Após 40 dias de intensos protestos que se espalharam por todo o país, o presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou na noite desta segunda-feira a suspensão da construção de uma estrada que cruza uma reserva natural em áreas amazônicas até que um plebiscito ouvindo as partes envolvidas seja realizado. Construída pela brasileira OAS com financiamento do BNDES, a estrada, que tem 306 km e atravessa uma reserva de 1,2 milhão de hectares, deve custar US$ 415 milhões.
"Enquanto houver este debate nacional e para que os Departamentos [Estados] decidam, fica suspenso o projeto de estrada sobre o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure", destacou o presidente.
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A estrada em questão é parte da rodovia que unirá os oceanos Pacífico e Atlântico e promoverá o comércio na América do Sul. O projeto é financiado pelo Brasil, com custo total de US$ 415 milhões. Os indígenas amazônicos, que rejeitam a estrada porque a obra atravessará o Tipnis, argumentam que a obra possa levar à ruína da reserva ecológica e à invasão da área por produtores de coca, planta base para fabricar cocaína.
A suspensão chega um dia após a violenta repressão de militares contra manifestantes, o que levou nesta segunda-feira à renúncia da ministra da Defesa, Cecilia Chacón, além de desencadear marchas e protestos em toda a Bolívia.
"Assumo esta decisão porque não compartilho a medida de intervenção da passeata feita pelo governo e não posso defender ou justificar essa ação", afirma a carta de renúncia enviada a Morales.
O presidente boliviano não revelou quando e como ocorrerá a consulta, mas funcionários do governo já tinham avaliado que tal processo exigirá de seis meses a um ano.
"Quero salvar um compromisso diante da história e do povo boliviano, especialmente diante dos Departamentos (de Beni e Pando), para que haja um debate nacional, um debate do povo boliviano, que decidirá".
"Que seja o povo a decidir, especialmente nos dois departamentos, o que o governo nacional já decidiu apenas cumprindo as leis e atendendo aos pedidos", destacou Morales.
PROTESTOS
Centenas de bolivianos se manifestam nesta segunda-feira com vigílias, concentrações e greves de fome, em diferentes cidades do país, contra a violência com que o governo dissolveu no domingo uma passeata de indígenas amazônicos.
Sindicados, associações indígenas, partidos de oposição e grupos ambientalistas e de defesa dos direitos humanos estão organizando mais protestos públicos para esta segunda-feira e para os próximos dias, incluindo uma greve nacional da COB (Central Operária Boliviana), a maior organização de trabalhadores do país. A praça de Murillo, em La Paz, onde estão a Presidência e o Palácio Legislativo, está fechada e tomada por centenas de policiais desde a madrugada para prevenir incidentes. Enquanto isso, os manifestantes começam a se agrupar em vários pontos da cidade.
Em Rurrenabaque, região onde os manifestantes indígenas foram reprimidos, a população tomou o aeroporto esta manhã para evitar que o governo envie os indígenas detidos a suas comunidades, informou o prefeito Yerko Núñez.
CRÍTICAS
A dispersão dos cerca de 1.500 manifestantes foi "um ato delitivo, ditatorial", disse o líder do Movimento Sem medo (MSM), Juan del Granado, à agência de notícias "ANF".
Centenas de agentes atacaram no domingo com gases e cassetetes o acampamento dos indígenas nos arredores de Yucumo, a mais de 300 km de La Paz. O subcomandante da polícia, general Oscar Muñoz, disse que os agentes atuaram porque foram ameaçados por nativos armados com setas.
Entretanto, o defensor público Rolando Villena afirmou que tem informações de que os agentes agiram quando os indígenas estavam a ponto de jantar. Villena exigiu que Morales interrompa o uso de violência contra os manifestantes, mesmo pedido feito pelo escritório da ONU em La Paz.
O protesto completou 40 dias no sábado, quando um grupo de mulheres reteve por mais de uma hora o chanceler David Choquehuanca, ação que o governo classificou como "sequestro", embora o próprio ministro tenha evitado usar esta palavra.
ITAMARATY
O Itamaraty divulgou nota nesta segunda-feira em que defende a construção da estrada financiada pelo Brasil.
"(...) Se trata de projeto de grande importância para a integração nacional da Bolívia e que atende aos parâmetros relativos a impacto social e ambiental previstos na legislação boliviana", afirma trecho do texto.
Em nota, o Itamaraty afirmou que recebeu "com preocupação" a notícia dos distúrbios na Bolívia e demonstrou apoio ao país vizinho.
"O governo brasileiro manifesta sua confiança em que o governo boliviano e diferentes setores da sociedade boliviana continuarão a favorecer o diálogo e a negociação na busca de um entendimento sobre o traçado da rodovia, tomando em conta a normativa interna boliviana e boas práticas internacionais relevantes, em benefício do desenvolvimento e da estabilidade da Bolívia", diz trecho da nota.
Fonte: Folha