terça-feira, 30 de junho de 2015

ISA publica dossiê “Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação”

Documento aponta as principais consequências do desrespeito às condicionantes socioambientais da hidrelétrica que está sendo construída na região de Altamira (PA), no momento em que o Ibama avalia a autorização da operação da usina. O dossiê está disponível para download aqui


No escritório da Norte Energia, em Altamira, empresa responsável pela usina de Belo Monte, um calendário aponta: “faltam 64 dias para a Licença de Operação”. Já dada como certa, a última licença ambiental da obra foi solicitada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em 11/2.

Nesta segunda (29/6), o ISA divulga um dossiê com a síntese dos principais erros e omissões, tanto da Norte Energia como do governo federal, na condução das obrigações socioambientais relacionadas à Belo Monte. O material também traz uma coletânea de 24 artigos escritos por especialistas, técnicos e representantes de instituições que acompanharam de perto o descompasso entre a execução da obra e a realização das ações de mitigação e compensação de impactos na região afetada.

Nessa última etapa do licenciamento ambiental, não será possível transferir descumprimentos e pendências para a fase seguinte, como aconteceu repetidas vezes, desde a primeira licença ambiental do empreendimento, em 2010. Se a licença de operação for emitida sem o atendimento de todas as condições que pretendem viabilizar a operação da obra, não haverá nova oportunidade para exigir a resolução dos problemas causados pelo empreendimento.
O dossiê denuncia que temas sensíveis à região amazônica têm sido tratados com descaso. O aumento da exploração ilegal de madeira, a destruição da atividade pesqueira da região, a perda do modo de vida ribeirinho e indígena e um atropelado processo de reassentamento de populações urbanas e rurais são evidências das falhas ocorridas ao longo do processo.

As famílias que residem nas ilhas e margens do rio Xingu têm sido obrigadas a sair de suas casas e áreas produtivas sem uma nova moradia que garanta condições de vida iguais ou melhores às anteriores. Os projetos de reassentamento são distantes do rio, impedindo que essas famílias continuem a exercer sua principal atividade, a pesca.

O documento descreve a ineficácia, ao longo dos últimos cinco anos, das ações executadas para prevenir ou diminuir os impactos aos povos indígenas. A integridade das Terras Indígenas (TIs) está ameaçada, fruto da pressão causada pelo aumento populacional da região. A TI Cachoeira Seca, localizada na área de impacto de Belo Monte, foi, em 2013, a TI mais desmatada do Brasil. Os indicadores de saúde indígena também são preocupantes. A taxa de mortalidade infantil indígena da região, que já era alta, cresceu 127%, entre 2010 e 2012.

Ordens judiciais
O trabalho realizado pelo ISA relembra que o governo federal conseguiu derrubar as ordens judiciais que determinavam a paralisação da obra, utilizando uma medida judicial muito comum à época da ditadura, a Suspensão de Segurança, que se baseia no argumento de que o cronograma de andamento do empreendimento é mais relevante que os direitos das populações atingidas.

O dossiê questiona como um empreendimento em grande parte gerido pela União, financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), patrulhado pela Força Nacional e fiscalizado pelo Ibama não foi capaz de garantir que um único hospital fosse entregue ao longo dos três anos de pico das obras, ou como o sistema de saneamento básico implantado corre o risco de ser inutilizado por problemas de coordenação de responsabilidades e de gestão pública.

Nesse contexto, o documento chama a atenção sobre a dificuldade em se estabelecer espaços de controle social efetivos e um mecanismo independente de fiscalização das obras em execução, um vício de origem da usina, imposta à sociedade brasileira com audiências públicas meramente formais, sem oitivas ou consulta aos povos indígenas.

Para os autores do documento, a somatória de erros de Belo Monte não pode se repetir na Amazônia. O dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação é um instrumento fundamental para a população das cidades, do campo e dos rios amazônicos no último momento em que compromissos podem ser cobrados, buscando-se a correção das injustiças cometidas por Belo Monte antes que a primeira turbina comece a girar.


Fonte: ISA

Obra do lago de Belo Monte espalha caos em Altamira

Por: André Borges*
Foto: Dida Sampaio/O Estado de São Paulo
“Corre, João Vitor!”, grita Maria das Graças para o filho. Sem tempo para mais nada, pega o garoto pelo braço, abre o portão e sai. O trator avança nas paredes da casa vizinha. São menos de dois minutos até tudo ir abaixo. Em três dias, será a vez de a casa de Maria das Graças cair. Ela assiste de longe, sem largar as mãos do garoto. Duas semanas atrás, um caminhão carregado de entulho derrubou o poste de sua casa e lançou a viga de madeira sobre ela, abrindo um rasgo em sua cabeça. A mulher desmaiou e foi socorrida pelo filho. Levou nove pontos. Desde então, não consegue mais dormir direito.
Em cada esquina de Altamira, histórias como a de Maria das Graças proliferam entre as pilhas de entulho e a derrubada constante de casas e barracos, que já somam 4 mil demolições. Muitas vão cair. Cerca de 1.100 casas. Há pressa. É hora de abrir espaço para encher o lago da hidrelétrica de Belo Monte. É hora de barrar o Rio Xingu.
A corrida frenética dos reassentamentos causada por Belo Monte envolve 7,8 mil famílias – ou cerca de 27 mil pessoas –, impactadas pela obra da quarta maior hidrelétrica do mundo, que neste mês, completa quatro anos de construção no coração do Pará.
A concessionária Norte Energia, dona da usina, devia ter ligado a primeira turbina em fevereiro. Atrasada, corre contra o relógio para retirar, nos próximos dois meses, milhares de imóveis que estão na orla de Altamira, liberando a área para subir o nível do rio e entregar energia a partir de novembro.
O Estado percorreu toda a região nesta reta final para o enchimento do lago de Belo Monte, uma ação que ainda depende de emissão de licença ambiental. Altamira, município que vai trocar a paisagem de um rio pela de um reservatório, mais parece um cenário de guerra, com casas destruídas e escombros por todo lado. A derrubada e retirada de milhares de toneladas de material é uma exigência do licenciamento. Entre os milhares de moradores que ainda não trocaram de endereço, o clima é de apreensão, e por vezes, de revolta.
Caos. “A cidade é um caos hoje. Vai precisar de, no mínimo, três anos para voltar à normalidade”, admite o prefeito de Altamira, Domingos Juvenil (PMDB). À frente do município desde 2013, ele diz que boa parte da culpa pela convulsão que toma conta da cidade é da gestão pública. “A origem do caos é o impacto causado pela construção [DA USINA], mas muito disso se deve aos governos do Estado e do município, porque não houve ações antecipatórias que pudessem minimizar esse caos.”
Discutida há 40 anos, Belo Monte escreve linha a linha em Altamira o mesmo roteiro de outras cidades da Amazônia que já receberam grandes projetos hidrelétricos. O município, que em 2010 tinha cerca de 100 mil habitantes, viu sua população subir para mais de 150 mil pessoas. Neste período, já recebeu da concessionária Norte Energia R$ 3,092 bilhões para minimizar os impactos e melhorar as condições de vida.
O resultado mais aparente das mudanças está na retirada de milhares de famílias que viviam em palafitas precárias e insalubres nos igarapés à beira do Xingu. Quase todas as casas de madeira já foram destruídas e a população, levada para os bairros que a empresa ergueu fora da cidade. No mais, Altamira continua a ser a mesma cidade precária, incapaz de traduzir os benefícios de sediar um empreendimento hoje avaliado em R$ 32 bilhões e que terá capacidade de entregar energia para 18 milhões de famílias.
Violência. As ações compensatórias atreladas a Belo Monte acabam de ser medidas pelo Instituto Socioambiental (ISA), a partir de dados oficiais, entrevistas na região e artigos de 20 especialistas. O levantamento mostra que, entre 2011 e 2014, o número de assassinatos na cidade saltou de 48 para 86 casos por ano. Acidentes de trânsito, furtos e roubos mais que duplicaram nesse período. O principal hospital da cidade só ficou pronto em março deste ano e ainda tem pendências para operar, porque o município não tem orçamento suficiente para administrá-lo. Faltam itens como leitos para atendimento e internação.
No saneamento básico, a promessa era entregar para 100% da população uma rede de água e esgoto “igual à da Suíça”, mas o projeto ainda não saiu do papel. As estações de tratamento e as tubulações centrais estão prontas, mas as conexões com as casas foram alvo de um ano de discussões e intrigas entre a concessionária, o município e o Estado. Na última semana, resolveu-se finalmente que a prefeitura ficará responsável pelas ligações até as casas e que a Norte Energia pagará a conta.
Na orla do Xingu, o desespero toma conta de José Marconi Bonfim, que vê seu barraco de madeira ser derrubado. O pescador, conhecido como Ceará, perambula em cima dos escombros do que era a sua casa. Treme e chora. Perguntado sobre onde colocou as suas coisas e onde vai dormir, aponta para o barco. “Vou dormir ali, por ali”.

Projeto pode ter até 1.800 processos judiciais
Antes de produzir energia, Belo Monte está prestes a gerar uma infindável quantidade de processos judiciais movidos por moradores que protestam para receber uma nova casa ou indenizações em dinheiro.
Nas gavetas improvisadas da Defensoria Pública da União (DPU) em Altamira, já se acumulam processos administrativos de mais de 2 mil famílias que não conseguiram entrar no cadastro social feito pela concessionária. Essa lista, que foi fechada em janeiro de 2013, é o que estabelece quem tem direito às indenizações, segundo a empresa.
Em acordos já feitos com a Norte Energia, a defensoria conseguiu garantir a entrega de casas para cerca de 80 famílias que não estavam nesse cadastro. Algumas indenizações também foram acertadas. A maioria dos casos, porém, tem enfrentado forte resistência da concessionária.
“Vínhamos conseguindo taxas boas de acordo, mas isso foi caindo cada vez mais, porque a empresa passou a fazer várias exigências adicionais que praticamente inviabilizam as negociações. Por isso, devemos judicializar mais de 1,8 mil processos. Não restará outro caminho, teremos de recorrer à Justiça”, diz o defensor público Francisco de Assis Nóbrega. Cerca de 30 processos já foram apresentados à Justiça Federal. O número ainda é pequeno porque Altamira só passou a ter uma defensoria pública para zelar por seus cidadãos em janeiro deste ano.
Entre os casos que já chegaram à Justiça está o de Laura Mendes da Silva. Dona Laura é uma típica beiradeira, como é conhecida a população que habita as ilhas e margens do Rio Xingu. Ela se divide entre a casa que tem na beira do rio, onde produz alimentos, e residência que tem em Altamira, onde vende o que planta. “Disseram que eu não tinha direito a casa na cidade porque eu era dona de uma casa de apoio. Me ofereceram R$ 48 mil. Parece muito, mas não vale mais nada por aqui. Falaram que, se eu não estava satisfeita, que procurasse meus direitos, porque essa casa eu já tinha perdido. Vou lutar até o fim”, diz.

Nos novos bairros falta energia
Bairros construídos na periferia de Altamira pela maior hidrelétrica do Brasil têm enfrentado constantes problemas com abastecimento de energia. É o que se houve de moradores que já passaram a viver no Jatobá, São Joaquim e Casa Nova, três dos cinco bairros erguidos pela Norte Energia. As reclamações incluem o preço caro da conta de luz. “Aqui a luz acaba uma, duas vezes por semana. Às vezes demora um dia inteiro para voltar”, diz Aracélia Oliveira Porto, moradora do bairro Casa Nova, a cerca de 8 km do centro, isolado por uma estrada de terra.
Casa Nova segue o padrão das demais vilas que foram erguidas para abrigar os reassentamentos, com casas coloridas e padronizadas. Nesses bairros, a Norte Energia ergueu cerca de 4,6 mil residências com área de 63 m² cada, em terrenos de 300 m². Todas têm três dormitórios e uma suíte. O saneamento foi concluído e há ônibus escolar para as crianças. O transporte público ainda não existe. Não há rede de comércio nos locais.
Gente que antes morava perto do rio e vivia da pesca reclama que agora tem de se virar com transporte pago ou pegar carona para chegar ao Xingu. Muitos já desistiram da profissão e tentam se virar como podem. Diversas casas das vilas já transformaram a sala em pequenos comércios e salão de cabeleireiro e manicure.
Rapidamente, o visual padronizado das vilas começa a mudar. Famílias erguem cercas de madeira e constroem mais cômodos no terreno.
São muitos os relatos de pessoas que enxergam melhora na qualidade de vida, principalmente daquelas que viviam sobre as palafitas instaladas sobre o lixo e que hoje estão no Jatobá, o bairro mais próximo do centro, há cerca de 5 km. São muitos também os casos de pessoas que não se adaptaram e que já colocaram suas casas à venda, apesar da orientação oficial de que não devem se desfazer dos imóveis.
Para além das queixas sobre a infraestrutura e a distância das vilas, uma das mais ouvidas é a perda de laços sociais com famílias e vizinhos com os quais se convivia há anos, na mesma rua. O plano de reassentamento previa que blocos de residências fossem levados para uma mesma área, mas a correria para garantir a escolha do lar separou muita gente.
Moradora de Casa Nova desde outubro do ano passado, Aracélia colocou uma plaquinha de venda em sua casa no dia em que falou com a reportagem. “Eu tinha tudo lá no centro da cidade. Aqui não tem um açougue, uma farmácia, um supermercado. Quero ir embora, nem que seja para um lugar menor, mas quero voltar para a cidade”, diz ela. Ele pede R$ 75 mil pela casa, mas avisa que negocia.

O fim das obras dos ‘barrageiros’
Os mais de 24 mil trabalhadores que hoje atuam diretamente nos canteiros de obra de Belo Monte estão em vias de fechar um ciclo. Muitos desse barrageiros – como são conhecidos os funcionários que atuam na construção de hidrelétricas – são da própria região de Altamira, mas uma grande parte desse contingente também saiu do Rio Madeira, em Porto Velho (RO), por conta das desmobilizações nas usinas de Jirau e Santo Antônio.
Ocorre que a próxima grande hidrelétrica que manteria o emprego desse exército de trabalhadores, a usina de São Luiz, prevista para ser erguida no Rio Tapajós, em Itaituba (PA), ainda está longe de se tornar realidade, dada a extrema complexidade ambiental que envolve o projeto. Sem licenciamento, rodeada por florestas protegidas e aldeias indígenas, a usina estimada em mais de R$ 30 bilhões ainda é uma incógnita.
Essa situação é agravada ainda mais por conta dos esquemas de corrupção em que se meteram as principais empreiteiras do País. Trata-se de um grupo de empresa que joga papel central na construção e na formação de sociedades para viabilizar esses empreendimentos.
A ameaça de demissões em massa é iminente. Entre funcionários diretos e indiretos, Belo Monte reúne cerca de 40 mil. Muitos deles começarão a perder emprego já no segundo semestre, quando começa a acabar o pico das obras. Em reunião em Altamira, o diretor socioambiental da Norte Energia, José Anchieta, disse aos convidados que a empresa já está contratando um programa de desmobilização de mão de obra. Sobre os funcionários da região, explicou que serão oferecidos “cursos de readequação e capacitação” para que voltem ao trabalho, seja ele qual for.
“Aqueles que vieram de fora, o CCBM (Consórcio Construtor de Belo Monte, que reúne as empreiteiras que executam as obras da hidrelétrica) tem a obrigação de, da mesma forma que os trouxe, devolvê-los ao seu lugar de origem. Eles receberão passagem de ida sem volta”, disse.
Apesar da atual realidade dos projetos, Anchieta disse que os barrageiros não terão dificuldades de se encaixar em outras obras, porque já aprenderam a construir usinas e há muitos projetos para serem executados. Ele citou como exemplo a Hidrelétrica de Marabá. Trata-se de mais uma que ainda não tem data para se viabilizar.

Empresa afirma estar ‘aberta à negociação’
As mais de 1,8 mil famílias que ainda lutam para conseguir indenizações da Norte Energia podem se preparar para uma boa briga nos tribunais. Por meio de nota, a concessionária informou que está aberta ao diálogo e à negociação em todas as etapas da construção da usina, mas sinalizou que já fechou seu plano de reassentamento. “A empresa cai argumentar e se defender na Justiça.”
O valor investido em ações socioambientais e aquisições fundiárias até maio chegou a R$ 3,092 bilhões e a maior parte dos investimentos exigidos será feita até dezembro.
Segundo a empresa, o cadastro que prevê compensações atinge 7.790 famílias. “Já foram beneficiadas 3,3 mil e mais 600 estão sendo transferidas para casas nos novos bairros.” Informou que foram construídas 3,7 mil casas nas novas vilas e que serão 3,9 mil no total. Sobre as indenizações, 3,4 mil famílias receberam valores em dinheiro e outras 400 aguardam pagamento.
Sobre reclamações de que os valores das indenizações são insuficientes para comprar outra casa, a empresa declarou que “vêm sendo realizadas com o respeito à legislação sobre o tema” e que o assunto foi “amplamente discutido com a sociedade, órgãos competentes e entidades de classe”.
A respeito da conclusão das obras de saneamento, informou que as ligações para as casas dos moradores de Altamira serão feitas em parceria com a prefeitura. Já foram concluídos 170 km de tubulação, oito reservatórios, uma estação de captação e uma de tratamento. A rede de esgoto tem prontos 220 km de tubos, 13 estações elevatórias e uma estação de tratamento.
Quanto à distância dos bairros para abrigar a população ser maior que a prevista, a empresa disse que todos os investimentos e obras foram feitos “após intensa discussão com a população e aprovados pelos órgãos licenciadores”. Reiterou que acompanha a pesca no Xingu, e que suas análises “evidenciam que não houve alterações na qualidade da água do rio além das naturais, com exceção de pontos próximos às obras e por curtos períodos, as quais não ultrapassam os limites da legislação ambiental.”

Pescadores e índios dizem que peixe sumiu
Estudos técnicos e relatos feitos pela Norte Energia concluem que a pesca no Rio Xingu, que sempre foi fonte de alimentação e meio de vida para milhares de pessoas, não sofreu impacto em decorrência da usina. Os pescadores e índios, porém, são unânimes em dizer que o peixe está sumindo rapidamente em meio à água que está mais turva, às luzes das obras que ficam acesas à noite e às explosões de dinamites.
Ribeirinha nascida na região, Maria de Lourdes Soares da Silva, conhecida como “rainha do tucunaré”, diz que nunca viveu situação igual. “Tenho 55 anos e pesco nesse Xingu desde os nove. A pesca está acabando. Com essa zoada toda e a água suja, o peixe vai sumindo. Antes, eu passava três dias pescando e voltava com 150, 200 quilos de peixe. Hoje, são 20 ou 30 quilos, e quando pega. Os peixes estão correndo daqui”, diz.
Maria vive com a família em uma casa isolada na mata, na Volta Grande do Xingu, área do rio com cerca de 100 km de extensão que ficará isolada entre as duas barragens que formam Belo Monte. Neste trecho, a oscilação natural do nível das águas deixará de existir, permanecendo em sua cota mínima, por conta do represamento no reservatório principal da hidrelétrica. Diversas espécies de peixes, principalmente ornamentais, estão ameaçadas de desaparecer.
Segundo o Instituto Socioambiental, as ameaças à pesca têm sido ignoradas pelo Ibama, que não se pronuncia sobre os programas de monitoramento há mais de dois anos.
A Norte Energia, após muita negociação, concordou em erguer uma vila mais próxima do rio para abrigar ribeirinhos e indígenas. O bairro Pedral prevê a construção de 500 casas para quem depende da pesca artesanal. Outra saída dada pela concessionária é que a população adote “tanques-rede” para a criação de peixes, técnica que aproveita o leito dos rios para produção em confinamento.
Na última sexta-feira, o escritório da Norte Energia em Altamira foi bloqueado por pescadores que reclamam de terem sido ignorados pela empresa em compensações e indenizações. Todos os funcionários tiveram de ir embora.

*Fonte: O Estado de São Paulo

Lava Jato: Empreiteiro diz que pagou para evitar greves

Ricardo Pessoa afirma que contribuiu com Luiz Sérgio (PT) e Paulinho da Força (SD) por suas ligações no meio sindical. Em delação no âmbito da Lava Jato, ele disse que temia paralisações nas obras de Angra 3 e na usina de São Manoel

Estelita Hass & Flárvio Ferreira*

Fotografia: Zanone Fraissat /FolhaPress

Dono do grupo UTC, Ricardo Pessoa disse, em delação premiada, que fez doações eleitorais aos deputados Luiz Sérgio (PT-RJ), atual relator da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Petrobras, e Paulinho da Força (SD-SP), ex-presidente da Força Sindical, para evitar greves em obras de suas empresas.

O objetivo das doações eleitorais, segundo Pessoa, era garantir acesso aos congressistas, que são ligados aos movimentos sindicais.

A colaboração do empresário com a força-tarefa da Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras, foi homologada na quinta (25) pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki.

Em um de seus depoimentos, Pessoa contou que em 2011 houve uma grande paralisação na construção da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, com queima de cem ônibus e destruição de canteiros de obras, o que deixou as empreiteiras preocupadas. 

Na época, a greve provocou uma mobilização de trabalhadores também em outras obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), num efeito dominó. 

A doação oficial de R$ 200 mil que a UTC fez em 2014 para a campanha do deputado petista Luiz Sérgio, disse, teve como objetivo evitar paralisações em um dos principais contratos executados pela companhia, a montagem de equipamentos da usina nuclear de Angra 3, no município de Angra dos Reis (RJ). 

Luiz Sérgio foi prefeito de Angra entre 1993 e 1996. Foi também presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do município, ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores), entidade ligada ao PT. 

Luiz Sérgio também já foi ministro da Secretaria de Relações Institucionais no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (PT). 

Um consórcio integrado pela empresa de Pessoa, a Odebrecht, a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez venceu licitação da Eletronuclear para montar parte dos equipamentos da usina atômica. 

O custo total dos trabalhos, executados também por um outro consórcio de empresas, é de R$ 3,2 bilhões. 

Já a doação a Paulinho da Força, de R$ 500 mil nas eleições de 2012 (quando o deputado concorreu à Prefeitura de São Paulo), foi motivada pelas obras da usina de São Manoel, na divisa entre Pará e Mato Grosso, afirmou. 

A licitação da hidrelétrica foi vencida pela construtora Constran, do grupo UTC. Os sindicatos da região são ligados à Força Sindical, berço político de Paulinho e do Solidariedade.


Fonte: Folha

sábado, 27 de junho de 2015

Governo federal desapropria 10 imóveis para regularização de Territórios Quilombolas

Pelo menos 1290 territórios quilombolas esperam titulação

No último dia 22, durante a cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2015-2016, no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff assinou dez decretos de desapropriação por interesse social de terras para regularização de territórios quilombolas. A medida, segundo o próprio governo,  beneficiará 2.352 famílias.

Os imóveis estão distribuídos em oito estados do país, em áreas de variam de 30,86, como é o caso da área Família Thomaz, em Santa Catarina, para 30 famílias até a 8.472,22 hectares, da comunidade Tijuaçu, no Maranhão, para 828 famílias

Entre as áreas decretadas, está a comunidade Invernada Paiol da Telha, no município de Reserva do Iguaçu, que poderá se torna a primeira comunidade quilombola titulada do estado do Paraná.

Foram decretadas ainda a desapropriação de outro imóvel estado do Maranhão, dois imóveis no estado da Bahia e um imóvel em cada um dos seguintes estados: Ceará, Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco e Santa Catarina.

Confira todos os imóveis desapropriados AQUI.

Conforme o Incra, existem 1.290 processos de titulação quilombola abertos em quase todas as Superintendências da autarquia pelo país. Há ainda vários procedimentos abertos em alguns estados em que a titulação também segue pelos institutos estaduais de terras, como no Pará.

A desapropriação de imóveis privados encravados no interior das comunidades é um procedimento administrativo que antecede a titulação coletiva das terras, obrigação constitucional determinada pelo Artigo 68 dos Atos e Disposições Constituições Transitórias da carta de 1988.

Em alguns processos de titulação, o mecanismo de desapropriação não é necessário, pois as comunidades se localizam em terras públicas federais e/ou estaduais.

No  sítio da Comissão Pró-Índio consta relação de todos os decretos de desapropriação expedidos sob a vigência do Decreto 4.887 de 2003, que atualmente regulamenta a titulação dos territórios quilombolas. 

Com 14 anos de atraso, Incra e Receita Federal planejam implantar Cadastro Nacional de Imóveis Rurais

Em 2011, Portaria Intergovernamental prometia implantação do CNIR previsto em 2001. Em 2015, é assinado Termo de Cooperação Técnica.
Na última segunda-feira, foi firmado entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) um Acordo de Cooperação Técnica que promete assegurar a implantação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR). Veja a notícia AQUI.

Em 2001 foi publicada a Lei 10.267 que determinou a criação do CNIR, tendo como objetivo compartilhar dados sobre o meio rural com órgãos da administração pública que necessitam de informações sobre este tipo de imóvel para planejamento e atuação estatal. O cadastro deveria unificar a base de dados do Incra e da Receita Federal e compartilhado com órgãos estaduais de terras, poder judiciário, incluindo os cartórios.

Na época em que foi previsto, o CNIR foi apresentado como um instrumento capaz de aumentar o controle da malha fundiária por parte do Estado, combatendo assim a grilagem de terras e a sonegação fiscal.

Em 2011, Incra e Receita Federal chegaram a assinar uma Portaria e criaram uma “equipe intergovernamental para projetar, desenvolver estruturar e implementar o sistema do CNIR (Veja a notícia AQUI).

Governo diz que destinou 12,7 milhões de hectares de terras na Amazônia


Na última quarta-feira  (24 de julho), o governo anunciou que destinou 12,7 milhões de hectares de terras da União na Amazônia Legal para regularização fundiária, reforma agrária, criação de unidades de conservação e para a criação de uma reserva indígena. Segundo matérias vinculadas nos sítios do  Ministério do Desenvolvimento Agrário e da  Agência Brasil, a área destinada está distribuída em todos os nove estados da região amazônica.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, responsável pelo anúncio, disse que o estímulo à agricultura familiar na região não é uma ameaça ao meio ambiente, nem representa expansão da fronteira agrícola do país. “A Amazônia é parte integrante do Brasil, da nossa soberania. Precisamos compatibilizar as diferentes vocações da região. A Amazônia tem também uma vocação agrícola. Conheço bem a região, que hoje é uma grande produtora de alimentos. Não podemos fazer de uma região tão vasta e tão rica como a Amazônia um santuário intocável. É preciso compatibilizar a proteção ambiental com o desenvolvimento econômico e social”, defendeu.


Além de Ananias, a cerimônia de anúncio da medida teve ainda a participação da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.

Segundo as matérias dos sítios oficiais, a maior parte, 12,3 milhões de hectares, é para reforma agrária e regularização fundiária.  503.667 hectares seriam para conservação ambiental e 2.292 hectares para a criação de uma reserva indígena no município de Porto de Moz, no Pará.

Não houve maiores detalhamentos de como seriam distribuídos toda essa área nem por estado, nem especificamente quais seriam as áreas para assentamentos e quais seriam as áreas de regularização fundiária dos 12,2 milhões de hectares ditos como destinados para tal.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Frases


Aqui tem uma bola que eu acho que é um exemplo. É extremamente leve. Eu testei, fiz meia embaixadinha. Acho que a importância da bola é essa. Um símbolo da capacidade que nos distingue. Somos aqueles que têm a capacidade de jogar.

Esta bola é o símbolo da nossa evolução porque nós nos transformamos em homo sapiens ou mulheres sapiens.

(....)

É um momento histórico. Mais de 2 mil atletas indígenas vão participar. Eu, de fato, não tenho a menor condição de participar de uma corrida da tora. Mas acho que o prefeito de Palmas tem que participar”.

(...)

Nós estamos comungando a mandioca com o milho. Estou saudando a mandioca. Acho uma das maiores conquistas do Brasil”.

Trechos do discurso improvisado da presidente Dilma Rousseff durante a cerimônia de lançamento do Jogos Mundiais dos Povos Indígenas ocorrido no último dia 23, em Brasília.

O discurso na íntegra pode ser ouvido AQUI.


Nota: Dilma. Cardozo e Adams: Os maiores responsáveis pelo genocídio de povos indígenas em curso no Brasil


O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao falar sobre os povos indígenas do Brasil, mente para si próprio, para os povos e para a sociedade brasileira. Insiste numa “conversa para boi dormir” segundo a qual o governo não teria paralisado as demarcações e que estaria resolvendo os conflitos por meio do “diálogo” e da “mediação”. Isso é mentira do ministro e, portanto, do governo brasileiro.

Os dados de violência cometidos contra nossos povos em 2014, denunciados recentemente pelo Cimi, e a realidade vivida pelos povos do Brasil, de modo especial, daqueles que estão em áreas superlotadas , em acampamentos de beiras de rodovias, sendo atacados a tiros por fazendeiros em plena luz do dia, como o ocorrido nesta quarta-feira, 24 de junho, contra um grupo de Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Kususú Ambá, no MS, atestam essa mentira e deveriam deixar o ministro da Justiça envergonhado. Mas está cada vez mais evidente que Cardozo não tem vergonha na cara.

Além de não cumprir com sua responsabilidade constitucional de demarcar nossas terras, José Eduardo tenta legitimar sua omissão sugerindo que se ele demarcasse essas terras estaria provocando os fazendeiros a cometerem mais violência do que já cometem. Em vez de enfrentar e prender os assassinos de nossas lideranças, o governo brasileiro se curva às suas ameaças e chantagens.

Neste mesmo sentido, outra justificativa sugerida por Cardozo, em recente entrevista no programa Bom dia Ministro, é que não adiantaria o governo demarcar as nossas terras “sem negociação” com os fazendeiros, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) anularia seus atos administrativos. Todos sabemos, no entanto, que é o ministro Luis Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU), homem de confiança da presidente Dilma, que tem atuado organicamente, ao menos desde o ano de 2012, lado a lado com representantes da bancada ruralista e da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), junto aos ministros do STF, para consagrar a tese absurda do Marco Temporal e estender para todas as terras indígenas do Brasil a aplicação das Condicionantes estabelecidas pelo Supremo para o caso específico da Raposa Serra do Sol.

É essa a estratégia de Adams e do governo Dilma para legitimar a Portaria 303/12, que continua vigente e sendo plenamente implementada pela consultoria jurídica do Ministério da Justiça nas análises relativas a procedimentos de demarcação de nossas terras.

Ao não demarcar as nossas terras, mesmo havendo procedimentos administrativos conclusos, sem qualquer impedimento técnico e judicial, Dilma e Cardozo descumprem a Constituição e normas infraconstitucionais, como o Decreto 1775/96, e, portanto, cometem crime de prevaricação e devem ser responsabilizados e responder por ele.

Ao não demarcar as nossas terras e trabalhar pela descaracterização do direito originário que temos sobre as mesmas, Dilma, Cardozo e Adams são os maiores responsáveis pelos assassinatos e criminalização de lideranças e pelos demais crimes cometidos contra nossos povos. Um quadro tão alarmante que podemos caracterizar como de um verdadeiro genocídio.

Diante dessa situação, entendemos que não resta outra opção: retomar e autodemarcar nossas terras tradicionais, mesmo sabendo que isso pode custar a vida de muitas de nossas lideranças e de muitos de nossos guerreiros.

Kretã Kaingang – Região Sul

Lindomar Terena – Centro Oeste

Paulo Tupinikim – Nordeste

Darã Tupi Guarani –Sudeste

COORDENAÇÃO EXECUTIVA ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

Fonte: Blog Mobilização Nacional Indígena (links no texto vinculados por este blog)

MS: Duas crianças Guarani e Kaiowá estão desaparecidas depois de ataque paramilitar contra retomada de Kurusu Ambá

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta, esteve nesta quinta-feira, 25, nas áreas retomadas pelos Guarani e Kaiowá no cone sul do Mato Grosso do Sul e confirma o desaparecimento de duas crianças após o ataque de 30 indivíduos armados, em ação paramilitar, contra o acampamento instalado pelos indígenas na fazenda Madama, incidente no tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá. 

De acordo com o parlamentar, mais ataques podem ocorrer nas próximas horas.

Em mensagem dirigida ao ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o presidente da Comissão pediu de forma urgente a presença da Força Nacional na região. Cardozo afirmou que esperava pela formalização da solicitação por parte do governador do estado, Reinaldo Azambuja. No entanto, um documento enviado por Azambuja em maio já pedia o apoio das tropas federais para a manutenção da segurança na região. Na base da Força Nacional, Pimenta ouviu que a patrulha só poderia ser realizada com ordens do ministro da Justiça. Uma última informação, repassada pelo ministro de Direitos Humanos Pepe Vargas, dá conta de que a autorização teria sido emitida por Cardozo na noite desta quinta.


Conforme o presidente da Comissão, o ataque ao acampamento de Kurusu Ambá foi coordenado pelo arrendatário da fazenda Madama, um indivíduo chamado Aguinaldo. O proprietário, que reside no Paraná, estava em negociação com o procurador da república Ricardo Pael, presente na visita da Comissão, para uma saída pacífica e acordada junto aos Guarani e Kaiowá. Parte desse diálogo garantiu a retirada de animais e pertences da fazenda, momento usado por Aguinaldo para realizar o ataque. Como ele não é o proprietário da fazenda, qualquer ação de reintegração de posse ficaria inviável uma vez que o proprietário decidiu pelo acordo.

Enquanto eram atacados a tiros, os cerca de 60 indígenas do acampamento se dispersaram, em fuga. Na correria, as crianças J.M, de 11 anos, e D.P, de 10 anos, desapareceram. Encontrar estas crianças é um dos objetivos da permanência da Comissão de Direitos Humanos no MS. Barracos, roupas e demais objetos dos indígenas foram incendiados. No entanto, os Guarani e Kaiowá não saíram da fazenda Madama, lugar onde a liderança Xurite Lopes foi assassinada, em 2007, com tiros pelas costas. Além de compor o território tradicional reivindicado pelos Guarani e Kaiowá, a propriedade carrega em si esse episódio trágico ao povo.

Guaivyry
Pimenta ressalta que a ofensiva paramilitar contra os Guarani e Kaiowá de Kurusu Ambá pode se repetir em outras duas retomadas ocorridas nesta quarta-feira, 24, no tekoha Guaivyry, onde o parlamentar também esteve. De acordo com o Pimenta, apenas os caseiros estiveram nas retomadas para retirar pertences. Os indígenas não ocuparam as casas. Os fazendeiros, por sua vez, não apareceram nas propriedades, mas conforme Pimenta apurou passaram o dia reunidos em Amambai. Escolas já funcionam nos barracos de lona e dos locais os Guarani e Kaiowá afirmam que só saem mortos.

Na noite desta quinta-feira, indígenas das duas retomadas do Guaivyry comunicaram as autoridades que homens armados estão se concentrando em propriedades vizinhas aos acampamentos. Tiros foram disparados por cima das moradias improvisadas, o que conforme o histórico de todos os ataques contra os Guarani e Kaiowá sinalizam um aviso para que saíam antes de uma ofensiva mais violenta. A informação reforça a preocupação do presidente da Comissão de Direitos Humanos sobre novos ataque.

Cardozo diz que governo não paralisou demarcação de terras indígenas

Por: Alex Rodrigues*
Cinco dias após o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirmar que o governo federal paralisou a demarcação de áreas reivindicadas como terras indígenas, potencializando os conflitos e a violência contra os índios, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, negou que o Poder Executivo esteja negligenciando o assunto. “Não paramos as demarcações”, disse o ministro na terça (23) durante o programa de rádio Bom Dia, Ministro.
Em relatório divulgado na semana passada, o Cimi diz que o atual governo é o que menos demarcou terras indígenas desde o fim da ditadura militar no Brasil. Os dados apresentados revelam que houve “aprofundamento da paralisação dos procedimentos de demarcação de terras indígenas”. O documento fala também em “esvaziamento” da Fundação Nacional do Índio (Funai) e diz que, em 2014, ao menos 70 índios foram assassinados. Em 2013, de acordo com dados do conselho indigenista, foram 53 homicídios e, em 2012, 60. Conforme o Cimi, em 2014, apenas duas áreas foram identificadas (Xeta Herarekã, no Paraná, e Xakriabá, em Minas Gerais) e uma foi declarada como terra tradicional indígena (Paquiçamba, no Pará) pelo Ministério da Justiça.
“Os fatos são verdadeiros. A análise é equivocada. Que a violência [contra os índios] aumentou, não há dúvida”, afirmou Cardozo, insistindo que o governo não é indiferente às reivindicações e necessidades dos povos indígenas, apenas tenta evitar novos conflitos e mais violência. “Estamos tentando mediar os conflitos. O radicalismo de um lado ou de outro motiva o acirramento dos conflitos. E então, só com mediação, verificando a possibilidade de contemplar o direito de todos os envolvidos.”
Perguntado se buscar uma solução negociada não seria prejudicial aos índios que, muitas vezes, aguardam acampados às margens de rodovias ou em acampamentos improvisados em terras já identificadas como de ocupação tradicional indígena, Cardozo foi categórico. “Ninguém está postergando nada. Estamos discutindo soluções. E, recentemente, o Supremo Tribunal Federal derrubou três portarias do ministério demarcando terras indígenas justamente porque, na época, não foram feitas as devidas negociações. Radicalismo gera morte e conflitos. A mediação é o caminho.”
As decisões a que Cardozo se refere dizem respeito à anulação dos atos administrativos de demarcação das terras Guyraroká (do povo Guarani-Kaiowá) e Limão Verde (dos terena), ambas em Mato Grosso do Sul, e Porquinhos (dos canela-apãniekra), no Maranhão. A justificativa do STF é que as terras não eram tradicionalmente ocupadas por índios.
Para o Cimi, a decisão também contribuiu para aprofundar a violência contra os índios. “Essas decisões do Supremo têm o poder de reabrir processos encerrados há tempos, em terras nas quais a posse indígena já está pacificada”, afirmou o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, durante a divulgação do relatório Violência Contra os Povos Indígenas, na última sexta-feira (19).
*Fonte: Agência Brasil – EBC—Edição: Denise Griesinger

Sítio-escola em Belo Monte é questionado por membros da comunidade arqueológica


Um grupo de arqueólogos vinculados a diversas Universidades e instituições de pesquisa brasileiras lançou uma nota em que se manifesta sobre a realização de um sítio- escola por uma empresa privada de consultoria em arqueologia na área impactada pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, controvertida obra de infraestrutura do governo federal em construção no Pará.

A seguir, a íntegra do posicionamento em que os arqueólogos afirmam que consideram  “grave o fato de que o Estado não exigiu nenhum trabalho etnoarqueológico neste empreendimento, isolando os arqueólogos das comunidades tradicionais locais.”


Posicionamento sobre atividades de ensino de arqueologia propostas no âmbito da usina hidrelétrica de Belo Monte – Pará, Brasil

Na condição de docentes e pesquisadores em Arqueologia, vimos nos manifestar sobre a proposta de realização de um sítio escola na área impactada pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, recentemente divulgada por empresa de consultoria através do site da SAB (Sociedade de Arqueologia Brasileira).

Esta obra segue a descumprir as condicionantes do licenciamento ambiental e vem gerando irreversível desestruturação sobre as formas de vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região. Foi acusada de causar um etnocídio indígena pela Procuradora Federal da República, Thaís Santi,[1] também por afetar e violar direitos fundamentais dos demais povos tradicionais com remoções forçadas[2] e degradação ambiental.

Consideramos grave o fato de que o Estado não exigiu nenhum trabalho etnoarqueológico neste empreendimento, isolando os arqueólogos das comunidades tradicionais locais. Tampouco está claro se o destino da coleção arqueológica resgatada será a cidade de Altamira e se o material estará disponível para os descendentes das populações que ocuparam essa região.

Em Belo Monte o resgate do patrimônio arqueológico tem assumido uma conotação fetichista, ou seja, é o resgate do patrimônio por ele mesmo – algo que a lei prevê, mas que devemos começar a questionar e propor alternativas que sejam igualmente respaldadas pela legislação. Tentar reconstruir a história dentro de um processo que acaba com a possibilidade de transmissão de conhecimentos para as próximas gerações nos parece um paradoxo. Naturalizar e mercantilizar este processo, que leva à destruição ambiental e que representa a desestruturação cultural dos povos – que, em muitos casos, podem ser descendentes daqueles que produziram o patrimônio arqueológico que está sendo escavado – implica participar de um processo totalitário.

Preocupações semelhantes levaram a Sociedade de Arqueologia Brasileira em reunião da SAB Norte em agosto de 2014 a aprovar, em Assembleia Geral na cidade de Macapá, estado do Amapá, uma moção de Solidariedade para com os Povos do Tapajós. Um apelo foi feito aos colegas de profissão para não participar do licenciamento ambiental das hidrelétricas da Bacia do Tapajós, enquanto a consulta livre, prévia e informada (conforme estipulada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT e da qual o Brasil é signatário), não fosse efetuada entre os povos indígenas e comunidades tradicionais afetadas e reconhecida como tal pelo Ministério Público Federal. No dia 15/06/2015 o juíz federal Ilan Presser suspendeu o licenciamento da hidrelétrica de São Luíz do Tapajós e determinou a necessidade de realização da referida consulta.

Acreditamos que um sítio escola deva, antes de tudo, ser norteado por uma perspectiva de ensino pautada por preceitos teóricos explícitos, onde a metodologia aplicada e a ética profissional estejam alinhadas para que os estudantes participem de um processo de formação integral, o que necessariamente inclui o desenvolvimento de um senso crítico em relação ao contexto social em que atuam. Hoje, em pesquisas arqueológicas em áreas que envolvem povos originários e comunidades tradicionais, não é mais possível desconsiderar o contexto social circundante e desenvolver projetos ignorando ou alienando seus moradores. Perguntamos se é correto para a formação de novos arqueólogos realizar pesquisa e ensino em situações onde os seus fundamentos não atendam aos pressupostos humanitários e ambientais elementares sugeridos pela ONU e seus diversos organismos.

Por estes motivos, manifestamos publicamente nossa contrariedade à proposta tal como ela foi divulgada, recomendando que ela não seja implementada. Propomos ainda discutir a criação de um protocolo único pelo IPHAN, na forma de uma portaria e com termos de referência específicos para cada caso, que definam com transparência todos os passos da pesquisa arqueológica em contextos onde há povos indígenas ou tradicionais, ou mesmo grupos sociais que vivam nos locais afetados. Uma proposta deste tipo implica, ainda, a participação do Ministério Público Federal, da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), da Fundação Palmares, de movimentos sociais, da SAB e de outros setores da sociedade nacional. Isto deveria envolver também a obrigatoriedade da divulgação e da publicação detalhada dos resultados dentro de um período previamente estipulado, igualmente dentro de um protocolo único e rigoroso.

Brasil, 24 de junho de 2015.

Firmamo-nos aqui,

·      Anderson Márcio Amaral Lima – Técnico do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá;
·      Anne Rapp Py-Daniel – Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará;
·      Ariana Silva Braga – Doutoranda da Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro;
·      Bruna Cigaran da Rocha – Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará;
·      Bruno Sanches Ranzani da Silva – Doutorando do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Camila Pereira Jácome – Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará;
·      Carla Gibertoni Carneiro – Educadora do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Célia Maria Cristina Dermatini – Apoio ao Ensino e Pesquisa do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Cínthia Moreira – Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará;
·      Claide de Paula Moraes – Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará;
·      Cláudia Turra Magni – Docente da Universidade Federal de Pelotas;
·      Cristiana Barreto – Pós-doutoranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Daniella Magri Amaral – Doutoranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Eduardo Bespalez – Docente da Universidade Federal de Rondônia;
·      Eduardo Góes Neves – Docente do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Eduardo Kazuo Tamanaha – Pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá;
·      Elisangela Regina de Oliveira – Docente da Universidade Federal de Rondônia;
·      Erêndira Oliveira – Mestranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Fabiana Rodrigues Belem – Doutoranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Fábio Guaraldo de Almeida – Mestre em Arqueologia;
·      Fabíola Andréa Silva – Docente do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Francisco Antônio Pugliese Junior – Doutorando do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Francisco Forte Stucchi – Mestre em Arqueologia;
·      Francisco Silva Noelli – Professor aposentado da Universidade Estadual de Maringá;
·      Gabriela Prestes Carneiro – Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará;
·      Grasiela Tebaldi Toledo – Doutoranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Guilherme Zdonek Mongeló – Doutorando do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Gustavo Jardel Coelho – Graduando da Universidade Federal de Minas Gerais;
·      Jaqueline Gomes Santos – Mestranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Juliana Salles Machado – Pós-doutoranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Kelly Brandão Vaz da Silva – Colaboradora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá;
·      Laura Pereira Furquim – Mestranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Lorena Gomes Garcia – Doutoranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Luciano Pereira da Silva – Docente da Universidade Estadual do Mato Grosso;
·      Lúcio Menezes Ferreira – Docente da Universidade Federal de Pelotas;
·      Márcia M. Arcuri Suñer – Docente da Universidade Federal de Ouro Preto;
·      Marina Nogueira Di Giusto – Mestranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Márjorie do Nascimento Lima – Mestre em Arqueologia;
·      Maurício André Silva – Educador do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Michael Joseph Heckenberger – Docente da Universidade da Flórida;
·      Michel Bueno Flores da Silva – Mestrando do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Mikael Correia dos Santos – Historiador e graduando da Universidade Federal Vale do São Francisco;
·      Morgan Schmidt – Arqueólogo;
·      Myrtle Pearl Shock – Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará;
·      Pedro Henrique Damin – Mestre em Arqueologia;
·      Rafael Guedes Milheira – Docente da Universidade Federal de Pelotas;
·      Raoni Bernardo Maranhão Valle – Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará;
·      Renan Pezzi Rasteiro – Mestrando do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Sarah Kelly Silva Schimidt – Graduanda da Universidade Federal de Minas Gerais;
·      Silvia Cunha Lima – Pós-doutoranda do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Vanessa Linke – Pesquisadora do MHNJB da Universidade Federal de Minas Gerais;
·      Vera Lúcia Guapindaia – Arqueóloga
·      Vinícius Eduardo Honorato de Oliveira – Mestrando do Institute of Archaeology, University College London;
·      Vinícius Melquíades – Doutorando do MAE/Universidade de São Paulo;
·      Will Lucas Silva Pena – Mestrando da Universidade Federal de Minas Gerais.