quinta-feira, 10 de abril de 2008

Oitavo mandamento: Mentirás

Eduardo Galeano

Uma mentira

Até há pouco os grandes media [meios de comunicação] brindavam-nos, a cada dia, números alegres acerca da luta internacional contra a pobreza. A pobreza estava a bater em retirada, ainda que os pobres, mal informados, não soubessem da boa notícia. Os burocratas mais bem pagos do planeta estão a confessar, agora, que os mal informados eram eles. O Banco Mundial divulgou a actualização do seu International Comparison Program. Neste trabalho participaram, juntamente com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, as Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico e outras instituições filantrópicas.

Ali os peritos corrigem alguns errozinhos dos relatórios anteriores. Entre outras coisas, ficamos a saber agora que os pobres mais pobres do mundo, os chamados "indigentes", somam 500 milhões mais do que os que apareciam nas estatísticas. Além disso, ficamos a saber que os países pobres são bastante mais pobres do que aquilo que diziam os numerozinhos e que a sua desgraça piorou enquanto o Banco Mundial lhes vendia a pílula da felicidade do mercado livre. E como se isso fosse pouco, verifica-se que a desigualdade universal entre pobres e ricos havia sido mal medida e à escala planetária o abismo é ainda mais fundo que o do Brasil.

Outra mentira

Ao mesmo tempo, um ex vice-presidente do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, num trabalho conjunto com Linda Bilmes, investigou os custos da guerra do Iraque. O presidente George W. Bush havia anunciado que a guerra poderia custar, quando muito, 50 mil milhões de dólares, o que a primeira vista não parecia demasiado caro tratando-se da conquista de um país tão rico em petróleo. Eram números redondos, ou melhor, quadrados. A carnificina do Iraque dura há mais de cinco anos e, neste período, os Estados Unidos gastaram um milhão de milhões de dólares matando civis inocentes. A partir das nuvens, as bombas matam sem saber quem. Sob a mortalha de fumo, os mortos morrem sem saber porque. Aquele número de Bush chega para financiar apenas um trimestre de crimes e discursos. O número mentia, ao serviço desta guerra, nascida de uma mentira, que continua a mentir.

E mais outra mentira

Quando todo o mundo já sabia que no Iraque não havia mais armas de destruição maciça do que as que utilizavam os seus invasores, a guerra continuou, ainda que houvesses esquecido os seus pretextos. Então, a 14 de Dezembro do ano 2005, os jornalistas perguntar quantos iraquianos haviam morrido nos dois primeiros anos de guerra. E o presidente Bush falou do assunto pela primeira vez. Respondeu: — Uns 30 mil, mais ou menos.

E a seguir fez uma piada, confirmando o seu sempre oportuno sentido do humor, e os jornalistas riram-se.

No ano seguinte, reiterou o número. Não esclareceu que os 30 mil referiam-se aos civis iraquianos cuja morte havia aparecido nos diários. O número real era muito maior, como ele bem sabia, porque a maioria das mortes não se publica, e bem sabia também que entre as vítimas havia muitos velhos e crianças.

Essa foi a única informação proporcionada pelo governo dos Estados Unidos sobre a prática do tiro ao alvo contra os civis iraquianos. O país invasor só faz contas, detalhadas, dos seus soldados caídos. Os demais são inimigos, ou danos colaterais que não merecem ser contados. E, em todo caso, contá-los poderia ser perigoso: essa montanha de cadáveres poderia causar má impressão.

E uma verdade

Bush vivia seus primeiros tempos na presidência quando, a 27 de Julho do ano 2001, perguntou aos seus compatriotas:

— Podem vocês imaginar um país que não fosse capaz de cultivar alimentos suficientes para alimentar a sua população? Seria uma nação exposta a pressões internacionais. Seria uma nação vulnerável. E por isso, quando falamos da agricultura americana, na realidade falamos de uma questão de segurança nacional.
Essa vez, o presidente não mentiu. Ele estava a defender os fabulosos subsídios que protegem o campo do seu país. "Agricultura americana" significava e significa "Agricultura dos Estados Unidos".

Contudo, é o México, outro país americano, o que melhor ilustra os seus acertados conceitos. Desde que firmou o tratado de livre comércio com os Estados Unidos, o México já não cultiva alimentos suficientes para as necessidades da sua população, é uma nação exposta a pressões internacionais e é uma nação vulnerável, cuja segurança nacional corre grave perigo:

- actualmente o México compra aos Estados Unidos 10 mil milhões de dólares de alimentos que poderia produzir;
-os subsídios proteccionistas tornam impossível a competição;
- por esse andar, daqui a pouco a tortillas mexicanas continuarão a ser mexicanas pelas bocas que as comem, mas não pelo milho que as faz, importado, subsidiado e transgénico;
- o tratado havia prometido prosperidade comercial, mas a carne humana, camponeses arruinados que emigram, é o principal produto mexicano de exportação.
Há países que sabem defender-se. São poucos. Por isso são ricos. Há outros países treinados para trabalhar para a sua própria perdição. São quase todos os demais.

Fonte: Resistir (www.resistir.info)
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