Cândido
Neto da Cunha*
Os
últimos dias de 2011 e o início de 2012 no Ceará, nordeste brasileiro, estão
marcados pela maior greve de militares que o estado já viu. Estima-se que entre
10 a 12 mil policiais militares e bombeiros de Fortaleza e mais de sessenta
municípios tenham aderido ao movimento que encurrala o governador Cid Gomes
(PSB).
A
decretação da greve no dia 30 de dezembro ocorreu após um longo processo de
mobilização de policiais militares, que pressionaram durante todo o ano de 2011
pela abertura de um processo de negociação. Até então, a pauta do movimento
envolvia melhorias salariais e mudanças nas condições de trabalho: reajuste
para a categoria, promoções, jornada de trabalho de 40 horas semanais, auxílio
alimentação, extinção do código disciplinar e criação de um código de ética.
O
movimento dos policiais foi ganhando força e envolveu também os bombeiros,
categoria também submetida à hierarquia militar e sem uma série de direitos
trabalhistas. A rejeição de todos os pontos de pauta do movimento e uma série
de medidas punitivas fermentou um caldo de revolta nos quartéis. Na última
semana do ano, a greve já era tida como certa e em grandes assembleias, a
paralisação foi decretada na noite de 29 de dezembro.
Imediatamente,
os militares e familiares começaram a ocupação de quartéis e o recolhimento de
viaturas das ruas. A reação do governo do estado foi de pedir reforço do
Exército e da Força de Segurança Nacional ao governo federal. Já no dia 31 de
dezembro, tropas asseguravam a presença no aeroporto de Fortaleza, Palácio do
Governo, alguns pontos turísticos e principalmente no megaevento turístico
promovido pela prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT). A esta altura, o
governador anuncia a suspensão da sua viagem para os EUA, onde passaria o
réveillon com a família.
Enquanto
isto, uma onda de boatos e um clima de insegurança tomava conta da cidade.
Assaltos eram relatados a todo o momento. Motoristas de ônibus chegaram a
fechar 3 importantes terminais de ônibus da capital, em protesto pela falta de
segurança e solidariedade à greve dos militares.
No dia 1°
de janeiro, o Quartel Central dos Bombeiros foi tomado pelo Exército. O governo
do estado continuou afirmando que não negociaria com os grevistas e que todos
seriam punidos, apesar de apelos do Ministério Público Federal, do Bispo de
Fortaleza e da Ordem dos Advogados do Brasil.
A
agressão de um comandante a um cabo diante da tropa induziu policiais do Ronda
de Ações Intensivas e Ostensivas (RAIO) a também aderirem à greve. Este setor
acabou também se juntando aos amotinados.
A revolta
cresceu e batalhões que ainda não haviam parado aderiram à greve que também se
espalhou pelo interior do estado, onde vários quartéis estão tomados.
O quartel
da 6ª Companhia do 5º Batalhão da Polícia Militar virou a sede do Comando de
Greve. É neste local que ocorrem as assembleias gerais, atos de solidariedade e
pronunciamentos do movimento. O quartel foi escolhido taticamente, por está
localizado em uma região com muitas residências e com ruas estreitas,
dificultando assim uma ocupação por parte do Exército. Dezenas de viaturas,
carros do corpo de bombeiros e motos de policiamento foram distribuídas para
obstaculizar o acesso ao batalhão.
Na noite
entre o dia 1° e 2 de janeiros, cerca de 3 mil policiais, bombeiros e
familiares dormiram neste quartel à espera de um pedido de negociação feita
pelo bispo José Antônio Tosi, junto ao governador Cid Gomes. Mais uma vez não
houve avanços.
Na noite
do dia 2, a Justiça Federal determinou o retorno imediato ao trabalho por meio
de uma ordem judicial. Água e luz da 6ª Companhia foram cortadas. O clima de
revolta cresceu ainda mais, e barricadas foram armadas nas ruas de acesso ao
quartel.
A tensão
e o impasse tomaram conta do movimento. Enquanto isto, o medo tomou conta de
Fortaleza. Na manhã de terça-feira (3), arrastões foram registrados em
supermercados, lojas, postos de gasolina e em sinais de trânsito. Nos bairros
periféricos, sem a presença de tropas federais, muitos assaltos foram
registrados em casas, comércios, ônibus e ruas. A todo o momento, o comércio
fechava portas e escolas suspendiam aulas. Na tarde, a cidade parecia estar em
um feriado. A onda de crimes e boatos acabou chegando ao Centro de Fortaleza e
aos bairros nobres, e finalmente a imprensa local e nacional começou a
registrar o movimento, muito mais pelas suas consequências do que pelas suas
causas.
É
marcante entre os grevistas um perfil jovem, com alta escolarização e pouca
tradição de lutas. São oriundos dos últimos concursos públicos, portanto ainda
com pouco tempo de disciplina militar. Alguns participaram do movimento
estudantil, mas é um setor muito minoritário. São cabos, soldados e alguns
capitães, ou seja, as baixas patentes. Como todas as lutas recentes, já
incorporaram a Internet como espaço de batalha, com divulgação de notícias por
blogs, Facebook e chamados pelo YouTube.
A maior
parte se move devido às péssimas condições salariais (um soldado em início de
carreira ganha menos que 2 salários mínimos) e de trabalho. Submetidos à
hierarquia militar, policiais e bombeiros não possuem jornada de trabalho fixa
e direitos trabalhistas básicos assegurados às categorias civis. Estima-se em
14 mil o efetivo de policias e bombeiros do Ceará, a maior parte deste está
parado.
Outra
característica marcante da greve é a participação decisiva de esposas. As
mulheres tem exercido um papel fundamental na greve. Elas são a face visível do
movimento, pois não escondem o rosto e muitas vezes são as responsáveis pelas
declarações públicas do movimento. No dia 31, várias delegacias de Fortaleza
pararam a partir da iniciativa delas que promoveram trancamentos. No mesmo dia,
os caminhões do Batalhão de Cavalaria, que se deslocaria para reforçar os
efetivos que não aderiram à paralisação, tiveram seus pneus furados por um
grupo de mulheres.
Devido à
proibição de sindicalização, as associações de cabos e soldados organizam e
intermedeiam as mobilizações: ASPRAMECE (Associação de Praças da Polícia
Militar e dos Bombeiros) e APROSPEC (Associação dos Profissionais de Segurança
Pública).
As
entidades tem recebido apoio de sindicatos e de alguns partidos de esquerda. Em
Fortaleza, PSTU e PSOL lançaram notas de apoio ao movimento. O PT não tem
atuado como partido na greve, provavelmente devido ao fato de ser base aliada
do governador Cid Gomes.
Um grupo
de professores que foi duramente reprimido pela Tropa de Choque na greve recente
da categoria organizou uma visita de apoio aos grevistas instalados no batalhão
da 6ª Companhia. Motoristas de ônibus estão recolhendo a frota devido à falta
de segurança e em solidariedade. As negociações seguem sem resultados. As
próximas horas prometem ser decisivas. A anistia dos grevistas acabou se
tornando o ponto central do movimento. Policiais Civis realizarão assembleias
às 18h e podem também aderirem à greve. Sindicatos estão organizando atos de
apoio.
*Observação:
Esta matéria foi publicada originalmente no Diário Liberdade.