terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Greve dos policias e bombeiros pára o Ceará

Cândido Neto da Cunha*

Os últimos dias de 2011 e o início de 2012 no Ceará, nordeste brasileiro, estão marcados pela maior greve de militares que o estado já viu. Estima-se que entre 10 a 12 mil policiais militares e bombeiros de Fortaleza e mais de sessenta municípios tenham aderido ao movimento que encurrala o governador Cid Gomes (PSB).


A decretação da greve no dia 30 de dezembro ocorreu após um longo processo de mobilização de policiais militares, que pressionaram durante todo o ano de 2011 pela abertura de um processo de negociação. Até então, a pauta do movimento envolvia melhorias salariais e mudanças nas condições de trabalho: reajuste para a categoria, promoções, jornada de trabalho de 40 horas semanais, auxílio alimentação, extinção do código disciplinar e criação de um código de ética.

O movimento dos policiais foi ganhando força e envolveu também os bombeiros, categoria também submetida à hierarquia militar e sem uma série de direitos trabalhistas. A rejeição de todos os pontos de pauta do movimento e uma série de medidas punitivas fermentou um caldo de revolta nos quartéis. Na última semana do ano, a greve já era tida como certa e em grandes assembleias, a paralisação foi decretada na noite de 29 de dezembro.

Imediatamente, os militares e familiares começaram a ocupação de quartéis e o recolhimento de viaturas das ruas. A reação do governo do estado foi de pedir reforço do Exército e da Força de Segurança Nacional ao governo federal. Já no dia 31 de dezembro, tropas asseguravam a presença no aeroporto de Fortaleza, Palácio do Governo, alguns pontos turísticos e principalmente no megaevento turístico promovido pela prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT). A esta altura, o governador anuncia a suspensão da sua viagem para os EUA, onde passaria o réveillon com a família.

Enquanto isto, uma onda de boatos e um clima de insegurança tomava conta da cidade. Assaltos eram relatados a todo o momento. Motoristas de ônibus chegaram a fechar 3 importantes terminais de ônibus da capital, em protesto pela falta de segurança e solidariedade à greve dos militares.

No dia 1° de janeiro, o Quartel Central dos Bombeiros foi tomado pelo Exército. O governo do estado continuou afirmando que não negociaria com os grevistas e que todos seriam punidos, apesar de apelos do Ministério Público Federal, do Bispo de Fortaleza e da Ordem dos Advogados do Brasil.

A agressão de um comandante a um cabo diante da tropa induziu policiais do Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas (RAIO) a também aderirem à greve. Este setor acabou também se juntando aos amotinados.


A revolta cresceu e batalhões que ainda não haviam parado aderiram à greve que também se espalhou pelo interior do estado, onde vários quartéis estão tomados.
O quartel da 6ª Companhia do 5º Batalhão da Polícia Militar virou a sede do Comando de Greve. É neste local que ocorrem as assembleias gerais, atos de solidariedade e pronunciamentos do movimento. O quartel foi escolhido taticamente, por está localizado em uma região com muitas residências e com ruas estreitas, dificultando assim uma ocupação por parte do Exército. Dezenas de viaturas, carros do corpo de bombeiros e motos de policiamento foram distribuídas para obstaculizar o acesso ao batalhão.

Na noite entre o dia 1° e 2 de janeiros, cerca de 3 mil policiais, bombeiros e familiares dormiram neste quartel à espera de um pedido de negociação feita pelo bispo José Antônio Tosi, junto ao governador Cid Gomes. Mais uma vez não houve avanços.
Na noite do dia 2, a Justiça Federal determinou o retorno imediato ao trabalho por meio de uma ordem judicial. Água e luz da 6ª Companhia foram cortadas. O clima de revolta cresceu ainda mais, e barricadas foram armadas nas ruas de acesso ao quartel.

A tensão e o impasse tomaram conta do movimento. Enquanto isto, o medo tomou conta de Fortaleza. Na manhã de terça-feira (3), arrastões foram registrados em supermercados, lojas, postos de gasolina e em sinais de trânsito. Nos bairros periféricos, sem a presença de tropas federais, muitos assaltos foram registrados em casas, comércios, ônibus e ruas. A todo o momento, o comércio fechava portas e escolas suspendiam aulas. Na tarde, a cidade parecia estar em um feriado. A onda de crimes e boatos acabou chegando ao Centro de Fortaleza e aos bairros nobres, e finalmente a imprensa local e nacional começou a registrar o movimento, muito mais pelas suas consequências do que pelas suas causas.

É marcante entre os grevistas um perfil jovem, com alta escolarização e pouca tradição de lutas. São oriundos dos últimos concursos públicos, portanto ainda com pouco tempo de disciplina militar. Alguns participaram do movimento estudantil, mas é um setor muito minoritário. São cabos, soldados e alguns capitães, ou seja, as baixas patentes. Como todas as lutas recentes, já incorporaram a Internet como espaço de batalha, com divulgação de notícias por blogs, Facebook e chamados pelo YouTube.

A maior parte se move devido às péssimas condições salariais (um soldado em início de carreira ganha menos que 2 salários mínimos) e de trabalho. Submetidos à hierarquia militar, policiais e bombeiros não possuem jornada de trabalho fixa e direitos trabalhistas básicos assegurados às categorias civis. Estima-se em 14 mil o efetivo de policias e bombeiros do Ceará, a maior parte deste está parado.

Outra característica marcante da greve é a participação decisiva de esposas. As mulheres tem exercido um papel fundamental na greve. Elas são a face visível do movimento, pois não escondem o rosto e muitas vezes são as responsáveis pelas declarações públicas do movimento. No dia 31, várias delegacias de Fortaleza pararam a partir da iniciativa delas que promoveram trancamentos. No mesmo dia, os caminhões do Batalhão de Cavalaria, que se deslocaria para reforçar os efetivos que não aderiram à paralisação, tiveram seus pneus furados por um grupo de mulheres.

Devido à proibição de sindicalização, as associações de cabos e soldados organizam e intermedeiam as mobilizações: ASPRAMECE (Associação de Praças da Polícia Militar e dos Bombeiros) e APROSPEC (Associação dos Profissionais de Segurança Pública).

As entidades tem recebido apoio de sindicatos e de alguns partidos de esquerda. Em Fortaleza, PSTU e PSOL lançaram notas de apoio ao movimento. O PT não tem atuado como partido na greve, provavelmente devido ao fato de ser base aliada do governador Cid Gomes.

Um grupo de professores que foi duramente reprimido pela Tropa de Choque na greve recente da categoria organizou uma visita de apoio aos grevistas instalados no batalhão da 6ª Companhia. Motoristas de ônibus estão recolhendo a frota devido à falta de segurança e em solidariedade. As negociações seguem sem resultados. As próximas horas prometem ser decisivas. A anistia dos grevistas acabou se tornando o ponto central do movimento. Policiais Civis realizarão assembleias às 18h e podem também aderirem à greve. Sindicatos estão organizando atos de apoio.

*Observação: Esta matéria foi publicada originalmente no Diário Liberdade.
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