“O leilão da megausina de São Luiz do Tapajós, a joia da coroa nos
planos de geração hidrelétrica do governo, está com o seu cronograma ameaçado.
Nas planilhas do Ministério de Minas e Energia, a licitação da última grande
usina do país, projetada para entregar 7.880 megawatts (MW) de energia, está
marcada para o fim deste ano. Além de São Luiz, o governo quer leiloar em 2014
outra hidrelétrica de grande porte desenhada para ser erguida na Amazônia: a
usina de Jatobá (2.338 MW). As duas barragens estão previstas para o rio
Tapajós, dentro do Pará. O risco de ter os planos frustrados, porém, é grande,
por conta do atraso que já compromete os estudos técnicos dos dois
empreendimentos.
A responsabilidade está nas mãos de um grupo de empresas estatais
e privadas criado pelo governo em agosto de 2012. Formado pela Eletrobras,
Eletronorte, GDF Suez, Cemig, Copel, Neoenergia, EDF, Endesa Brasil e Camargo
Corrêa, o chamado "Grupo de Estudos Tapajós" tem a missão de concluir
dois relatórios técnicos das usinas. Sem esses levantamentos, os projetos não
podem ir à leilão.
Para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), é preciso
entregar o estudo de viabilidade técnica e econômica dos projetos (Evtea). O
segundo relatório - estudo de impacto ambiental (EIA/Rima) - deve ser submetido
ao Ibama. A previsão do governo era de que a Aneel tivesse recebido os
levantamentos técnicos das usinas em outubro do ano passado. No Ibama, o
EIA/Rima teria de ser entregue até dezembro. Nenhum dos relatórios, porém,
chegou às prateleiras dos órgãos públicos.”
A atenção da cúpula energética do governo sobre os projetos de São
Luiz e Jatobá é total. A importância que esses empreendimentos ganharam no
plano de expansão do setor ficou ainda mais evidente nesta semana, quando a
Aneel acatou um pedido do mesmo consórcio de empresas para adiar o cronograma
de entrega de estudos para outras três usinas previstas para o complexo do
Tapajós, no rio Jamanxim. Com a decisão, foi prorrogado de 31 de dezembro de
2013 para 31 de dezembro de 2015 o prazo para a entrega de relatórios das
hidrelétricas de Cachoeira do Caí (802 MW), Cachoeira dos Patos (528 MW) e
Jamanxim (881 MW). Essas usinas, além de serem de menor porte, enfrentam
dificuldades ambientais para serem viabilizadas.
O Valor apurou que, apesar do atraso nos
estudos, o governo acredita que, em até seis meses, ainda pode obter a
autorização da Aneel e a licença prévia ambiental do Ibama para que os projetos
entrem juntos do leilão de energia. Sem o aval da agência e do instituto
ambiental, as usinas não podem ser licitadas. A questão indígena, no entanto, é
um dos fatores que podem comprometer os planos. Os estudos do componente
indígena, apurou o Valor, ainda estão em
fase preliminar e devem demorar cerca de seis meses para serem concluídos. O
assunto ainda está sendo discutido entre representantes das empresas e a
Fundação Nacional do Índio (Funai).
Pelos estudos já divulgados sobre São Luiz e Jatobá, os
reservatórios das usinas não teriam impacto direto sobre terras indígenas
demarcadas. Isso não significa, porém, que os índios não vivam na região. Em
2012, a reportagem do Valor percorreu a região onde as usinas
serão construídas e visitou aldeias que deverão ficar ilhadas após o enchimento
das represas. Processos de homologação de terras indígenas chegaram a ser
iniciados pela Funai, antes mesmo de o governo oficializar seus planos
hidrelétricos para a região. Até hoje, esses processos não foram concluídos.
Até agosto de 2012, a Funai em Itaituba já tinha identificado
cinco aldeias dos índios da etnia munduruku na região, somando uma população de
aproximadamente 500 pessoas. São aldeias isoladas, onde o acesso só pode ser
feito pelo rio Tapajós. Já nas terras demarcadas na região do Alto Tapajós,
onde nasce o rio, vivem cerca de 10 mil índios mundurukus.
Com uma barragem de 3.483 metros de comprimento projetada para
cruzar o Tapajós de uma margem a outra, a hidrelétrica de São Luiz só ficaria
atrás de outras três gigantes: Itaipu, Belo Monte e Tucuruí. Com as duas usinas
do Tapajós, o governo quer acrescentar 10.218 MW à matriz energética do país,
capacidade que quase alcança os 11.233 MW da polêmica Belo Monte. O custo
ambiental para o Tapajós, no entanto, faz os impactos de Belo Monte parecerem
modestos. Enquanto a hidrelétrica que está em construção no rio Xingu vai
alagar uma área de 512 km quadrados, São Luiz e Jatobá preveem que uma área de
1.368 quilômetros quadrados de floresta virgem fique embaixo d'água, uma área
quase do tamanho da cidade de São Paulo.
Como se vê, o governo acha normal que os estudos técnicos e ambientais, tocados pelos maiores interessados nas obras e que em tese comprovariam a viabilidade ou não dos empreendimentos, sejam
tratados como meras peças burocráticas que antecedem a inevitável construção da
hidrelétrica.