Por Lúcio Flávio Pinto*
*Publicado
originalmente no Yahoo em Cartas da Amazônia.
Em março do
ano passado, através de um simples decreto, a presidente Dilma Rousseff violou
o princípio federativo brasileiro. Ela eliminou a exigência, até então em
vigor, de submeter à aprovação dos governadores dos Estados o uso em seu
território da Força Nacional de Segurança Pública, criada pelo presidente Lula
em 2004. E aplicou imediatamente a nova regra: determinou o deslocamento de
tropa da FNS para o canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Foi a primeira intervenção federal desse tipo. Não teve a repercussão cabível à
sua gravidade. Aliás, não teve repercussão alguma.
Duas prorrogações foram promovidas
para manter a tropa no canteiro de obras de grandes empreiteiras nacionais, que
ali executam o maior empreendimento da segunda edição do Programa de Aceleração
do Crescimento, o PAC, no valor de 30 bilhões de reais. A última prorrogação
foi adotada neste mês. O contingente da FNS permanece no local e nele
continuará até pelo menos agosto, quando vence o prazo de 180 dias da mais recente
prorrogação.
Uma nova prorrogação poderá ser
adotada, se for necessário o uso dessa força para continuar a assegurar a
“incolumidade das pessoas, do patrimônio e a manutenção da ordem pública dos
locais em que se desenvolvem as obras, demarcações, serviços e demais
atividades” relacionadas à construção da hidrelétrica, a maior obra em
andamento no país. O ato de determinar a permanência da força se consumou
através de mera portaria do ministro da justiça, a autoridade federal à qual a
FNS está subordinada.
A presença da tropa federal
praticamente acompanha a instalação do canteiro de obras da usina do Xingu, há
mais de três anos. Nesse período, houve 17 paralisações, motivadas por diversas
formas de protesto ou de reivindicação. Atualmente há 22 mil trabalhadores nos
quatro canteiros de obras da hidrelétrica, projetada para ser a segunda maior
do mundo.
Apesar de estar em causa uma concessão
federal para o aproveitamento energético de um rio, o Xingu, as duas empresas à
frente do empreendimento são de direito privado, mesmo sendo estatais as que
controlam a concessionária de energia (mas a construtora é totalmente privada).
Pelo menos no canteiro de obras de
Belo Monte a federação deixou de existir. A União transformou o local em
território federal, à revelia do Estado do Pará.