Por Rosiane Carvalho*
Genocídio de
dois mil indígenas waimiri atrori, impactos irreparáveis à população tenharim e
a quase dizimação dos povos jiahui. Essas são algumas das “heranças” que o
Amazonas recebeu do Golpe Militar, que no próximo dia 1º de abril completa 50
anos. Ao contrário dos registros da história oficial, a Ditadura Militar impôs
ao Amazonas mortes e violação dos direitos humanos, que marcam a rotina e a
memória dos povos indígenas waimiri atroari, tenharim e jiahui.
O levantamento
sobre as inconsequentes ações dos governos militares no Estado faz parte de uma
investigação feita em duas ações civis públicas do Ministério Público Federal
no Amazonas (MPF-AM). A investigação aponta que os militares, a pretexto de
“ocupar uma terra sem homens” (Amazônia), foram responsáveis pela morte de
milhares indígenas durante a construção das BR-174 (Manaus-AM/Boa Vista-RR) e
BR–230, a Rodovia Transamazônica.
Os primeiros
resultados das investigações, que pode ser uma porta para que a história do
Amazonas seja reescrita, serão debatidos na sexta-feira em um seminário no
auditório Rio Solimões, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), realizado
pelo MPF, pelo Comitê da Verdade no Amazonas e por lideranças indígenas.
“Diante do aniversário do Golpe, vamos discutir a Amazônia de antes e de hoje.
O que os diversos povos sofreram e vivem ainda hoje no regime democrático”,
declarou o procurador da República Julio de Araujo Junior.
Waimiri
e Tenharim
As ações foram
abertas após denúncias de indigenistas que atuam na região desde o período
militar. A primeira, sobre os waimir atroari, ainda não foi concluída porque,
segundo o procurador Julio Araujo, precisa de profundas investigações.
Há notícias de
que os militares atuaram num ataque direto e violento à aldeia dos waimiri. Os
registros indicam, segundo o procurador, que antes da construção da BR-174
havia cerca de três mil indígenas (década de 70). Na década de 80, os registros
apontavam para 300 indígenas na aldeia.
A segunda ação
já foi apresentada à Justiça, que, por conta dos conflitos recentes, concedeu
liminar para reparações imediatas sobre danos permanentes sofridos pela
população tenharim e jiahui durante a construção da Transamazônica. Os jiahui
eram apenas 17 indígenas em 2004, quando suas terras foram demarcadas.
A obra da Transamazônica,
segundo o MPF, cooptou os tenharim para trabalhos forçados, os obrigou a mudar
de território e infectou parte da população com doenças (como sarampo e
catapora) trazidas pelo contato com os operários da Paranapanema, responsável
pela obra.
Método
do Brasil colonial
A construção
da Transamazônica começou em outubro de 1970. Há registro do descerramento da
placa do início da obra em Altamira, no Pará, pelo então presidente Emilio
Garrastazu Médici com o seguinte teor: “Nestas margens do Xingu, em plena selva
Amazônica, o senhor Presidente da República dá início à construção da
Transamazônica, numa arrancada histórica para a conquista deste gigantesco
mundo verde”.
Para o MPF, já
no seu primeiro passo a obra liderada pelos militares dá sinais do descompromisso
com os povos que já habitavam a região. “O teor do discurso demonstra a
perspectiva de ‘conquista’ e ocupação de um território ‘verde’, em nome de uma
arrancada histórica para o ‘progresso’”, diz trecho da ação.
O procurador
da República Julio Araujo afirmou que as populações tradicionais são
desprezadas desde a época do Brasil colonial. “Foram várias formas de violação,
até mesmo as táticas de pacificação, provocaram essa desestruturação. A
Ditadura não adotou métodos diferentes.
Em nome do desenvolvimento,
se aprofundou a violação. Dentro dessa concepção, não considerou a diferença e
os indígenas acabaram sendo um empecilho ao progresso e à conquista da região”,
declarou o procurador Julio Araujo.
Transamazônica
violou indígenas
Os danos provocados
pela construção da Transamazônica aos tenharim e jiahui são alvo de um pedido
de indenização de R$ 20 milhões por parte do MPF por danos coletivos sofridos
pelas etnias. A construção da estrada em Humaitá foi feita pela empresa
Paranapanema, que depois também passou a explorar minérios no Amazonas
atingindo outras terras indígenas.
Na abertura da
estrada, os tenharim foram obrigados a deixar a margem direita do rio Marmelos,
num local chamado São José. Pela investigação do MPF, os tenharim ficaram às margens
da rodovia porque a estrada foi construída por cima de locais sagrados para a
cultura deles.
A invasão do
território também trouxe consequência na estrutura da vida por causa dos
prejuízos ao solo e atividades agrícolas. Até na caça, pela destruição da
fauna, os tenharim tiveram que mudar seus costumes, segundo a pesquisa
antropológica exposta na ação do MPF.
Muitos
indígenas morreram por causa de epidemias de sarampo, catapora – doenças
trazidas por operários da Paranapanema. A crença dos indígenas é que maldições
acompanham aqueles que abandonam seus antepassados.
A
Transamazonica causou, ainda, a destruição de cemitérios indígenas. “O
progresso e o desenvolvimento idealizados com a rodovia não pressupuseram uma
convivência em harmonia e respeito aos povos indígenas. Isso conduziu a
desestruturação étnica de povos como os tenharim e jiahui, a homogeneizacão de
culturas, a divisão de territórios e a provocação de tensões na região de
Humaitá, Manicoré e Apui”, afirma trecho da ação.
Em outro
trecho, o MPF indica: “A perspectiva homogeneizante colocou-se em primeiro
plano, não se oferecendo qualquer alternativa àqueles que ousassem enfrentá-la
(…) O resultado dessa perspectiva é a ocorrência de danos aos povos indígenas,
os quais se prolongam no tempo em razão da omissão de adoção de medidas
reparatórias”.
*Fonte: A Crítica (Manaus)