Auditoria do Tribunal de
Contas da União (TCU) aberta para fiscalizar o maior financiamento da história
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a construção
da Usina de Belo Monte, pouco avançou no mapeamento dos recursos públicos, mas revelou a narrativa da blindagem da instituição aos
órgãos de controle.
Documentos do tribunal
consultados pelo Estado e levantamentos no Ministério Público revelam os meios
usados pelo banco, maior instituição de fomento da América Latina, para “recusar”
informações sobre financiamentos, empréstimos e operações subsidiadas.
Para o TCU, Controladoria
Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF), o banco – que
recebeu mais de R$ 400 bilhões em dinheiro do Tesouro Nacional desde o início
da crise global- não repassa dados suficientes para aferir suas operações.
Entre os expedientes usados, o BNDES cita sigilo bancário e se vale da
indecisão da Advocacia-Geral da União (AGU) para arbitrar disputas do banco com
a CGU.
O caso mais recente de blindagem
de dados envolve a construção da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA),
cujo consórcio Norte Energia S/A vai receber R$ 22,5 bilhões do banco para
levantar a usina. No meio do ano passado, o TCU abriu uma auditoria para
verificar a regularidade do uso de recursos do banco na terceira maior
hidrelétrica do mundo, no Rio Xingu, e em outras duas obras de concessionárias
de serviços públicos – uma linha de transmissão para distribuir energia no
Centro-Oeste e um terminal portuário em Salvador (BA).
Começava ali uma história
de resistência, segundo autoridades da Corte. Desde 30 de agosto, técnicos e
ministros do TCU reuniram-se cinco vezes com integrantes do banco para acessar
as informações a fim de embasar a auditoria.
O segundo encontro, em 17
de setembro, ocorreu na sede do BNDES no Rio, com a participação de Luciano
Coutinho, presidente do banco, e Augusto Nardes, presidente da Corte. O quarto
encontro, um mês depois em Brasília, novamente com a presença do presidente do
BNDES e o relator do processo, ministro Augusto Sherman.
Não houve grandes avanços.
Apesar de o banco ter encaminhado documentos com o “menor número de tarjas e
com exclusões mais seletivas”, a papelada ainda estava incompleta. No caso de
Belo Monte, segundo o TCU, não foram apresentadas informações básicas como
relatórios de análise, fontes de publicações e sites especializados que
serviram de base para o orçamento e a análise da capacidade de pagamento do
consórcio.
Diante da blindagem,
ministros do TCU cogitaram aplicar uma multa a Luciano Coutinho. Na última
manifestação do tribunal no caso, em dezembro, venceu uma retaliação
intermediária. A Corte derrubou o sigilo da auditoria, expondo as tentativas
frustradas de acesso a informações. Também congelou o caso até que as respostas
do banco cheguem completas.
Resistência
O ministro do TCU José
Jorge, que tem participado da análise do caso, resumiu assim a situação.
“Ninguém gosta de ser fiscalizado”, afirmou ele, ao destacar que os bancos
públicos, em geral, resistem a repassar dados de financiamentos sob a alegação
do sigilo bancário ao tribunal.
O ministro ironiza a
contradição pela qual a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei de Acesso à
Informação, mas o BNDES restringe acesso a informações. “A lei vale é para os
outros.” No caso do Ministério Público Federal, uma investigação foi aberta em
2011 para verificar a atuação do BNDES, por meio do apoio financeiro a fusões
ou outras reorganizações societárias. O MPF pretendia compreender os critérios
usados pelo banco para concessões de financiamentos em diferentes áreas de
atuação.
A Procuradoria da
República enviou ofício ao BNDES para saber, entre outros dados, quais os dez
maiores valores de projetos de financiamentos aprovados. O banco recusou-se a
responder os questionamentos do MPF por escrito, alegando que os atos referentes
à sua gestão bancária, exceto em casos previstos em lei, devem ser mantidos
privados.
A procuradora da República
Luciana Loureiro Oliveira moveu uma ação civil pública na Justiça Federal em
Brasília para tornar públicas, com base na Lei de Acesso à Informação, todas as
atividades de financiamento e apoio a programas, projetos, obras e serviços de
entes públicos e privados, que envolvam recursos públicos nos últimos 10 anos,
sob pena d
e multa. Em maio passado, a Justiça rejeitou pedido de liminar. Falta,
ainda, julgar o mérito.
‘No limite da lei’
A assessoria de imprensa
do BNDES afirmou em nota que a instituição tem atendido, “dentro dos limites
estabelecidos pela lei”, todas as solicitações de informações realizadas pelos
órgãos de controle. “Todos foram plenamente atendidos, salvo quando havia algum
impedimento legal (quando os pedidos se referiam à disponibilização de dados
privados de clientes, por exemplo)”, anotou.
O órgão preferiu não
responder pontualmente a uma série de questionamentos do Estado a respeito de
fiscalizações do Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União e
Ministério Público Federal.