sexta-feira, 29 de maio de 2009

"Os sem-tora são financiados por aqueles que comercializam a madeira", diz promotora

Fabíola Munhoz*

Como promotora agrária de Castanhal (PA), Ana Maria Magalhães vem acompanhando as investigações de um esquema para extração e comercialização ilegal de madeira, envolvendo o ex-prefeito de Tailândia (PA), Paulo Jasper.

Em entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br, a promotora explicou a atuação dos sem-tora no Estado e falou sobre a fraude de Tailândia que derrubou florestas, a partir do "esquentamento" de cerca de 120 mil metros cúbicos de madeira ilegal e rendeu R$ 90 milhões aos bolsos da quadrilha.

Amazonia.org.br: Em que fase estão as investigações dos crimes de Tailândia?
Magalhães: Essas mega-fraudes, para serem investigadas pelo MP, exigem dedicação exclusiva do Promotor de Justiça. No caso, seria eu. Dediquei-me a essa investigação durante quatro meses, mas depois já não me foi possível porque eu respondia, na época, por outras Promotorias de Justiça, inclusive uma eleitoral. Não me restou alternativa, a não ser mandar a investigação para a Delegacia Estadual de Meio Ambiente (Dema). No entanto, o resultado não foi bom e, por isso, em reunião com o Dr. Raimundo Moraes- coordenador do Núcleo de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Pará (Numa)-, ficou decidido que vamos iniciar os dois processos (civil e criminal) sem a conclusão da polícia, já que temos elementos suficientes para essas ações.
Reuni farta documentação fornecida depois pela própria Sema, que mostra claramente o esquema fraudulento. Também consegui perícias que revelam o esquema. O próprio sistema [da Sema] mostra como essas fraudes foram praticadas. Basta analisar o que ele mostra para se chegar ao resultado.


Amazonia.org.br: Os projetos fraudulentos foram aprovados no tempo recorde de 18 dias. A senhora confirma a hipótese de que muitos dos crimes ambientais só sejam possíveis por participação de funcionários públicos corruptos?
Magalhães: Nos casos que envolvem autorização de manejo ou de corte raso, em áreas que não têm mais floresta, só é possível ocorrer os crimes- como disse acima, não só ambientais, mas fraudes documentais, falsidades ideológicas, omissões penalmente relevantes e improbidade administrativa- com a participação de servidores da Sema, que manejam o sistema e autorizam a fraude. Ou seja, os técnicos do setor de engenharia que vistoriam a área e declaram que lá há madeira para cortar, bem como os que alteram a quantidade inicialmente aprovada de metros cúbicos de madeira e de lenha.

Amazonia.org.br: Quantos casos de extração ilegal de madeira o Numa acompanha hoje? Há outros esquemas parecidos com o de Tailândia sendo investigados?
Magalhães: Há vários outros casos. E, para que não aconteça como no de Tailândia, em que fiquei sozinha para dar conta de toda essa pesada investigação, o Numa está montando um grupo composto de dez promotores que irão atuar nas investigações desses casos, de forma a dividir o trabalho e chegar mais facilmente ao resultado prático, responsabilizando civil e criminalmente os envolvidos. Esse grupo será organizado nos próximos dias e já conta com vários casos para investigar, cujo esquema foi igual ao de Tailândia.

Amazonia.org.br: Partindo da segunda fase do plano da quadrilha, que dependeu da atuação dos sem-tora, a senhora acredita que muitos desses grupos hoje existentes na Amazônia são pagos por outras pessoas para que façam a derrubada das florestas?
Magalhães: Os sem-tora são financiados por aqueles que comercializam a madeira, que esquentam a madeira com os papeis que advêm desses projetos fraudulentos. Os sem-tora são assaltantes de floresta miseráveis, a maioria analfabeta. Roubam uma carga preciosa, que vale milhões, mas o que ganham com isso? Muito pouco. Continuam na miséria, suas vidas não se modificam em nada depois de roubarem toda a riqueza vegetal. Quem ganha dinheiro com isso são os madeireiros que comercializam uma madeira que não era deles e para a qual não tinham autorização de comercialização. Quem fica rico são os donos dos projetos fraudulentos e os madeireiros que compram o papel dos donos dos projetos fraudulentos para "esquentarem" a madeira roubada de terceiros.

Amazonia.org.br: A suspeita de participação do ex-prefeito de Tailândia, Paulo Jasper no esquema, conforme denúncia de Valdinei Palhares, foi confirmada pelas investigações?
Magalhães: Apesar de o denunciante afirmar que o ex-prefeito de Tailândia é o verdadeiro dono dos cinco projetos, em nenhum documento consta o nome dele, mas apenas de sócios e um parente da esposa dele. Por isso, a participação dele não foi confirmada pela investigação até o momento.

Amazonia.org.br: Qual será a penalização civil e criminal dos envolvidos no esquema?
Magalhães: Para os "donos" dos projetos e "compradores", a penalização civil será a devolução do dinheiro amealhado com a fraude. A criminal é a dos vários crimes de falsidade documental e crimes ambientais. Para os servidores envolvidos, a responsabilidade civil é a da lei de improbidade administrativa - uma delas a perda do cargo.
A penalidade criminal vai depender do tipo de participação. Há os que emitiram pareceres falsos, como o engenheiro que assinou o documento de vistoria das áreas, sendo que uma delas, a Sema sequer sabe onde fica. Os novos engenheiros que tentaram fazer perícia em uma dessas áreas sequer a localizaram. Para os gestores há, no mínimo, omissão penalmente relevante a partir da qual será feita a comunicação da conduta dos que praticaram os crimes de falsidade documental e ambiental com a conduta deles.

Amazonia.org.br: A que a senhora atribui crimes como esse, e o que pensa que falta à atuação do Estado para que novos crimes ambientais não continuem a ocorrer?
Magalhães: Acho que, se conseguirmos finalmente ingressar com essas duas ações- civil e criminal- que pretendemos até o mês de julho, e se tivermos uma resposta da Justiça à altura da gravidade do problema, muita coisa vai mudar. Tenho certeza de que esses crimes são praticados porque os criminosos acreditam na impunidade. Se houver investigação acirrada e resposta da justiça, os criminosos vão pensar duas vezes antes de se locupletaram à custa da floresta paraense.

*Fonte: Amazonia.org.br (Sugestão enviada por Carlos Ansarah)
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