terça-feira, 22 de julho de 2014

Conflitos no Campo Brasil, em 2013: Povos indígenas foram os mais violentados e os que mais resistiram

Por frei Gilvander Moreira, em seu blog*
Não foi por acaso que a 29ª edição do livro-relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Conflitos no Campo Brasil 2013 trouxe na capa a foto de um indígena pintado, com olhar firme e destemido para a resistência. De fato, em 2013, Conflitos e Violência atingiram de forma veemente os povos indígenas e comunidades tradicionais. Das 1.266 ocorrências relacionadas ao conjunto dos conflitos no campo no Brasil, 205 estão relacionadas aos indígenas. 154 referem-se a conflitos por terra ou retomada de territórios e 11 a conflitos pela água. Das 34 mortes por assassinato, 15 são de indígenas. São também indígenas 10 das 15 vítimas de tentativas de assassinato.
Mato Grosso do Sul e Bahia lideram o ranking da violência contra os indígenas. O Mato Grosso do Sul destaca-se: 15 foram ameaçados de morte, 7 sofreram tentativa de assassinato, 3 foram assassinados, 8 presos. 100% dos assassinados e dos que sofreram tentativa de assassinato são indígenas. Também 100% dos assassinados em Roraima são indígenas. Na Bahia, dos 6 assassinatos, 4 são de indígenas e das 3 tentativas de assassinato, 1 é contra indígena, além de 3 ocorrências de ameaça de morte.
Chama atenção o alto índice de violência incidente sobre as lideranças indígenas, com 34 ocorrências relacionadas a ameaças de morte, 26 a tentativas de assassinato e 4 assassinatos.
Em 2013, porém, os povos indígenas não foram simplesmente vítimas de ações violentas. Eles protagonizaram 61 ações de retomada de seus territórios, entre as 230 registradas. 20 destas ações se registraram na Bahia e 30 no Mato Grosso do Sul. Fatos que desconstroem a noção de passividade dos nossos parentes indígenas.
Além disso, os indígenas multiplicaram de Norte a Sul do País suas manifestações. Foram 156, envolvendo 35.208 indígenas. Por diversas vezes o canteiro de obras da Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, foi ocupado; os índios Munduruku da região do Tapajós, no Pará, queimaram documento que lhes foi enviado por representantes do governo federal, que se negavam a encontrar-se com eles numa aldeia, como eles exigiam. Por dias consecutivos, no Paraná e no Rio Grande do Sul, os índios protestaram contra a suspensão dos processos de reconhecimento e demarcação de suas terras, bloqueando diversas rodovias, ocupando a sede do PT no Paraná, fazendo protestos diante do Palácio do governo no RS.
A ação que mais chamou a atenção foi a ocupação do Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, quando exigiam a suspensão da Proposta de Emenda Parlamentar (PEC) 215/00, que propõe transferir a competência pela demarcação das terras indígenas da Presidência da República para o Congresso, e de outros projetos de lei, portarias e decretos, que pululam no Congresso, contra os direitos adquiridos.
O número de conflitos pela água apresentou considerável crescimento de 32%, de 79, em 2012, para 104, em 2013. É o maior número desde 2002 quando a CPT começou a contabilizá-los. O maior número de conflitos pela água está relacionado com a construção de hidrelétricas, 43 ocorrências, e cresce o número de conflitos relacionados à mineração, 28 ocorrências.
Em 2013, entre as 241 pessoas ameaçadas de morte estão 40 mulheres. Nos últimos 10 anos – entre 2004 e 2013 – 2.282 pessoas foram ameaçadas de morte por questões relativas a conflitos por terra. Destas 382 eram mulheres. Nos últimos 10 anos, 338 mulheres foram assassinadas na luta pela terra.
Número de famílias despejadas em 2013 cresce 76% na Amazônia, passando de 1.795 para 3.167.Também na Amazônia, o número de famílias expulsas cresceu em 11%, passando de 472 para 525.
Em 2013, pela primeira vez o número de pessoas resgatadas da escravidão foi maior nas cidades – na construção civil e indústria têxtil – do que no Campo. Dos 2.242 trabalhadores resgatados em 2013 no Brasil, 1.153 foram libertados em atividades urbanas, o que representa 51% do total de libertados. De 28.702 trabalhadores resgatados entre 2003 a outubro de 2012, período em que foram analisados dados relacionados à concessão do seguro-desemprego, ao qual todo trabalhador resgatado tem direito, nada menos do que 7.319 são maranhenses (25,5%). O Maranhão é o penúltimo estado do país no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (0,639 pontos no índice de 0 a 1), à frente apenas de Alagoas.
Mas os números são apenas a ponta do iceberg da violência no Campo. Anna Maria Rizzante Gallazzi, no livro Conflitos no Campo Brasil 2013, nos alerta: “Os números, porém, não dizem, nem mostram a angústia, as lágrimas, a dor das esposas, mães e pais, filhos e filhas, irmãos que recebem a notícia e os corpos dos que foram assassinados. Menos ainda mostram a dureza dos dias, quando precisa continuar a vida, aprender a viver sem a pessoa querida, seguir a vida, trabalhar, engolir os soluços e a dor para ajudar quem sobreviveu. Não mostram as longas noites de insônia e de medo, cheias de preocupação. Números não mostram, não falam, não contam…” (p. 64).
Importante lembrar que para os agentes pastorais da CPT contar a cada dia os números da violência no campo não é fazer um registro frio. É o serviço de alguém que está ao lado dos camponeses, sofrendo com eles, mas conspirando lutas de resistência e de enfrentamento ao sistema do capital na convicção de que a terra, as águas, a biodiversidade e toda a cultura popular jamais podem ser privatizadas como insistem o sistema do capital e seus vassalos.
Para acessar a íntegra de Conflitos no Campo Brasil 2013, da CPT, acesse AQUI.
*Republicado no blog Combate ao Racismo Ambiental
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