer valer os interesses de forças econômicas que recentemente se instalaram da região do baixo Tapajós, e que têm se lançado com voracidade sobre os territórios indígenas.

Comissão de Assuntos Indígenas-CAI da
Associação Brasileira de Antropologia-ABA

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

“Lava-jato” chega a Belo Monte


O  jornal “O Globo” revela que as investigações da Operação Lava-Jato chegaram à usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.  Conforme o jornal, o empresário Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, acionista do grupo Toyo Setal, comprometeu-se, em acordo de delação premiada, a entregar à força-tarefa do Ministério Público informações detalhadas e documentos sobre “todos os fatos relacionados a acordos voltados à redução ou supressão de competitividade, com acerto prévio do vencedor, de preços, condições, divisão de lotes, etc, nas licitações e contratações” realizadas para a construção da hidrelétrica.
Em junho passado, foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal a contratação, pela empresa Norte Energia, da Toyo-Setal Empreendimentos, da Engevix Engenharia e da Engevix Construções por R$ 1,038 bilhão, para montagem eletromecânica da usina. Do início das obras, em 2010, até o ano passado, o BNDES já havia repassado R$ 9,8 bilhões a título de financiamentos para a obra. Os investimentos acumulados somavam R$ 13,3 bilhões. O valor orçado para a obra já subiu dos R$ 16 bilhões iniciais para R$ 28,9 bilhões.
Todas as empresas convidadas a participar da obra da UHE de Belo Monte estão envolvidas no escândalo de desvio de recursos na Petrobras. O vice-presidente da Engevix, Gerson de Mello Almada, está preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Almada foi apontado por outros diretores da empresa como o responsável pelo cartel, e na sala dele foram apreendidos documentos que comprovam o acerto prévio entre as empreiteiras nas licitações.

Leia a matéria de Cleide Carvalho em  O Globo.

BNDES anuncia “apoio” de 404 milhões para complexo hidroviário privado Tapajós-Bacarena


O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou em sua página na internet o “apoio” por meio de um empréstimo inicial de 404 milhões de reais para o grupo “Hidrovias do Brasil Vila do Conde S.A” para a construção de um terminal de uso privado na cidade de Barcarena, no Pará. 

O recurso representa 65% do valor total do investimento, que á parte do chamado “Projeto Grãos do Norte” com o objetivo de instalar um novo corredor de exportação denominado “Hidrovia Tapajós”, para escoamento da produção do centro-norte do País, como alternativa aos portos de Santos e Paranaguá, notadamente para a exportação de soja e milho, que possui forte expansão projetada para os próximos anos.

As empresas pretendem estabelecer um sistema logístico entre os municípios de Itaituba e Barcarena, por meio do rio Tapajós, no Estado do Pará. Além do terminal em Bacarena, esse sistema contará com a Estação de Transbordo de Carga em Miritituba (ETC no município de Itaituba) e uma frota de barcaças e empurradores (comboios fluviais) em construção em estaleiros da região. A construção da estação e a fabricação da frota também deverão ser apoiadas pelo BNDES.

Conforme o próprio BNDES, “a Hidrovias do Brasil Vila do Conde é uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), subsidiária integral da Hidrovias do Brasil S.A., criada em 2010 pelo fundo P2 Brasil Infraestrutura, com o objetivo de atuar como provedor logístico independente com foco no transporte hidroviário", de commodities na América do Sul.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Cartões de Festas – 2014.1


Enviado por: Comissão Pastoral da Terra

Futura ministra Kátia Abreu manda recado ao MST

Segundo senadora, sua prioridade à frente do Ministério da Agricultura será privilegiar pequenos produtores

Fernando Hessel*

A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) já estava preparada para conceder uma coletiva, mesmo debaixo de chuva e trovoadas, quando a Presidente da República Dilma Rousseff emitiu uma nota à imprensa para anunciar os futuros ministros nesta terça-feira (23). 

De acordo com fontes da 
Band, a senadora recebeu uma ligação da presidente ainda pela manhã para confirmar o nome dela como a nova ministra da Agricultura

A ruralista e proprietária de terras recebeu jornalistas em sua chácara, numa área rural próxima à capital do Tocantins, Palmas, para falar sobre a pasta.

Segundo ela, a prioridade ao assumir o cargo será privilegiar os pequenos produtores rurais com tecnologia e crédito. "Esses produtores ocupam um terço das terras do país. E nós precisamos fazer com que estas terras sejam também produtivas; pois não queremos ter índices de desmatamentos para chamar atenção do mundo." afirmou Kátia Abreu, justificando a necessidade de aumentar a produção agropecuária.

A futura ministra garantiu que vai ressuscitar a extinta Anater (Agência Nacional de Extensão Rural) para criar maior acesso aos pequenos produtores aos editais governamentais do setor do agronegócio.

A senadora é também presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e abrirá mão do cargo até o final de 2014 para se dedicar exclusivamente ao ministério.

Criticada duramente pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e por parte dos militantes e integrantes do PT durante o período de escolha dos ministros, Kátia Abreu mandou um recado. "Àqueles que não têm terras, que é o caso do MST, existe outro ministério que é o Incra", disse a nova ministra, reafirmando que cuidará apenas dos interesses dos proprietários de terras legalizadas, quer sejam oriundos de movimentos sociais ou de reforma agrária.

*Fonte: Band Tocantins

Caso Terra Indígena Maró: Juiz nega embargos ao MPF e União

O juiz federal em Santarém José Airton Portela negou os pedidos de embargo de declaração formulados pelo Ministério Público Federal e pela União nos autos do processo que declarou inexistente a Terra Indígena Maró, localizada em Santarém.

A decisão de 18 de dezembro de 2014  confirmou a sentença dada em 26 de novembro que declarou  “não preenchidos os requisitos tradicionalidade, a permanência e a originariedade de grupos indígenas; tornou inválidos todos atos praticados no processo administrativo de reconhecimento da Terra Indígena, bem como a inexistência de Terras Tradicionalmente ocupadas por indígenas na área.

A União havia entrado com pedido de embargos argumentando que no relatório da sentença recorrida que ela é ré nas duas ações que foram julgadas conjuntamente, quando na verdade ela é ré em apenas uma das ações. 

O MPF também manejou embargos de declaração no qual afirmou haver omissões e contradição, referentes  ao pedido de desistência das associações autoras; à alegação de ilegitimidade das partes em razão da manipulação das associações por madeireiros; à falta de interesse processual pela ausência de comprovação de que as áreas das demandantes seriam afetadas pela demarcação; à alegação da teoria do autorreconhecimento e quanto à impossibilidade jurídica da sondagem judicial sobre a demarcação de Terras Indígenas suscitada pela União. A contradição seria em relação ao caráter não vinculante da Pet 3388 do STF., conforme trecho da decisão.

Justiça suspende licença de instalação da hidrelétrica de São Manoel

Mais de metade das obrigações de cumprimento prévio à liberação da licença não foram atendidas, apontou MPF

A Justiça Federal suspendeu a licença de instalação da hidrelétrica de São Manoel, no rio Teles Pires, na divisa do Pará com o Mato Grosso. Segundo ação do Ministério Público Federal (MPF), os responsáveis pelo projeto não cumpriram nem a metade das chamadas condicionantes, iniciativas obrigatórias para redução dos impactos da obra que devem ser concluídas antes da liberação da licença pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Assinada pelo juiz federal Antonio Carlos Almeida Campelo, a decisão liminar (urgente) foi publicada nesta terça-feira, 23 de dezembro. De acordo com dados citados pelo MPF na ação, entre as condicionantes não atendidas (52,6% do total de condicionantes), algumas são fundamentais para que a obra tenha os impactos realmente compensados, como a apresentação de um programa de monitoramento da fauna de peixes, de alternativas para o sistema de transposição dessas espécies e o estudo dos rios e outros corpos d´água existentes usina rio abaixo.

A obra afeta diretamente as terras dos povos indígenas Kayabi, Munduruku, Apiaká e povos em isolamento voluntário, que recusam a aproximação da sociedade não-indígena. Pela legislação ambiental em vigor no Brasil, o Ibama só poderia conceder a licença de instalação depois que a Empresa de Energia São Manoel, responsável pela obra, comprovasse o cumprimento das condicionantes da licença prévia, fase inicial do licenciamento. Mas em abril deste ano, apenas quatro meses depois da expedição da licença prévia, a empresa pediu e obteve do Ibama a licença de instalação da obra, sem cumprir todas as condicionantes.

Cerne - “O cerne da questão cinge-se na necessidade de cumprimento de todas as condicionantes determinadas pelo órgão ambiental quando da concessão da licença prévia, como condição sine qua non para se obter a licença de instalação”, destaca o juiz federal na decisão.

“Essa obra é uma das maiores violências contra povos indígenas no Brasil. E pouca gente conhece. Ela provocará danos irreversíveis, sobretudo à etnia Kayabi, cujo território se localiza a menos de um quilômetro da obra”, alerta o procurador da República Felício Pontes Jr., autor da ação.

A ação pelo descumprimento das condicionantes gerais do projeto foi a sexta ação judicial dentre sete que o MPF já ajuizou para apontar irregularidades no licenciamento da usina de São Manoel. Em cinco processos o MPF conquistou decisões liminares favoráveis aos indígenas e ribeirinhos que foram suspensas no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

A suspensão de segurança é um instrumento em que o presidente de um tribunal suspende decisões das instâncias inferiores de forma solitária, sem julgamento em plenário. A suspensão de segurança não analisa os argumentos debatidos na ação, apenas se uma determinada decisão judicial afeta a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas, deixando o debate sobre os motivos do processo para depois. “Espero que a liminar anunciada hoje tenha melhor sorte que as liminares anteriores”, comenta o procurador da República.

Processo nº 0031442-65.2014.4.01.3900 – 9ª Vara Federal em Belém

Íntegra da ação
Íntegra da decisão
Acompanhamento processual


Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

Ouro Roxo: Justiça suspende atividades de mineradora em Jacareacanga

Tanque com cianeto e fina camada de plástico rasgado 
Fotografia: Lorenza Sganzetta
Empreendimento da mineradora Ouro Roxo desrespeitou legislação e direitos de comunidade tradicional
A Justiça Federal obrigou a mineradora Ouro Roxo a suspender as atividades na Área de Proteção Ambiental Federal (APA) Tapajós, situada na vila São José, zona rural de Jacareacanga, no sudoeste do Pará. Caso descumpra a decisão judicial, a mineradora poderá ser multada em até R$ 5 mil por dia de descumprimento.

Assinada pelo juiz federal Rafael Leite Paulo, a decisão liminar (urgente) foi comunicada na última quinta-feira, 18 de dezembro, ao Ministério Público Federal (MPF), autor da ação juntamente com o Ministério Público do Estado (MP-PA), e é baseada em uma série de irregularidades no licenciamento ambiental do empreendimento. 

Entre as irregularidades apontadas pelo MPF e pelo MP-PA estão a desconsideração dos impactos socioeconômicos à comunidade tradicional da região e o desrespeito ao direito de preferência para concessão do garimpo a essa comunidade.

A Justiça Federal também obrigou o Estado do Pará a suspender todos os procedimentos administrativos de licenciamento em nome da mineradora e do seu representante legal. Caso a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) renove ou modifique as licenças existentes, pode ser multada em até R$ 5 mil diários. 

O juiz federal Rafael Leite Paulo determinou também que o Departamento Nacional de Proteção Mineral (DNPM) suspenda a concessão de lavra à mineradora e ao representante da empresa e que analise o pedido de permissão e lavra garimpeira feito pela comunidade da vila São José. 

A Sema terá que entregar à Justiça os procedimentos administrativos referentes ao licenciamento e o DNPM terá que entregar os documentos do procedimento de concessão minerária relativo às atividades da Ouro Roxo na APA Tapajós. 

Resumo das irregularidades apontadas pelo MPF e pelo MP-PA:
- Instalação da mineradora impactou seriamente formas de reprodução materiais e sociais da comunidade; 

- Desrespeito ao direito de preferência para exploração minerária pela comunidade tradicional da região; 

- Não foram cumpridas as condições prévias de execução obrigatória indicadas nas licenças de operação concedidas à mineradoras; 

- A mineradora foi autuada por realizar exploração minerária sem a licença de operação; 

- A mineradora utiliza materiais impróprios para as atividades de extração de ouro, colocando o meio ambiente em risco; 

- A mineradora não possui licença de operação válida; 

- A Sema dispensou a apresentação dos estudos de impactos ambientais (ou do relatório de controle ambiental) necessários à aprovação das concessões de licença de operação; 

- A Sema não respondeu à solicitação do MPF de apresentação de documentos acerca do licenciamento ambiental; 

- O DNPM não respondeu à solicitação do MPF de informações sobre a atuação do órgão no local; 

- O DNPM tinha conhecimento do interesse da comunidade tradicional no processo minerário;
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não realizou plano de manejo para a APA Tapajós.

Processo nº 0002345-93.2014.4.01.3908 – Justiça Federal em Itaituba
Acompanhamento processual
Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

Leia também: Sue Branford e Nayana Fernandez: A vida num garimpo

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

CE: Justiça reconhece reserva extrativista da Prainha do Canto Verde em Beberibe


A Justiça julgou improcedente a ação anulatória ajuizada pela Associação Independente dos Moradores da Prainha e Adjacências (AIMPCVA) contra a Resex da Prainha do Canto Verde, em Beberibe, 83,3 km de Fortaleza. Com sentença, publicada no diário da Justiça no último dia 16 de dezembro, fica reconhecida a legalidade da reserva.

O juiz da 15ª federal, Ciro Benigno, considerou que a Reserva Extrativista obedece aos ditames da Lei nº 9.985/2000 e Instrução Normativa nº 03/2007 do ICMBIO. “Os pescadores organizados se destacam pela organização e combate da pesca predatória. Indica a existência de problemas fundiários na comunidade, de modo que a tutela da área terrestre se mostraria interessante para preservar a cultura e meio de vida dos pescadores que tradicionalmente ocupam a região”, detalhou na sentença. 

Em nota, a Associação dos Moradores da Prainha do Canto Verde disse que a decisão é ‘’uma vitória da árdua luta em defesa dos territórios das populações tradicionais da Prainha do Canto Verde e de tantas outras comunidades tradicionais ameaçadas na Zona Costeira do Ceará’’.

Fonte: O Povo

Munduruku escreve à sociedade brasileira e internacional

Em carta, Jairo Saw afirma que "a luta do Povo Munduruku não é contra um governo, mas em defesa da vida". Segundo ele, o "governo não está sendo capaz de ouvir"


Por Jairo Saw Munduruku*

À sociedade brasileira e internacional,

Somos povos nativos da floresta Amazônica, existimos desde a origem da criação do mundo quando o Karosakaybu nos transformou do barro (argila) e nos soprou com a brisa do seu vento, dando a vida para todos nós. Desde o princípio conhecemos o mundo que está ao nosso redor e sabemos da existência do pariwat (não-índio), que já vivia em nosso meio. Éramos um só povo, criado por Karosakaybu, criador e transformador de todos os seres vivos na face da Terra: os animais, as florestas, os rios e a humanidade. Antes, outros povos não existiam, assim como os pariwat não existiam.

O pariwat foi expulso do coração da Amazônia, devido ao seu pensamento muito ambicioso, que só enxergava a grande riqueza material. Portanto, a sua cobiça, a sua ganância, a sua ambição, o seu olho grande despertou o grande interesse econômico sobre o patrimônio que estava em seu poder. Não pretendia proteger, guardar, preservar, manter intactos os bens comuns, o maior patrimônio da humanidade, e isso despertou o seu plano de destruição da vida na Terra. Por isso, oKarosakaybu achou melhor tirar a presença do pariwat deste lugar tão maravilhoso, onde há sombra e água fresca.

Nossos ancestrais, no decorrer do tempo, nos transmitiram oralmente esses relatos sobre a vinda dos pariwat, oriundos de outro continente, a Europa. Contaram-nos que um dia chegariam a esse paraíso onde nós estamos. Hoje podemos presenciar os fatos sendo consumados.

O pariwat chegou, depois de viajar pelo mundo em busca de especiarias, produtos, mercadorias. Foi ampliando a expedição, em busca de conhecer outro mundo ou outra terra. Viajava em caravelas até chegar ao chamado "novo continente", que se conhece hoje como continente americano, onde está o Brasil, desde o século XIV.

Nossos avós diziam que, quando os pariwat chegassem até o nosso território, eles iriam tomar nossas terras, nossas mulheres, nossas crianças. Iriam nos matar, não nos poupariam vidas para possuir tudo aquilo que nos pertence: a nossa riqueza, os bens que possuímos, incluindo a nossa cultura, a forma como vivemos.

Invadiram nossa terra, muitos de nossos parentes foram massacrados, assassinados, foram submetidos à tortura e foram usados nos trabalhos forçados, servindo de mão de obra escrava.

Já no século XXI, na era contemporânea, continuamos sendo oprimidos, como nos tempos passados. Apesar de termos alcançado várias conquistas e garantido nossos direitos específicos e diferenciados na Constituição Federal, ainda assim esses direitos não são respeitados e reconhecidos. Hoje se utiliza do poder para impor o lema do "progresso e desenvolvimento", a base da bandeira nacional: “ordem e progresso". Tudo em nome do capital.

No primeiro momento, o objetivo era seguir exatamente como está escrito no símbolo da bandeira: pôr em ordem, organizar a política da sociedade civil. As leis estão organizadas desde o princípio, elas não devem ser mudadas, o que se deve fazer é cumprir e obedecer.

Nós, Munduruku, obedecemos leis e, embora não se encontrem escritas em nenhum arquivo, as conhecemos há milhões de anos e até hoje cumprimos essas leis. A natureza tem leis e devem ser obedecidas. Se nós violarmos as suas regras, ela se vingará e sofreremos as consequências. As leis estão em ordem, não devem sofrer interferência alguma.

Os "civilizados" escreveram leis e não as respeitam, usam o poder para oprimir as pessoas que julgam ter menos conhecimentos. Não reconhecem os seus direitos, chegam até a intimidar, a ponto de nos submeter. A razão é dada apenas por um indivíduo ou classe com maior poder econômico.

Os "civilizados" dariam bom exemplo de cidadão pleno e letrado para as pessoas humildes, porque a lei foi feita por causa das injustiças criadas pelos pariwat. Justiça é saber o que é certo e o que é errado, sem favorecer a um ou a outro, a balança não deve pesar nem para a direita e nem para a esquerda. Existe uma haste entre os dois pratos da balança, que deve manter o equilíbrio e a justiça deve ser feita para o cumprimento da lei, deve ser obedecida e aplicada.

Então, ao surgir a lei escrita, ela desvendou os nossos olhos, passamos a enxergar as coisas erradas dos pariwat a nosso respeito. Os nossos direitos estão em jogo. Falam tanto a nosso respeito, somos tratados como empecilhos para o desenvolvimento econômico do país. Mas nós não somos contra o desenvolvimento, o que queremos é que sejamos respeitados e que nossos direitos como indígenas sejam reconhecidos. A Constituição diz que é dever do Estado proteger, demarcar os territórios, garantir a segurança, respeitar as formas próprias de organização social e as culturas diferenciadas, por isso queremos respeito. Até a nossa crença, a nossa religião deve levar em consideração o modo como vivemos.

Respeitamos sempre a natureza, ela é de suma importância para nós e é essencial para a vida no planeta. Nós estamos preocupados com o equilíbrio do clima, com as mudanças climáticas. Resta apenas uma parte da floresta que está dando vida ao planeta chamado Terra e a seus habitantes. Esta pequena parte tornou-se alvo da ganância do pariwat.

Nós percebemos que os países ricos querem levar o chamado "desenvolvimento" para o coração da Amazônia, só para destruir. Não levam em consideração os povos nativos desse continente, que estão aqui há milhares de anos. Estamos lutando, resistindo, protegendo com unhas e dentes esse nosso patrimônio, mas ninguém ouve nossos gritos de socorro em prol da vida no planeta. Sabemos que a vida dos pariwat também está em risco e não estamos apenas nos defendendo: estamos defendendo toda a vida, toda a biodiversidade.

Existem tantos cientistas que estudam os fenômenos da natureza e alguns devem estar percebendo as mudanças climáticas, dia após dia, ano após ano. Em outros países vemos as consequências dos impactos causados pela ação humana. As consequências estão sendo sentidas e estão fora da normalidade. A natureza esta sofrendo alterações no seu funcionamento, que vão além da sua capacidade, ela já não está suportando a pressão causada pelos humanos.

Alguns exemplos dessa pressão são: poluição do ar produzida pelas fábricas e indústrias, automóveis, desmatamento, explosão de dinamites, dentre outros. A natureza não consegue transformar o oxigênio para devolver para nós, porque a impureza do ar contaminado é maior do que a sua capacidade. O acúmulo de ar poluído torna-se pesado para as árvores. É notado isso claramente nas leis da física. As árvores não conseguem absorver todo esse ar impuro.

O peso do ar não é visto por nós, mas percebemos através do aquecimento. Em algumas regiões, o clima é seco e quente, geralmente as fontes de água secam, secam as relvas, assim como as folhas das árvores caem e os animais não conseguem encontrar abrigos e alimentos. Por falta de vegetação, o equilíbrio está ameaçado, colocando em risco a vida dos homens e dos animais. Não há mais vapores de agua produzidos pelas árvores, pela manhã não há gotas de orvalho. Nas grandes cidades, o clima não é diferente. Para dizer a verdade, as pessoas estão sedentas, cansadas, querem sentir a brisa de ar frio pela manhã. No interior das casas, seja de noite ou de dia, o ambiente não é favorável, já é quente.

Outro fator de alto risco é o acúmulo de gás poluente, as fumaças das grandes queimadas, que chegam e se alojam na camada de ozônio. Muitas vezes chegam pouco a pouco de algumas regiões e outras vezes chegam em grandes quantidades, aumentando a extensão do volume de gás poluente, rompendo a barreira de proteção da filtração de raios solares em direção à Terra. Nem podemos imaginar a causa disso. Pode ser que digam que isso é o aquecimento global ou o efeito estufa, prejudicial à nossa saúde.

Todo mundo sente e vê os impactos dos fenômenos estranhos decorrentes da mudança da natureza. Em alguns países, vemos terremotos, enchentes, secas, doenças, tsunamis, acidentes, maré alta, vulcões, chuvas com raios e trovoadas. Tudo isso é consequência causada pelas mãos dos homens. Eles estão desequilibrando o equilíbrio do ecossistema. Estão colocando em risco a vida da humanidade. O planeta todo vai ao caos.

Alguns estudiosos, como astrônomos, físicos, meteorologistas, que entendem de ciências naturais, podem explicar melhor cientificamente, tecnicamente e filosoficamente. A natureza tem uma lei. Ela age e faz acontecer tudo naturalmente, sem que o homem a interfira. Mas essa lei não é obedecida, é desrespeitada. Dá pra entender que temos leis (Constituição) para nos punir. Do mesmo modo, a natureza nos pune. Temos capacidade além da natureza, mas nunca vamos entender as suas ações.

A Terra está sofrendo impactos, está sendo tirada a sua cobertura (vegetação), seu teto destruído (camada de ozônio), alterada a sua fonte de vida (água) e todas as formas de vida. A sua estrutura sólida, que é a base de sustentação das rochas, solos e águas, está sendo destruída com explosão de dinamites. O lençol freático, com a base rompida, poderá abrir frestas e a água potável poderá secar o seu leito. As rochas, após sofrerem explosões, racham, se quebram, rompem, se afastam uma das outras. Elas não vão estar sólidas.

Na superfície da Terra, quando é provocada a estrutura que sustenta a camada externa, com o tremor, a tendência da vida externa é sofrer impacto. Logo se abre uma determinada camada da terra, causando a erosão, a fratura da base subterrânea. Começa a encontrar um caminho para o fundo da Terra, através das enxurradas penetram as águas potáveis, poderá secar a fonte de água doce, com rompimento das camadas de rochas.

Nosso receio é a liberação de gás prejudicial á vida dos seres humanos. O próprio vulcão inativo se ativará. Será um desastre não só para a Amazônia, o mundo todo sofrerá este impacto. Ao ser liberado o calor dos vapores do vulcão, quando a água penetrar pelo canal aberto até o manto, o calor através de vapores do contato com a água, o ar será aquecido, sendo prejudicial à vida existente no planeta Terra.

Será que o mundo vai permitir esse genocídio que está sendo anunciado com a decisão do governo brasileiro de construir grandes hidrelétricas e outros grandes projetos na região amazônica, que transformarão a natureza causando impactos irreversíveis para toda a humanidade? É a vida na Terra que está em perigo e nós estamos dispostos a continuar lutando, defendendo a nossa floresta e os nossos rios, para o bem de toda a humanidade. E vocês? Vocês estão dispostos a ser solidários nessa luta?

A luta do Povo Munduruku não é contra um governo, mas em defesa da vida. É o governo que não está sendo capaz de nos ouvir, de nos consultar, de respeitar nossas decisões sobre os problemas que nos afetam e à da humanidade. Exigimos respeito ao nosso direito de consulta prévia, livre e informada, pois não são apenas os direitos indígenas que estão sendo violados, mas também os direitos humanos e todo o patrimônio natural que preservamos há séculos.

Podemos citar como exemplo o caso das Sete Quedas, localizada no rio Teles Pires (MT), lugar sagrado, espiritual, onde estão os nossos ancestrais. Esse lugar sagrado foi destruído para a construção de uma grande hidrelétrica projetada pelo governo brasileiro. Sabemos que a energia que será gerada por essas hidrelétricas não beneficiará a população Munduruku, nem tampouco a população do município. Toda essa energia servirá apenas aos interesses do grande capital, de grandes empresas multinacionais que pretendem explorar as nossas riquezas minerais.

Quem vai decidir o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos e netos? Será o governo, com suas imposições, sua ganância e sua submissão aos interesses econômicos? O que os países que ratificaram a Convenção 169 da OIT pensam a esse respeito? A lei é para ser respeitada ou para ser violada? O governo brasileiro deve saber ouvir as populações, assim como os demais países que assinaram a Convenção 169.

Exigimos respeito aos direitos humanos, aos direitos indígenas, aos direitos do meio ambiente, aos direitos de preservação do patrimônio arqueológico, ao nosso direito de nos expressar enquanto povo com uma cultura diferenciada. A luta não é somente nossa, a luta é em defesa de todas as formas de vida!

SAWE! SAWE! SAWE!

* Liderança da aldeia Sai Cinza, Terra Indígena Sai Cinza. Publicado no  blog do jornalista Felipe Milanez . Texto digitalizado por Rodrigo Oliveira, mestrando em Direitos Humanos na UFPA e ativista do Dejusticia e também publicado no blog Autodemarcação no Tapajós

De 2003 a 2014: as hidrelétricas de Lula e Dilma

Por Telma Monteiro*

Um ano conturbado esse 2014. Vai ficar como mais um capítulo da história dos governos Lula e Dilma Rousseff, pautados pela corrupção. Corrupção, também, que pode estar entranhada no setor elétrico. A sanha de construir hidrelétricas nos rios amazônicos com a coparticipação das mesmas empreiteiras envolvidas no esquema de propinas da Petrobras, como mostra a Operação Lava Jato, é sinal inequívoco de metástase.

Busquei escrever uma retrospectiva resumida dos processos das grandes hidrelétricas em construção nos rios amazônicos, nos últimos doze anos. É preciso expurgar a Eletrobras também.

Mensalão, julgamento, condenação e prisão de autoridades do governo, campanhas eleitorais que envergonharam os eleitores, presidentes e vice-presidentes de grandes empreiteiras e diretores da Petrobras indiciados marcaram o Brasil nos últimos doze meses. Nada mais que um resumo do que temos assistido nos últimos doze anos.

As obras das grandes hidrelétricas nos principais rios amazônicos, iniciadas no governo do PT, a partir de 2003, caminharam silenciosamente, na sombra dos escândalos midiáticos.

Mesmo temas como o aumento do desmatamento na Amazônia, a imposição de projetos hidrelétricos na bacia do rio Tapajós, a discussão da PEC 215, que quer dar ao Congresso a atribuição de decidir as demarcações de terras indígenas, a luta do povo Munduruku para auto-demarcar a terra Sawré Muybu, a queda de braço entre o Ministério Público Federal e o judiciário nas ações que apontam as irregularidades nos licenciamentos das hidrelétricas, o uso da Suspensão de Segurança (instituto da ditadura), não ganharam a sociedade. Não ganharam as ruas e nem os corações dos brasileiros.

O Novo Modelo Institucional de Energia (Lei nº 10847/10848 de 2004) foi concebido por Dilma Rousseff a partir de 2003, como ministra de Minas e Energia (MME). Lula e Dilma não perderam tempo. A galinha dos ovos de ouro do PT passou a ser o setor energético, que ficou nas mãos do seu principal aliado, o PMDB, sob a batuta de José Sarney. O Ministério das Minas e Energia (MME), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ficaram com Edison Lobão, Márcio Zimmermann e Maurício Tolmasquim, respectivamente. Elas formam, há doze anos, uma espécie troika institucional indevassável e inacessível.

A construção das usinas incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) tem como objetivo satisfazer a volúpia por grandes obras do cartel de empreiteiras, maiores doadoras das campanhas de Lula e Dilma. Paralelamente, o aumento do consumo de energia na região Norte, devido à instalação de novas plantas eletro-intensivas ligadas à mineração, deu ao governo federal mais uma desculpa para aprovar mais hidrelétricas. Esse consumo, segundo dados que constam no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da usina hidrelétrica (UHE) Teles Pires, cresceu de 6,3% para 8,6%.

Para completar esta introdução, relembro que o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 prevê o incremento de mais 88 mil MW (megawatts) de geração com hidrelétricas e de apenas quatro mil MW em geração eólica para os próximos 25 anos. Esses 88 mil MW equivalem a 20 usinas como a UHE Belo Monte ou 93 como a UHE Teles Pires.

Um ofício de 21 fevereiro de 2011, assinado por Amílcar Guerreiro, diretor da EPE, para a Funai, ressalta que, de 48 projetos hidrelétricos, 18 atingem áreas de Terras Indígenas (TI). Afirma que 16 projetos, embora não estejam diretamente em TIs, estão a menos de 50 quilômetros delas, como a UHE São Manoel e a UHE Foz do Apiacás. Ainda confirma que os projetos hidrelétricos no PAC 2 somam 80% com algum grau de interferência com TI.

Parece uma promessa de que vai piorar.

Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau – rio Madeira

Com Lula já eleito, no final de 2002, a Odebrecht conseguiu aprovar os estudos de viabilidade das usinas do Madeira em velocidade de trem-bala. No início de 2003, a construção do então chamado Complexo do Madeira já era comemorada na Aneel.

Dilma Rousseff era a ministra de Minas e Energia de Lula. Os dois juntos meteram os pés nas portas da Amazônia, escancarando-as, ao defender a imprescindibilidade das usinas do Madeira. Começava aí a era do estupro dos rios amazônicos.

De 2003 até 2014, as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, não saíram da pauta da mídia. Quando obtiveram a Licença Prévia (LP), em julho de 2007, contaram com a ajuda da diretoria do Ibama e, talvez, da ingenuidade e arrogância (imperdoáveis) da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Contrariando a decisão da equipe técnica do próprio Ibama, que concluiu pela inviabilidade dos empreendimentos, a LP foi concedida.

O processo das usinas do Madeira chegou a surpreender. Uma só licença prévia para duas hidrelétricas foi um fato inédito. O primeiro leilão, da UHE Santo Antônio, em dezembro de 2007, foi arrematado pela dobradinha Furnas e Odebrecht. Cartas marcadas. Afinal, a concepção e os estudos preliminares foram elaborados pela Odebrecht, lá nos idos de 2002.

O segundo leilão, da UHE Jirau, trouxe a grande surpresa. Com um deságio maior, a concorrência tirou a UHE Jirau das mãos da dupla Furnas e Odebrecht. A Camargo Corrêa e a GDF Suez entraram para vencer o lobby de Furnas e Odebrecht, que até então dava como favas contadas o arremate dos dois empreendimentos. Economia de escala.

Dois leilões, dois ganhadores, duas das maiores empreiteiras do Brasil e o Ibama concedeu duas Licenças de Instalação (LI) para uma só LP. A partir daí começou uma verdadeira avalanche de irregularidades: violações dos direitos humanos, alijamento dos povos indígenas do processo de licenciamento, descumprimento da Convenção 169 da OIT e falta de consulta prévia. O consórcio vencedor de Jirau decidiu, então, alterar a localização da usina no rio Madeira. Outro fato inédito.


Os dois consórcios vencedores passaram a se digladiar. Vieram as greves nos canteiros das duas obras, denúncias de trabalho semiescravo, ações na justiça ajuizadas pelos ministérios públicos, a destruição da margem direita a jusante da barragem da UHE Santo Antônio, que levou consigo o bairro Triângulo, a alteração da cota do reservatório de Santo Antônio, que resultou no aumento da área alagada. Para coroar tanta insensatez, aconteceu a maior cheia da história do rio Madeira, agravada pelas hidrelétricas, que quase fez desaparecer Porto Velho, no início de 2014.

Custo atualizado da UHE Santo Antônio: R$ 19,5 bilhões – Construtora: Odebrecht; custo atualizado da UHE Jirau: R$ 18 bilhões – Construtora: Camargo Corrêa

Hidrelétrica Belo Monte – rio Xingu
Não precisou muito tempo para o retorno do espectro do monstro chamado Belo Monte, no rio Xingu. Esse sim, o pesadelo em forma de hidrelétrica. Quem pensou que as usinas do Madeira eram o pior se enganou. Começou uma sensação de déjà vu.

A Eletrobras desengavetou o projeto no rio Xingu. Enfiar Belo Monte goela abaixo da sociedade foi num átimo. Afinal, a desculpa do governo tem sido a de que estamos na iminência de outro apagão igual ao de 2001. Ou se construiria Belo Monte ou o Brasil pararia! Mensagem subliminar que funcionou.

Lula em plena campanha, em 2002, num documento chamado O Lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil, condenou a construção de mega-obras de hidrelétricas na Amazônia. Citou Belo Monte. Enquanto se dava o processo de licenciamento das usinas do Madeira, em 2006, Belo Monte emergia das cinzas dos anos 1980, numa nova versão.

A sociedade civil assistia atônita a mais uma surpresinha do governo petista. O projeto defendido pela Eletrobras, com total apoio de Lula e Dilma, está desviando as águas do rio Xingu. Uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta, a Volta Grande do Xingu vai secar. E Belo Monte, em construção, só vai gerar um terço da energia que sua estrutura de R$ 30 bilhões comportaria.

Em 2007, as empreiteiras Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez surgem para elaborar os estudos de Belo Monte. Odebrecht e Camargo Corrêa, mais uma vez, no centro do plano de construir mais hidrelétricas na Amazônia.

Entre avanços e recuos do processo de licenciamento, ações do MP, novas audiências públicas e adiamentos do leilão, em fevereiro de 2010, o Ibama concedeu a LP e em abril o leilão foi consumado. Restou selada a destruição do Volta Grande do Xingu.

 O leilão de Belo Monte foi um equívoco. Estava inicialmente prevista a participação de três grandes empreiteiras: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. As mesmas que estão envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras. As três foram as responsáveis, junto com a Eletrobras, pela elaboração de todos os estudos de Belo Monte.

As empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez formaram um consórcio que constrói Belo Monte. Afinal, fazer a obra sem a responsabilidade dos custos ambientais e sociais, e sem o ônus das batalhas na justiça, é muito mais rentável. Mamata.

Em 2010, Lula e o PT se preparavam para eleger Dilma Rousseff presidente da República.

A construção da UHE Belo Monte tem consolidado os mesmos problemas do caos que se instalou em Porto Velho com as usinas do Madeira. A história se repetiu e recrudesceu o movimento indígena contra as usinas nos rios amazônicos. Atores e diretores de Hollywood, denúncias na OEA e ONU, protestos nas capitais da Europa, protestos indígenas em Brasília, greves nos canteiros de obras, destruição ambiental, prejuízos. Nada disso demoveu o governo do PT. Belo Monte está lá, fantasmagórica com seus esqueletos de concreto, com umas poucas castanheiras gigantes poupadas no desmatamento do sítio Pimental.

A construção de Belo Monte está destruindo a vida e a natureza. Pescadores, povos indígenas, populações ribeirinhas, pequenos agricultores, floresta e rio sagrado. As engrenagens da justiça estão lentas para salvar o Xingu. Uma ferrugem sórdida as emperra.

Custo atualizado da UHE Belo Monte: R$ 25,9 bilhões – Consórcio Construtor: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez

Hidrelétrica Teles Pires – rio Teles Pires
 O aproveitamento hidrelétrico do rio Teles Pires está nos planos governamentais desde os anos 1980, quando foi feito o inventário da bacia hidrográfica. Do projeto inicial, que permaneceu esquecido até 2001, já constavam outros seis aproveitamentos hidrelétricos. Mas foi sob o governo do PT que o projeto emplacou.

Em 2005, um consórcio formado pelas empresas estatais Eletrobras, Furnas e Eletronorte resolveu desengavetá-lo e manter os planos para as seis hidrelétricas. O rio Teles Pires tão ameaçado não teve sequer estudos dos impactos sinérgicos e cumulativos da região. O Ibama iniciou o processo de licenciamento em 2010.

A hidrelétrica Teles Pires já está afetando duramente a região situada no trecho onde começa uma sequência de cachoeiras chamadas Sete Quedas, no baixo curso do rio Teles Pires. A hidrelétrica, em construção, está na divisa entre dois grandes municípios em dois estados: Jacareacanga, no Pará, e Paranaíta, no Mato Grosso.

As empresas Neoenergia (50,1%), Eletrosul (24,5%), Furnas (24,5%) e Odebrecht (0,9%) formam o consórcio vencedor do leilão.

A UHE Teles Pires não ultrapassará 50 anos de vida útil, se for levado em conta o agravamento das características hidrológicas da região. As mudanças climáticas, os períodos cada vez mais intensos de regimes de cheias e vazantes, o aumento do aporte de sedimentos devido à ocupação a montante (rio acima em direção às nascentes),poderiam reduzir ainda mais o tempo de geração comercial. Esse projeto anacrônico se transformará, em menos de cinquenta anos, num fóssil jovem em meio a um deserto induzido no coração da Amazônia.

Sob o governo do PT se deu a Rio+20.
 Os impactos da hidrelétrica afetarão as terras indígenas Kayabi e duas Unidades de Conservação - a Reserva Estadual de pesca Esportiva, no Pará, e o Parque Estadual do Cristalino, em Mato Grosso. 

No município de Jacareacanga (PA), 59% são terras indígenas. A área rural afetada pela usina Teles Pires tem 66 mil quilômetros quadrados, 20 mil habitantes, é de difícil acesso, de vegetação nativa e é ocupada por terras indígenas. O sistema de transmissão da energia desse complexo hidrelétrico está previsto para ter cerca de mil quilômetros e um corredor de 20 quilômetros de largura.

Custo atualizado da UHE Teles Pires: R$ 4 bilhões – Construtora: Odebrecht

Hidrelétrica São Manoel – rio Teles Pires
As TI Kayabi e TI Munduruku, mais a jusante, já sofrem os impactos da construção das usinas no rio Teles Pires. A UHE Teles Pires e a UHE São Manoel, também em construção, estão afetando 16 importantes sítios arqueológicos. Vinte quilômetros separam a UHE Teles Pires da UHE São Manoel.

O processo de licenciamento da UHE São Manoel começou em 2007. Já datam dessa época as falhas gritantes nos estudos ambientais e no Estudo do Componente Indígena (ECI). No parecer técnico do Ibama, de 2010, foram apontadas 33 pendências. O EIA/RIMA foi rejeitado pela equipe técnica do Ibama, uma vez que ele não atendia ao Termo de Referência.

O processo de licenciamento da UHE São Manoel ficou praticamente parado até abril de 2013. O Ibama marcou as audiências públicas para setembro de 2013. O leilão de compra de energia elétrica foi realizado em dezembro de 2013 e o vencedor foi o Consórcio formado pelas empresas EDP Energias do Brasil (66,67%) e Furnas Centrais Elétricas (33,33%), que constituíram a sociedade de propósito específico denominada Empresa de Energia São Manoel S.A.

Em 2014, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, assinou o Contrato de Concessão para exploração do potencial hidrelétrico da UHE São Manoel, localizada no rio Teles Pires, município de Jacareacanga, estado do Pará. Até outubro deste ano, o Ministério Público Federal havia ajuizado sete ações contra a construção da UHE São Manoel. Todas apontam irregularidades no processo de licenciamento. A LP foi concedida pelo Ibama em novembro de 2013 e a LI em agosto de 2014.

As obras já começaram. A destruição do rio faz chorar.

Custo atualizado da UHE São Manoel: R$ 3 bilhões – Construtora: Consórcio Constran-UTC.

Hidrelétrica São Luiz do Tapajós – rio Tapajós
Em processo de elaboração dos estudos ambientais. Ficou para o próximo mandato de Dilma Rousseff. O leilão está marcado para o segundo semestre de 2015. O rio já está condenado?

*Telma Monteiro é ativista socioambiental, pesquisadora, editora do blog , especializado em projetos infraestruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil