Depois do famoso caso de
grilagem promovido pelo empreiteiro Cecílio do Rego Almeida (Veja AQUI), um
novo episódio de tentativa ilegal de apropriação de mais de um milhão de
hectares de terras públicas vem à tona na chamada Terra do Meio, no município
de Altamira, no Pará. Desta vez, a fraude fundiária envolve o uso do Cadastro
Ambiental Rural (CAR), promessa do governo estadual do Pará e do governo
federal para promover a regularização ambiental das ocupações.
Matéria feita pelo jornal “O Liberal”,
de Belém, no último 28 de junho, revela que o empresário paranaense Rovílio
Mascarello teria tentado se apropriar de três grandes áreas que somadas
totalizam 1.222.814,54 hectares, todas inteiramente sobrepostas a unidades de
conservação federais criadas para deter o desmatamento que avança em diversas
frentes nesta região e para assegurar direitos territoriais a comunidades tradicionais
de antigos seringais. A dimensão dos imóveis chamou atenção da Secretaria Estadual
de Meio Ambiente do Pará (SEMA) que encaminhou denúncia ao Ministério Público
Federal no Pará e cancelou os CARs Provisórios por indícios de irregularidade.
Este blog teve acesso aos
CARs cancelados das três áreas. Pelos dados constantes nos documentos, é
possível verificar a disposição e a espantosa dimensão dos imóveis. A “Fazenda
Jatobá”, localizada na margem direita do rio Iriri, teria 155.594,4826 hectares
sobrepostos à Resex do Rio Iriri e a Estação Ecológica da Terra do Meio. Já o
“Seringal Praia de São José”, agora na margem esquerda do rio Iriri, teria
385.599,1288 hectares que tomariam a maior parte da Resex Riozinho do Anfrísio.
Por sua vez, a “Fazenda Coronel Lemos”, na margem esquerda do rio Xingu, teria
a impressionante dimensão de 681.623,9319 hectares estendendo-se para dentro da
Resex do Rio Xingu, do Parque Nacional da Serra do Pardo, da Estação Ecológica
do Rio Xingu e da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, esta última,
uma UC estadual.
Mapa: Grilos de Rovílio Mascarello sobre unidades de conservação da Terra do Meio |
Consta nos documentos, além
de dados do empresário Rovílio Mascarello, informações do Engenheiro Florestal
Jorge Luís Barbosa Corrêa, que seria o “responsável técnico” pelas informações
prestadas. Além do MPF, Corrêa foi denunciado pela SEMA ao Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia (CREA).
Segundo a matéria em “O
Liberal”, para a SEMA, não há qualquer indício de envolvimento de servidores do
órgão na tentativa de fraude, já que “(...) o CAR é um documento meramente
declaratório, ou seja, não precisa do auxilio de funcionário da Sema para ser
preenchido”, segundo declarações da corregedora da Secretaria, Rosângela
Wanzeler, ao jornal. A Secretaria informa que ainda está realizando investigações
internas.
Numa região onde a grilagem
conta com o uso de sofisticados mecanismos, o episódio é o primeiro caso
conhecido publicamente em que é utilizado o CAR para tentar se apropriar
ilegalmente de terras públicas.
No Pará, o CAR foi
instituído em 2008 como registro eletrônico obrigatório para todos os
imóveis rurais para licenciamento, monitoramento, controle, planejamento
ambiental e combate ao desmatamento. Institui-se uma fase inicial com
informações declaratórias quando é emitido o chamado “CAR-Provisório”, que
precisa ser sucedida de comprovação dos dados informados para a emissão do
chamado “CAR-Ativo” ou “CAR-Definitivo”, como é popularmente chamado. Com o novo
Código Florestal foi instituído o CAR como instrumento nacional obrigatório
para regularização ambiental de propriedades rurais. Contudo, os artigos
referentes ao assunto ainda dependem de regulamentação por meio de decreto presidencial.
No caso dos imóveis pretendidos
pelo empresário Rovílio Mascarello, havia apenas a etapa provisória do cadastro,
ainda com informações declaratórias não comprovadas pelo empresário, entre
elas, a de que seria detentor do domínio do imóvel, ou seja, seu proprietário.
Produtor
Rural
Nos três cadastros feitos
junto à SEMA do Pará, Rovílio Mascarello é apresentado como “produtor rural”.
Segundo a matéria d’O Liberal, após saber da comunicação da irregularidade
feita ao MPF, o advogado de Mascarello, Antônio José Darwrich, teria
pedido por meio de ofício a “suspensão das investigações a respeito do assunto”
por parte da Secretaria Estadual, alegando que era “perda de tempo e de
recursos por parte do Estado”.
Em documento enviado ao
Ministério Público Federal, a SEMA informou que Darwrich esteve na Secretaria em
18 de fevereiro de 2013 e tomou ciência do prazo de 30 dias para que seu
cliente apresentasse os documentos comprobatórios da titularidade das áreas
cadastradas, o que não foi atendido. “Contudo, em 25/03/2013, o mesmo advogado
protocolizou nesta SEMA o pedido de prorrogação de prazo por mais 60 (sessenta
dais) para entregar os documentos, que encerrou em 24/05/2013 sem o devido
atendimento. O fato é que até a presente data nenhum documento foi apresentado,
o que nos causa bastante estranheza (...)”, informa trecho do ofício da SEMA ao
MPF.
O documento cita ainda uma
Nota Técnica do Instituto Sociambiental – ISA de dezembro de 2012, em que Mascarello
é citado como “dono do grupo empresarial COMIL” e que “teria adquirido supostos
direitos sobre diversos seringais da Terra do Meio”.
Tal nota se refere a
“Evolução da extração de madeira ilegal na Resex Riozinho do Anfrísio”, área
que foi sobreposta pelo CAR do “Seringal Praia de São José”. O documento do ISA
afirma que “a dimensão da área extrapola, em muito, todos os limites
estabelecidos legalmente, oferecendo suficiente razão para crer na inexistência
de titularidade do imóvel. Apesar disso, Mascarello tem enviado prepostos à
área (pelo menos uma vez, em setembro de 2011 e outra em setembro de 2012),
gerando inseguranças à população local, além de ter evidenciado suas pretensões
sobre a terra ao realizar o registro no sistema CAR conforme exposto.”
O Nota Técnica do ISA menciona ainda o “processo acelerado de degradação, com abertura de
múltiplos ramais madeireiros em proveniência do eixo BR-163 –Transamazônica,
concretamente dos arredores das localidades Campo Verde (km. 30), Santa Luzia,
Três Bueiras e Trairão através do PA [Projeto de Assentamento] Areia. Esses
ramais definem vetores de pressão que já penetraram na Resex Riozinho do
Anfrísio e ameaçam seriamente o mosaico de áreas protegidas da Terra do Meio.” Leia a íntegra do documento AQUI.
Mapa das rotas de saída de madeira do interior da Resex Riozinho do Anfrísio, constante na Nota Técnica do ISA. |
O nome do “produtor rural” e dono de “seringais” da Terra do Meio, Rovílio Mascarello, pode ser facilmente
encontrado na internet, vinculado, por exemplo, a um acidente envolvendo a sua Ferrari 458 avaliada em R$ 1,5 milhão pelas ruas de Cascavel (PR) em
abril deste ano (Veja AQUI) ou
a notícias de pessoas de vida profissional bem sucedida e que começaram a
trabalhar ainda jovem: “É o caso de Rovílio Mascarello, de 63 anos, que
mora em Cascavel, no oeste do Paraná. Filho de agricultores e o mais novo de 12
irmãos, Mascarello morava em Jaborá, Santa Catarina, quando, aos 16 anos,
terminou o quinto ano do Ensino Fundamental e começou a trabalhar com os pais
no campo. Passados três anos, alugou um posto de combustíveis junto com o
irmão. Aos 21 anos, com o lucro que conseguiu tirar da venda das plantações e
do posto de combustíveis, mudou-se para o Paraná. Em Céu Azul, no oeste do
estado, tornou-se dono de um posto de combustíveis, seu primeiro
empreendimento. Mascarello disse que sempre tratou com muita responsabilidade
sua vida financeira”, diz trecho de matéria no sítio G1.
Mas, é ao Grupo Mascarello
que a figura de Rovílio pode melhor ser vinculada. O conglomerado é formado por
várias empresas: “O Grupo Mascarello é formado pela Comil Silos, uma
das principais empresas brasileiras de equipamentos para armazenagem de grãos,
a Mascor Empreendimentos Imobiliários, que hoje desempenha importante papel no
desenvolvimento urbano habitacional de Cascavel e a Mascarello Ônibus, primeira
fábrica de ônibus do Paraná, que completa oito anos de trajetória, tendo
sua produção distribuída para diversos lugares do Brasil e do mundo”, segundo o
sítio do grupo. Veja AQUI.
A matéria do G1 citada acima afirma que há dez anos Rovílio se divorciou, ficando a administração da fábrica de ônibus com a ex-mulher e com os três filhos. “Hoje tenho várias fazendas de gado e de soja e as últimas aquisições que fiz são de mata virgem em Mato Grosso, Pará, Amazonas e Piauí”, complementa o empresário.
O empresário disse ainda ao G1 (matéria de 19/06/2012) que parou de trabalhar aos 50 anos e hoje vive “como gosta”. “Tenho meus advogados/gerentes que me auxiliam na administração das fazendas e dos negócios. E tenho tempo livre para fazer o que eu quero como namorar, viajar, passear com meus carros e jogar baralho”, declarou.
Empresas do Grupo Mascarello |
Mas, além de notícias sobre
a vida de “sucesso” de Mascarello, é possível encontrar ainda na internet o
nome de Rovílio relacionado a denúncias no Piauí e no Mato Grosso duas regiões de
forte especulação imobiliária, expansão da fronteira agrícola, e, não por
acaso, de grilagem de terras.
Na região de Uruçuí, sul do
Piauí e Balsas no Maranhão, Mascarello teria adquirido uma área de 100.000
hectares a partir de um título originário de 50 hectares. A região é alvo de
empresários do agronegócio que se expandiram pela região em meio a conflitos
agrários envolvendo posseiros. Veja a notícia AQUI.
No Mato Grosso, o empresário, sua ex-esposa Iracele Maria Crespi Mascarello (a presidente do Grupo Mascarello) e outros, respondem a um processo na Justiça Estadual em que particulares conseguiram anular o registro imobiliário de uma área, adquirida pelo grupo, de imóveis registrados nas comarcas da Chapada dos Guimarães, Paranatinga e Cuiabá e utilizados como garantia a empréstimos feitos a Bunge Alimentos.
O "produtor rural" Rovílio Mascarello: Ferrari, empresas e terras griladas |
Como se vê, assim como o empreiteiro
Cecílio do Rego Almeida criou a sua “Ceciliolândia” no Pará, o também radicado
paranaense Rovílio Mascarello parece ter criado a sua “Mascarellodândia” por
aqui. Curiosamente, a maior parte do “Seringal Praia de São José” de Mascarello
se sobrepõe também à “Fazenda Curuá” do falecido “Dom Cecílio”, o que mostra
que mesmo com o CAR, os andares de terras griladas no Pará devem ser infinitos...