domingo, 31 de março de 2013

Operação Tapajós: Governo Federal entra em contradição sobre o envio de tropas e intenções de pesquisa

Por Cândido Neto da Cunha

Desencadeada há uma semana, a chamada “Operação Tapajós” ainda está cercada de informações desencontradas e contraditórias.  E o pouco que se sabe só foi possível graças ao pedido de suspensão da mesma por parte do Ministério Público Federal e a uma série de informações enviadas por moradores da região do Médio e Alto Tapajós, bem como por pesquisadores e ativistas envolvidos com a região. Da parte do governo federal, notas e notícias produzidas pelos ministérios do governo Dilma Rousseff trouxeram contradições que, no mínimo, evidenciam a falta de transparência da ação.

Desde 22 de março, contingentes de dezenas de homens da Força Nacional de Segurança, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e militares passaram a desembarcar na sede do município de Itaituba, no Oeste do Pará, às margens do rio Tapajós. Na região, estão previstas cinco grandes hidrelétricas que barrariam os rios Tapajós e Jamanxim e afetariam várias terras indígenas, unidades de conservação e comunidades extrativistas e ribeirinhas.

De início, falou-se que se tratava de uma operação de combate ao desmatamento e aos garimpos ilegais praticados ampla e historicamente na região. Esta informação se baseava na recente criação do chamado “Gabinete Permanente de Gestão Integrada para Proteção do Meio Ambiente – GGI-MA” por meio do  Decreto Presidencial n° 7.957 de 12 de março de 2013 que teria como objetivo: “estabelecer normas para a articulação, integração e cooperação entre os órgãos e entidades públicas ambientais, Forças Armadas, órgãos de segurança pública e de coordenação de atividades de inteligência, visando o aumento da eficiência administrativa nas ações ambientais de caráter preventivo ou repressivo.”

Se o envio dos batalhões objetivava a melhoria das ações ambientais, a primeira contradição saltava aos olhos. As tropas desembarcaram longe de onde os servidores do Ibama estão realizando operações de combate ao desmatamento, nos municípios paraenses onde estão as bases da chamada “Operação Onda Verde" : Novo Progresso, Uruará e Anapu. A chegada dos batalhões, sem servidores da área ambiental, ocorreu em Itaituba, outro município campeão de desmatamento, principalmente nas áreas de influência das rodovias Transamazônica e BR-163. Registra-se que no Médio e Alto Tapajós, o “alvo” da operação, não foi constatada nenhuma grande área desmatada nos últimos doze meses.

Esta aparente contradição, aliada ao envio de tropas federais para  “combater conflitos agrários, inclusive indígenas" no Mato Grosso e para “evitar novos atrasos"  na construção da hidrelétrica de Belo Monte, trouxeram à tona as reais intenções do governo federal. 

No dia 26 de março, a Procuradoria da República em Santarém impetrava um pedido de liminar para suspender a “Operação Tapajós” no interior dos territórios mundurukus. Para o MPF, a “Operação Tapajós” é uma "patente violação à decisão da Justiça", já que o licenciamento ambiental da usina [de São Luiz do Tapajós] está suspenso pela falta de consultas prévias aos indígenas. "Há perigo de dano irreparável com a realização da operação ora noticiada, seja porque impera na região muita desinformação (até mesmo pela ausência da consulta prévia), seja porque a referida operação apresenta um potencial lesivo desproporcional", dizia o documento enviado ao juiz federal de Santarém (PA), José Airton Portela.

O pedido do MPF tem como premissa o fato de haver uma decisão judicial que determina ao governo federal que antes de qualquer Estudo de Impacto Ambiental específico e do processo de licenciamento se façam Estudos de Impactos Cumulativos das várias hidrelétricas previstas para a bacia e que estes estudos sejam colocado em processo de consulta prévia, conforme a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Portanto, é um estudo que antecede os demais estudos de impacto ambiental e ao processo de licenciamento.

Na quarta-feira, 27 de março, enquanto a Justiça Federal ainda não havia se pronunciado sobre o pedido de suspensão da “Operação Tapajós” e a notícia da chegada de mais homens da Força Nacional à Itaituba ganhava a internet, o Ministério das Minas e Energia (MME) publicava uma nota que deixava claro a que esta força repressiva estava a serviço:

“Cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos, engenheiros florestais e técnicos de apoio, darão continuidade, nesta quarta-feira 27, ao levantamento da fauna e flora no médio Tapajós, que irá compor, entre outros estudos, o Estudo de Impacto Ambiental para  a obtenção da Licença Prévia do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós.
Trata-se da quarta e última etapa de levantamento da flora e da fauna na região, a etapa do período de cheia. Os novos estudos têm duração prevista de 30 dias ao longo do rio Tapajós. Nas outras três ocasiões, pesquisadores estiveram na região para observar o comportamento ambiental durante os períodos de enchente, vazante e seca.
Desta vez, os especialistas observarão o Tapajós e o comportamento de mamíferos, insetos, anfíbios, répteis, peixes e aves na posição de máxima cheia do rio.
Para garantir o apoio logístico e a segurança da expedição, os cientistas contarão com ajuda de equipes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional de Segurança Pública
O governo federal estuda no momento o desenvolvimento de dois projetos de usinas hidrelétricas na região do Tapajós: a de São Luiz do Tapajós e o de Jatobá. A primeira deverá ter capacidade geradora de aproximadamente 7.000 megawats e atenderá cerca de  14 milhões de pessoas.
O projeto das hidrelétricas do Tapajós deverá ser o primeiro a seguir o modelo de usinas plataforma, âncoras permanentes de conservação ambiental nas áreas onde elas serão implantadas, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.
A visita dos pesquisadores faz parte da política governamental de seguir rigoroso e transparente processo de licenciamento ambiental, de maneira a mitigar e compensar possíveis impactos ao meio ambiente e às populações locais.”

Como se comprova pela nota, não era para combater desmatamento e garimpos ilegais que mais de duzentos militares e civis foram deslocados para Itaituba, e sim para fazer, conforme essa versão, a proteção de técnicos de empresas privadas contratadas para fazer, não o Estudo de Impactos Cumulativos (determinado judicialmente), e sim os Estudos de Impacto Ambiental para concessão da Licença Prévia da Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, a maior das cinco previstas para a região.

A versão do MME contraditoriamente reforçava os argumentos do MPF, mas ainda no dia 27 de março, a Advocacia-Geral da União (AGU) assegurou uma decisão judicial que garantia “a entrada de cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos, engenheiros florestais e técnicos de apoio em terras indígenas para a realização de estudos ambientais para a viabilização da Usina Hidrelétrica São Luiz dos Tapajós no estado do Pará”.  A notícia foi dada pela própria AGU em seu sítio, matéria posteriormente retirada do ar, mas que já havia sido reproduzida AQUI.

De acordo com a AGU, a pesquisa não viola a decisão liminar obtida pelo MPF, que condiciona a concessão de licença ambiental prévia e a conclusão do Estudo de Viabilidade, à consulta das comunidades indígenas sobre o aproveitamento. “As procuradorias informaram que Estudos de Viabilidade são compostos por diversas análises preliminares e conclusivas sobre os aspectos da fauna e flora da região”, afirma trecho da matéria.

Uma nova versão governamental surgiu a partir da petição feita por pesquisadores, jornalistas, servidores e moradores das comunidades de Montanha Mangabal e dirigida ao Secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, Paulo Maldos, e à Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário em que se pedia “(...)que a Secretaria Nacional de Articulação Social intervenha para evitar a repetição da violência por agentes do Estado contra populações indefesas e que ao invés, envie representantes para ouvi-los." Leia esse documento AQUI.

Em resposta, Thiago Garcia (Assessor Técnico da Secretaria Nacional de Articulação Social), afirmou no dia 29 de março:

1.   O governo federal está cumprindo decisão judicial motivada por Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (Ação Civil Pública nº3883-98.2012.4.0) que determina a realização de estudos para a avaliação ambiental integrada na bacia dos rios Tapajós e Jamanxim utilizando critérios técnicos, econômicos e socioambientais. Para que seja possível concluir a primeira etapa da Avaliação Ambiental Integrada, é necessária a realização dos estudos e análise do nível das águas neste exato período do ano em que a cheia do Tapajós alcança seu pico. Só a partir desses estudos é que se poderá prever com exatidão as consequências de um possível aproveitamento hídrico.

2. A decisão do Governo Federal em deslocar equipes policiais para acompanhar o trabalho dos técnicos que realizarão os estudos não tem nenhuma relação com o Povo Munduruku ou com as comunidades tradicionais e extrativistas que habitam a região do baixo, médio e alto Tapajós. Não se trata, de maneira nenhuma, de qualquer tipo de repressão ou intimidação aos movimentos sociais.  Trata-se de apoio logístico e de segurança à equipe técnica que ficará cerca de um mês em área, inclusive em período noturno. Como sabemos, nessa região, infelizmente, temos uma série de ilícitos sendo praticados, como garimpo ilegal e retirada de madeira. A avaliação é de que poderia haver algum tipo de reação justamente dessa pequena parcela da população envolvida em atividades econômicas ilegais. De nenhuma maneira a mobilização das equipes de segurança dizem respeito às comunidades tradicionais, extrativistas, de pescadores e indígenas. 

3.       A área dos estudos para o possível empreendimento está restrita a uma região do Médio Tapajós. Não haverá ingresso de pesquisadores ou de equipe de segurança em aldeias indígenas ou comunidades durante o período de estudos. A aldeia indígena mais próxima à área de abrangência dos estudos -  Aldeia Sawre Muybu -  está distante cerca de 50 km do local onde os pesquisadores irão trabalhar. Ainda assim, o planejamento dos estudos foi apresentado às lideranças da região e definido um acordo de convivência para que o trabalho dos pesquisadores não interfira nos deslocamentos da comunidade nem em suas atividades de caça e pesca.

4.     As equipes que se deslocaram para a região saíram com a determinação explícita de não entrar em comunidades ou abordar moradores. A proposta é de interferir o mínimo possível no cotidiano das comunidades do médio Tapajós.

5.       Importante reforçar que os estudos de Avaliação Ambiental Integrada visam justamente subsidiar o processo de consulta e diálogo com povos indígenas e comunidades da região. Por conta disso, é necessário que esses estudos sejam realizados de forma mais completa possível, de acordo com a legislação. Um bom estudo ambiental é necessário para subsidiar a tomada de decisão sobre a construção do empreendimento e dirimir o clima de insegurança e desinformação que existe hoje na região. 

6.       Outro ponto importante é que a Secretaria-Geral apresentou, no dia 15 de março, uma proposta de realização das consultas para as lideranças indígenas do Médio e Alto Tapajós e está dialogando para a pactuação de um plano de consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT. Está prevista a realização de uma nova reunião em abril para tratar desse assunto. 

Por fim, o Secretário Paulo Maldos pediu para reiterar para vocês que a Secretaria Geral, via Secretaria Nacional de Articulação Social, está acompanhando e monitorando de forma permanente a realização dos estudos para que todos os compromissos relatados acima sejam cumpridos e para que não ocorra nenhum tipo de conflito entre os técnicos dos estudos e as populações locais. Um servidor nosso, Nilton Tubino, está na região acompanhando todas essas questões. 

Atenciosamente,

Thiago Garcia
Assessor Técnico 
Secretaria Nacional de Articulação Nacional da Presidência da República

Como se percebe, essa nova versão do governo federal entra em contradição com as versões anteriores. Afirma-se que os técnicos das empresas privadas contratadas pelo governo estão fazendo estudos para produção Avaliação Ambiental Integrada (pedida pelo MPF e determinada pela justiça) e não os Estudos de Impacto Ambiental e para concessão da Licença Prévia como afirma em sua nota o Ministério de Minas e Energia e a própria Advocacia Geral da União; e que as forças militares descoladas para a região “não tem nenhuma relação com o Povo Munduruku ou com as comunidades tradicionais e extrativistas que habitam a região” e sim servem de “apoio logístico e de segurança à equipe técnica” contrariando assim a matéria produzida no sítio da AGU que afirma textualmente que conseguira judicialmente “a entrada de cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos, engenheiros florestais e técnicos de apoio em terras indígenas para a realização de estudos ambientais para a viabilização da Usina Hidrelétrica São Luiz dos Tapajós no estado do Pará”.
A nota afirma ainda que a área de estudos está a 50 quilômetros da Aldeia Sawre Muybu e que “não haverá ingresso de pesquisadores ou de equipe de segurança em aldeias indígenas ou comunidades durante o período de estudos” e que o “planejamento dos estudos foi apresentado às lideranças da região e definido um acordo de convivência para que o trabalho dos pesquisadores não interfira nos deslocamentos da comunidade nem em suas atividades de caça e pesca”.
O cenário pintado pelo assessor da Secretaria da Presidência também entra em  contradição com as primeiras denúncias que chegam do início da “Operação Tapajós” , mas o documento serviu para provar que nem mesmo o governo federal, nesta vergonhosa intervenção militar em territórios tradicionais, afinou o discurso para tentar convencer uma parte da opinião pública contrária a mais este absurdo.

Leia também: Contra armas não há argumentos

Petição pede suspensão da “Operação Tapajós”

A petição abaixo foi enviada na última sexta-feira, 29 de março.


Ao Exmo. Sr. Paulo Maldos
Secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República

CC: Exma. Sra. Maria do Rosário
Ministra dos Direitos Humanos da Presidência da República

Vimos por meio desta comunicar nossa extrema preocupação quanto à segurança, integridade física e direitos humanos dos índios Munduruku e outras comunidades da bacia do Rio Tapajós após a recém deflagrada “Operação Tapajós”, envolvendo um contingente de aproximadamente 250 homens fortemente armados da Polícia Federal, Força Nacional de Segurança, Polícia Rodoviária Federal e Força Aérea Brasileira para possibilitar pesquisas em territórios de populações que se posicionem contra empreendimentos que os impactarão. Essas populações não foram consultadas conforme estipula a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Lembramos o trágico precedente estabelecido no dia 7 de novembro de 2012 pela ação truculenta da PF e FNS ao executar a “Operação Eldorado” na Aldeia Teles Pires (TI Kayabi - MT) que resultou na morte a tiros de Adenilson Munduruku, além de ferimentos graves sustentados por outros presentes e em trauma coletivo da população – incluindo crianças – ali presentes.

Em sua carta do dia 27 de março, os Munduruku deixaram claro sua grande e justificada preocupação com o que pode acontecer com a chegada de 60 homens da FNS na Aldeia Sawre Muybu, onde vivem apenas 132 indígenas.

O Estado Brasileiro historicamente marginaliza as populações da bacia do Tapajós; pedimos que agora, não se faça presente desta forma. Pedimos que a Secretaria Nacional de Articulação Social intervenha para evitar a repetição da violência por agentes do Estado contra populações indefesas e que ao invés, envie representantes para ouvi-los.

Respeitosamente,

Agda Sardinha  - Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

Alexandra Gabriela da Rocha - Jornalista

Alexandre Casatti - Jornalista

Alvaro Braga dos Anjos - Comunidade Montanha Mangabal

Ana Claudia Pinheiro - Estudante

Ana Lúcia Costa Rapp - Mestre em Antropologia do Desenvolvimento (UFBa), Diretora Administrativa do Instituto Júlio César Melo de Oliveira
Angela Weber

Anne Rapp Py-Daniel - Arqueóloga, Professora, Programa de Antropologia e Arqueologia - Universidade Federal do Oeste do Pará

Antonio Braga dos Anjos - Comunidade Montanha Mangabal

Bruna Cigaran da Rocha - Arqueóloga, doutoranda em Arqueologia pela University College London, pesquisa no Alto Tapajós

Cândido Cunha - Servidor do INCRA

Carlos Augusto Zimpel Neto - Chefe do Departamento de Arqueologia,
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Caroline Fernandes Caromano - Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

Claide de Paula Moraes - Arqueólogo, Professor, Programa de Antropologia e Arqueologia - Universidade Federal do Oeste do Pará

Claudia Andujar
Cristina Azevedo de Carvalho - Arte educadora.

David Gonçalves da Silva Filho - Comunidade Montanha Mangabal

Denise Lara - VJ

Eduardo Schuetze
Edivânia Carmo da Silva - Comunidade Montanha Mangabal

Elaine Moraes Santos
Fernando Ozório de Almeida - Arqueólogo, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo
Francisco Forte Stuchi - Arqueólogo
Francisco Paiva - Comunidade Montanha Mangabal
Gilda Martins - Comunidade Montanha Mangabal
Guilherme Mongeló - Arqueólogo, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo
Hanna Limulja - Antropóloga
José Braga da Silva - Comunidade Montanha Mangabal
Leandro Matthews Cascon - Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo
Juliana Rossato Santi - Scientia Consultoria Científica
Juliana de Paula Batista - Advogada
Louise Prado Alfonso - Antropóloga e doutora em Arqueologia
Luana Machado de Almeida - Indigenista Especializada, FUNAI - Coordenação Regional Alto Purus (AC)
Lucimar Braga dos Anjos - Comunidade Montanha Mangabal
Luiz Filipe Carmo da Silva  - Comunidade Montanha Mangabal
Marcio Halla - Agrônomo, Ecotoré Serviços Socioambientais
Maria da Conceição da Silva Rodrigues - Comunidade Montanha Mangabal
Maria Dolores da Silva Rocha - Comunidade Montanha Mangabal
Maria Eunice Martins - Comunidade Montanha Mangabal
Maria Odileia Braga da Silva - Comunidade Montanha Mangabal
Mellaine Mendes dos Santos  - Movimento Tapajós Vivo e Assembleia Nacional de Estudantes Livre (ANEL)
Michelle Mayumi Tizuka - Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo
Natália Guerrero - Consultora PNUD
Nayana Fernandez  - Editora, Latin America Bureau
Nazaré Martins Paiva - Comunidade Montanha Mangabal
Odila Braga da Silva - Comunidade Montanha Mangabal
Odon Pàixao Rodrigues - Comunidade Montanha Mangabal
Ozileia da Silva Pinheiro - Comunidade Montanha Mangabal
Pedro Braga da Silva - Comunidade Montanha Mangabal
Pedro Braga da Silva Filho - Comunidade Montanha Mangabal
Raoni Valle - Arqueólogo, Professor Doutor, Programa de Antropologia e Arqueologia - Universidade Federal do Oeste do Pará
Roberta Amanajás - Advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
Rodrigo Ferreira Fadini - Prof. Doutor em Ecologia - Universidade Federal do Oeste do Pará
Rogério Corrêa - Publicitário
Rosicler Simões Gundim - Professora
Simar Braga dos Anjos - Comunidade Montanha Mangabal
Tairine da Silva Rodrigues - Comunidade Montanha Mangabal
Tiago Hermenegildo - Aluno de Doutorado, Divisao de Arqueologia, Universidade de Cambridge, Inglaterra
Vinicius Honorato - Arqueólogo, pesquisa o Alto Tapajós
Vera Guapindaia - Arqueóloga, Pesquisadora Doutora da Coordenação de Ciência Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi - MCTI (em exercício próvisósio na Capes)
Wyncla Paz de Aguiar  - Servidor da FUNAI

sábado, 30 de março de 2013

Igreja denuncia condições precárias de imigrantes haitianos no Acre


Assem Neto*

A pastoral do Migrante da Arquidiocese de Porto Velho identificou violação aos direitos humanos contra um grupo de 508 haitianos que estão concentrados num galpão na cidade de Brasiléia (AC), fronteira do Brasil com a Bolívia.

Em relatório divulgado nesta quinta-feira (28), a Igreja Católica em Rondônia detalha as condições "precárias" das instalações onde funcionava um clube de futebol, alugado pelo governo do Acre.

O ambiente, de acordo com o relatório, não é higienizado e não há chuveiros. As famílias tomam banho de caneca, do lado de fora do galpão, sem qualquer privacidade, valendo-se de dois reservatórios com capacidade para 2.000 litros de água cada um, diz o documento. Em outubro de 2012, eles eram 742 e, de acordo com a pastoral, de 25 a 30 haitianos entram ilegalmente no país desde 2011, a partir da Bolívia e Peru, sempre pelo Acre.

Treze crianças e seis mulheres grávidas dividem os mesmos espaços com outros 495 adultos - 80% homens. Os imigrantes haitianos dormem sobre colchões, amontoados. "Antes, havia separação de homens e mulheres. Ficávamos em hotel", diz o haitiano Elinot felidoth, que conquistou visto de trabalho e há um ano é funcionário da Usina Hidrelétrica Jirau. "Quero ir lá. Isso não é legal", afirmou Adlet Augustin, que se disse "triste" com o relato da pastoral.

Veja Álbum de fotos

"Sua permanência [dos refugiados] nessas condições pode durar de duas semanas a três meses, de acordo com as condições financeiras de cada um ou da rapidez ou lentidão dos órgãos estatais nacionais na emissão de documentos", consta o relatório. "Eles aguardam, retidos, concentrados num lugar que o quadro nos remete à ideia de uma senzala em pleno século 21, diz a irmã Orila MariaTravessini. A religiosa informa que as conclusões desse estudo são reforçadas pela Universidade Federal de Rondônia e foram encaminhadas aos fóruns permanentes de direitos humanos e associações de vários 

Estados.
O fluxo migratório em direção a Porto Velho (a 500 km de Rio Branco) tem sido abundante. A capital rondoniense se tornou uma escala para quem segue para as demais unidades da federação, como São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia.

Até o momento, 5.550 haitianos gozam do status de Visto Permanente por Razões Humanitárias, com duração de cinco anos, podendo ser renovado. Em Brasiléia, há uma determinação na rodoviária local que proíbe os haitianos de embarcar sem CPF.
Outro lado


O secretário de Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, não foi localizado. O secretário de Comunicação Social do Estado, o jornalista Leonildo Rosas, não quis comentar o teor do relatório divulgado pela Pastoral do Migrante de Rondônia. "Não conhecemos este documento, mas esclarecemos que temos prestado toda a ajuda humanitária possível a estas pessoas juntamente com o governo federal", afirmou.

Fonte: Uol

Para Coordenador do Incra em Anapu, não existe conflito agrário no PDS Esperança

Agricultor foi morto a tiros em assentamento na última quarta-feira, 27. Local é o mesmo que a missionária Doroty Stang foi morta há 8 anos.

A Polícia Civil ainda tenta identificar dois acusados de matar um agricultor dentro do PDS Esperança, em Anapu, sudoeste do estado. As investigações tentam descobrir a motivação desse crime. Mas, para o Incra, o assassinato pode não ter relação com os conflitos agrários.

Uma equipe da Superintendência da Polícia Civil em Altamira foi para Anapu reforçar as investigações. Por causa da dificuldade de acesso, o superintendente regional e e um perito do Instituto Médico Legal (IML) tiveram que ir de helicóptero até o local do crime.

O agricultor Enival Soares Matias, de 41 anos, foi assassinado na última quarta-feira (27). Ele era assentado no PDS Esperança, em Anapu, há cerca de 5 anos. O crime ocorreu dentro do assentamento onde há oito anos a missionária Doroty Stang foi assassinada.
Os criminosos ainda não foram identificados. A única testemunha do assassinato chegou a delegacia de Anapu acompanhada pelos pais e sob a escolta da polícia. O depoimento é considerado fundamental para esclarecer o caso.

“É sabido que ele estava na sua motocicleta, levando essa jovem para a casa dela e ele foi abordado por dois motoqueiros de capacete, que o fizeram parar e, lado a lado, encostaram a arma na cabeça dele dispararam pelo menos, ainda não confirmado pela perícia, cinco tiros na região auricular da vítima", conta Melquesedeque Ribeiro, delegado de Anapu.

O coordenador do Incra em Anapu, Fagner Garcia, diz que o assassinato pode não ter relação com os conflitos agrários. “Pelo que a gente percebeu até o momento, não há evidência nenhuma que isso esteja ligado a um conflito agrário, até porque não existe um conflito agrário atual no PDS", afirma Fagner.

Texto: G1

Governo diz que aumento de alertas de desmatamento não é desmatamento

Os campeões da lista de alertas de desmatamento são os estados de Mato Grosso, do Pará e de Rondônia.

Os alertas de desmatamento na Amazônia Legal subiram 26%, entre 1º de agosto de 2012 e 28 fevereiro de 2013, em comparação ao mesmo período do ano passado, informou hoje (28) o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Os dados foram registrados pelo Deter, sistema de detecção de desmatamento em tempo real do Inpe, que usa imagens de satélite para analisar a perda da Floresta Amazônica em nove estados. Eles incluem a degradação, referente ao desmatamento parcial da floresta, e o corte raso, quando há desmatamento total da área e o solo fica exposto. No total, foram registrados alertas de desmatamento ou degradação nos últimos seis meses em 1.695,27 quilômetros quadrados da floresta.

Segundo o diretor de Proteção Ambiental do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Luciano de Menezes Evaristo, o índice divulgado ainda não comprova o aumento de desmatamento na região. “Não se pode dizer que com o aumento de alertas houve o aumento de desmatamento. Isso porque o Deter, que tem um componente de degradação florestal que pode se tornar ou não em desmatamento. Temos que aguardar o período Prodes [Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia] em julho para ser definido se aquela degradação foi realmente corte raso [desmatamento]”, explicou.

Os campeões da lista de alertas de desmatamento são os estados de Mato Grosso, do Pará e de Rondônia. O Acre teve uma redução de 84% nos alertas – no período analisado em 2012, foram 28, e este ano, apenas quatro.

“Mato Grosso e Pará sempre foram os campeões do desmatamento. Esses alertas podem estar sendo impulsionados pelo boom das commodities, pelo aumento do preço da terra e pode ter havido uma pressão maior no mês de julho. Mas a administração ambiental reagiu, mudou as estratégias e trouxemos de novo sob o controle qualquer ameaça [de degradação da floresta]”, disse Evaristo.

Com o acréscimo de alertas para fiscalização, o Ibama adotou novas estratégias e apreendeu no mês de fevereiro R$ 15 milhões em toras de madeira. As ações da Operação Onda Verde superaram, em apenas um mês de fiscalização no oeste paraense, o volume de madeira em tora ilegal apreendido em 2012 em todo o estado. A operação tem ações em áreas críticas, que respondem a 54% de todo o desmatamento da Amazônia Legal, em Mato Grosso, Amazonas e em Rondônia e já retirou de circulação mais de 65 mil metros cúbicos de toras ilegais.

“Para onde o desmatamento caminhar, através dos alertas que o Inpe nos passar pelo Deter, nos encaminharemos para as nossas bases para conter o desmatamento. E o grande alento deste ano, entramos a partir de janeiro e em fevereiro fizemos grandes apreensões de madeira. Só no Pará, quase 22 mil m³ de tora foram apreendidos no mês de fevereiro, pegamos todos os desmatadores que fazem o corte seletivo na floresta de surpresa, na chuva, mais de 100 tratores foram apreendidos”, destacou o diretor. De acordo com Evaristo, as ações não tem data para terminar.

Texto: Agência Brasil

sexta-feira, 29 de março de 2013

Contra armas não há argumentos

Mundurukus - Foto: Telma Monteiro
Por João Rafael Diniz*

Num texto publicado em NOV 2011 no site Viomundo, o professor Pablo Ortellado analisa o que nas suas palavras seria a "cortina de fumaça" constituída em torno da temática da segurança pública dentro da Universidade de São Paulo.

Naquele momento, estava em curso uma escalada crescente de militarização e presença policial ostensiva dentro da campus Butantã, na capital paulista, supostamente em razão da falta de segurança do local (muito amplo e ermo à noite) e a ocorrência de um caso de tentativa de roubo seguido da morte de um estudante de biblioteconomia, em pleno estacionamento.

Preocupado com a “retórica do medo” e as reais intenções da reitoria em utilizar a força policial para a repressão do movimento estudantil e sindical dentro da universidade (o que depois efetivamente ocorreu), Ortellado expõe em seu texto a questão que considera principal: a USP é a mais antidemocrática das universidades paulistas, e argumenta:

Maquiavel, teórico da política, defendia numa obra famosa (os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio) que a causa da intensa e fratricida violência política da cidade de Florença era a não institucionalização dos seus conflitos. Em Florença, dizia Maquiavel, cada partido (os guelfos e os gibelinos, os negros e os brancos, os nobres e o povo) consolidavam a vitória com a expulsão do partido adversário da vida política da cidade – de maneira que só restava ao grupo derrotado atuar de fora do jogo político estabelecido, preparando um golpe de estado. O resultado era uma vida política violenta e sanguinária, sem estabilidade política e sem paz interna.

Para ele, a ausência de canais para a participação da comunidade acadêmica na vida da universidade, e a forma institucional arcaica e excludente com que a reitoria concentra o poder, acabam por empurrar os setores não alinhados ao grupo dominante para a ação extra-institucional, via de regra violenta – “simplesmente por falta de opção”, acrescenta.

A investida da Força Nacional de Segurança Pública, esta semana, contra a terra indígena dos Munduruku, a fim de garantir a atuação de 80 técnicos responsáveis pelos primeiros levantamentos de impacto ambiental dos projetos de barramento no rio Tapajós, guarda uma relação direta com o estreitamento do campo político dentro da USP, ou mesmo com o conturbado panorama social da Florença medieval.

Na última década de governo petista, assistimos de perto a extinção dos canais legítimos para participação da chamada “sociedade civil” na definição dos rumos da política nacional nos seus variados setores. Quem se apresentava como promessa de governo mais democrático e aberto à participação popular acabou se transformando em fiel defensor do latifúndio, do capital financeiro, e dos interesses dos grandes grupos econômicos.

O caminho iniciado por Lula, e aprofundado por Dilma, se vale da popularidade para justificar a atuação surda no planejamento e execução das políticas de Estado, como se o resultado eleitoral e os eventuais índices de aprovação fossem sinônimo de um cheque-em-branco dado pelo povo ao governo, para atuar da maneira que achar mais conveniente, e onde bem entender. O exemplo mais bem acabado dessa realidade é a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

O processo em curso, que compreende os projetos de barramento nos rios Xingu, Tapajós, e dezenas de outros, mas também os grandes corredores de exportação de soja, e a viabilização da mineração em áreas indígenas (mesmo à revelia da vontade dos povos), assume o modus operandi padrão de desconsiderar por completo os interesses e visões de mundo das populações que terão suas vidas diretamente comprometidas pelas obras e projetos. Vozes dissonantes são ignoradas, ou por vezes caladas, enquanto a locomotiva do progresso segue rasgando seu caminho.

A chegada da Força Nacional de Segurança Pública à cidade de Itaituba, no oeste do Pará, é o sintoma evidente e atual do estreitamento político no campo de debate sobre os rumos do país e do futuro das regiões, a partir da perspectiva das populações diretamente interessadas e afetadas pelas propostas. Nos próximos dias, uma nação de quase dez mil indígenas Munduruku terá seu território invadido por tropas federais, a fim de levar a cabo trabalhos técnicos que são o primeiro passo palpável da destruição de seu modo de vida.

Tal como os guelfos ou gibelinos de Florença, os Munduruku estão excluídos do campo de decisão sobre o destino de suas próprias vidas e dos caminhos da política estatal. Não há diálogo possível nem capacidade alguma de influência sobre o que está para acontecer com o rio que lhes é essencial para a existência enquanto povo.

Na ausência de um campo democrático para o diálogo inter-povos sobre o futuro do Tapajós e da política de desenvolvimento nacional, restará aos Munduruku atuar do lado de fora do jogo institucional estabelecido, ou seja, no campo da violência. Para Dilma restarão duas opções: ou tenta corromper as lideranças indígenas com o caixa-forte do Estado, ou constitui pra si um corpo militar de intervenção interna, capaz de garantir pela força a prevalência do interesse central sobre os povos ameaçados. O recentes decreto presidencial 7.957/2013 e a Portaria MJ 1.035/2013 são o primeiro sinal de qual decisão foi tomada.

*Mestrando em Geografia pela USP.
@joaoninguem

“Ceciliolândia”: Grileiro perde prazo e terra volta ao Pará

Por Lúcio Flávio Pinto*

A pá de cal na maior grilagem de terras do mundo foi dada pelo próprio grileiro – ou melhor, pelos seus sucessores. Os herdeiros de Cecílio do Rego Almeida perderam o prazo para apelar da decisão do juiz Arthur Pinheiro Chaves, da 9ª vara da justiça federal em Belém.
O juiz mandara cancelar o registro imobiliário da Fazenda Curuá. A matrícula foi feita no cartório de Altamira, em nome da Incenxil, empresa nativa da região, que passou ao controle do dono da Construtora C. R. Almeida, do Paraná, em 1995.
No dia 4 de janeiro, o juiz deixou de receber a apelação, “vez que manifestamente intempestiva”. Anteriormente ele também não tomara conhecimento dos embargos opostos contra a sentença. Ela determinou a anulação e o cancelamento da matrícula, transações e averbações no registro de imóveis de Altamira, a pedido do Ministério Público Federal. O MPF tomou como base para sua ação um pedido inicial feito pelo Iterpa (Instituto de Terras do Pará). Assim, a sentença transitou em julgado.
Ainda há um recurso disponível aos familiares do grileiro. É a ação rescisória. Ela pode ser proposta no prazo de dois anos a partir do trânsito em julgado da sentença, que ocorreu em janeiro deste ano. O prazo ainda pode ser dilatado porque os autos estão com o MPF para manifestação. Seria mais fácil, porém, se eles tivessem apelado, através de um recurso ordinário, no prazo legal. Por que não o fizeram?
É pouco provável que tenha sido por desatenção ou esquecimento, embora esta hipótese sempre esteja presente, mesmo quando atua na causa um poderoso escritório de advocacia. Se agiram dessa forma de caso pensado, qual a razão dessa estratégia?
Presume-se que a morte de Cecílio Almeida, em março de 2008, aos 78 anos de idade, tenha posto fim ao componente de impetuosidade e selvageria que ele impôs à condução dos seus negócios, que centralizou com mão de ferro.
A empresa, que é uma das maiores empreiteiras do país e diversificou suas atividades, passando também a gerenciar rodovias públicas, beneficiando-se do processo de privatização, deve ter-se profissionalizado. Pode também ter se livrado do passionalismo, a marca do seu fundador, ao passar para o domínio da sua família e seus representantes executivos.
Mergulhando nas sutilezas da manobra feita por Cecílio para se apossar da mais valiosa gleba de terras ainda não ocupada no Pará, podem-se encontrar as motivações para o procedimento insólito. Talvez seja a maneira de perder a joia da coroa para manter a pretensão sobre a coroa de ouro.
A Fazenda Curuá, envolvida na ação, é a maior das áreas do conjunto de imóveis sobre os quais Cecílio Almeida se lançou com voracidade, quase duas décadas atrás. Mas não é a única. Há mais cinco glebas compreendidas na tentativa de apropriação ilícita. São os seringais: Belo Horizonte,  Humaitá, Caxinguba, Mossoró e Forte Veneza. Seus pretensos domínios se superpunham à Estação Ecológica da Terra do Meio e às terras indígenas Ipixuna e Apyterewa. 
Daí a vasta imprecisão sobre a extensão desse território pretendido variar entre o mínimo calculado, de 4,7 milhões de hectares, e o máximo referido, com ênfase decrescente, também com propósitos táticos, de 7 milhões de hectares. Entre as duas grandezas, 2,7 milhões de hectares já seriam suficientes para lhe manter o título de a maior grilagem mundial de terras ainda em curso.
O golpe maior foi evitado, mas outros atos de pirataria fundiária ainda podem ser praticados. Para que a ameaça seja erradicada de vez do horizonte das possibilidades legais, o Ministério Público Federal, que obteve o cancelamento do registro imobiliário da Fazenda Curuá, terá que dirigir seu alvo para as demais glebas, incluídas no acervo patrimonial da Incenxil. Já há ações em curso referentes a essas terras.
Só quando não houver mais remanescente algum da pretensão inicial de Cecílio do Rego Almeida é que o povo paraense poderá ter certeza de que um dos seus patrimônios mais valiosos estará restituído de vez ao seu legítimo dono, ainda que atingido pelos prejuízos que os pretensos proprietários lhe causaram nesse período de usurpação.
Outra interpretação para a perda de prazo do recurso poderia ser feita a partir de uma ameaça que o próprio Cecílio fez. Ele disse, reiteradas vezes, que se “suas” terras lhe fossem retiradas, ele ingressaria na justiça com uma ação regressiva contra o Estado do Pará. Cobraria todos os seus prejuízos e os lucros cessantes. Seria questão para chegar aos bilhões de reais. Uma causa muito maior do que o da Fazenda Paraporã, que cobra indenização do governo desde os anos 1970 por uma desapropriação mal feita.
É triste – mas ilustrativo – constatar que a preservação desse bem foi obra de um agente público federal e não dos entes estaduais que participaram do rumoroso capítulo da história da subtração de terras do patrimônio público do Pará. No que dependeu dos poderes executivo, legislativo e judiciário do Estado, o interesse público diretamente envolvido na questão saiu gravemente prejudicado.
Se dependesse de atos das autoridades públicas paraenses, as ricas terras do vale do Xingu, laçadas pelo interesse especulativo do empresário, teriam mudado ilicitamente de dono. Os poderes públicos estaduais cometeram, nesse episódio, um de seus atos mais clamorosos e lesivos. Por isso a história não deve ser esquecida, com todos os seus personagens nefastos. É a história que continuo a contar, com novos detalhes e maior profundidade. Na esperança de assim inibir os malfeitores e prevenir os malfeitos, dos quais a história omissiva do Pará contemporâneo tem sido pródiga.

Fonte: Yahoo – Cartas da Amazônia 

Pará: Em despejo de sem-terras, juiz ordena invasão policial de área vizinha que acolhera parte dos acampados


Por Verena Glass* 
Uma ação frustrada de despejo de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ordenada pelo juiz estadual Mauricio Ponte Ferreira de Souza, no município de Igarapé Açu, nordeste do Pará, acabou resultando na invasão das terras de uma agricultora vizinha e a destruição de seu galpão por policiais da tropa de choque do Estado.
Juiz determinou que polícia entrasse em lote vizinho, que é privado e não estava em disputa. Fotos: Jean Brito
A história começou com a ocupação, há cerca de 40 dias, da fazenda Dom Bosco, pertencente à família do fazendeiro Getulio de Carvalho Galvão, no referido município. Tanto a posse quanto a produtividade da fazenda são questionados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, de acordo com a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH, que acompanha o caso) e o Ministério Publico, um processo referente à propriedade da área ainda tramita no Instituto de Terras do Pará.
Na última segunda-feira, 26, por ordem do juiz Mauricio de Souza, uma viatura da ROTAM (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas), uma da COE (Comandos e Operações Especiais), outra da Perícia Criminal, uma do Corpo de Bombeiros e um ônibus com um efetivo da Polícia de Choque foram à fazenda para efetuar a retiradas das famílias de sem-terra, mas quando chegaram ao local a área já havia sido desocupada.
Policiais da Tropa de Choque invadiram e destruíram casa de moradora que acolheu famílias, segundo Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
O representante da SDDH, Antônio Pimentel, que também estava no local para acompanhar a ação, relata: “Devido a ação de reintegração marcada para este dia, grande parte dos sem terra saíram do local na noite anterior, com medo de uma ação violenta por parte da polícia, já que a situação na área é de muita tensão e medo”. Do grupo todo, apenas 15 famílias permaneciam por perto, acampadas no lote da agricultora Maria, que, vizinha da fazenda, as tinha acolhido após o abandono, às pressas, da área ocupada.
“Quando a policia chegou lá”, conta Antonio Pimentel, “o delegado, ao ver que as famílias ja tinham saído da fazenda e estavam no lote da dona Maria, disse que faria uma vistoria na Dom Bosco mas que voltaria para destruir o novo ‘acampamento’ na área vizinha. Telefonamos então para o Comando da polícia em Belém, e quando o delegado voltou avisamos que este não permitiria a invasão das terras da agricultora. Então o delegado ligou para o juiz Mauricio, que expediu um novo mandado. Foi aí que invadiram a propriedade da dona Maria e destruíram o galpão onde ela tinha seu fogão a lenha, suas coisinhas de cozinha”.
No mandado, expedido às pressas na mesma manhã do dia 26, o juiz Mauricio autorizou o “desfazimento do acampamento dos invasores, que fica em terreno em frente à área invadida, uma vez que configura ameaça de novas invasões, devendo ser alcançada pela ordem de reintegração, para o fim de evitar que os invasores permaneçam em área contigua à área de litígio” (clique aqui para ler o documento).

Irregularidades
De acordo com os advogados da SDDH, os procedimentos jurídicos do juiz Mauricio de Souza estão marcado por irregularidades. “É um absurdo que um juiz ordene a invasão de uma propriedade privada para destruir infraestruturas na mesma, e despejar pessoas que estavam no local a convite e com permissão da proprietária, sob argumento de ‘ação preventiva’ contra possível suposta ação dos sem terra no futuro”, afirma a advogada Roberta Amanajás. O também advogado Nildon Deleon Silva completa: “Entendemos que o Juiz Mauricio é incompetente para processar e julgar a ação ou determinar qualquer liminar de desapropriação de áreas rurais, pois, por se tratar de conflito agrário, este deve ser processado e julgado na Vara Agrária de Castanhal”. A Repórter Brasil tentou contato com o juiz, que, na véspera do feriado da Semana Santa, não foi encontrado para comentar o caso.
Policiais carregavam armamento pesado durante a operação

Os procedimentos do juiz no caso também foram criticados pela promotora de justiça Eliane Moreira, que realizou uma vistoria do caso em 6 de março e solicitou, ao final do processo, a transferência do mesmo da justiça estadual para a federal (clique aqui para ler o relatório completo).  Diante do que considera graves desvio de conduta por parte do juiz, a SDDH afirma que encaminhará uma representação contra Mauricio de Souza ao Conselho Nacional de Justiça, ao Tribunal de Justiça do Estado e ao Ministério Público Agrário.

Fonte: Repórter Brasil