Prezados(as) membros da comunidade acadêmica da UFOPA,
Aproxima-se o dia 3 de julho, data prevista para a realização do que uma portaria publicada recentemente pela reitoria chamou de Avaliação Formativa Final 1 (AFF1).
Na ocasião, todos os discentes recém ingressos na UFOPA serão submetidos a uma avaliação de tipo objetiva sobre assuntos abordados neste primeiro ciclo de formação interdisciplinar. O resultado obtido nesta AFF1 corresponderá a 30% do valor do Índice de Desempenho Acadêmico (IDA), que, por sua vez, é o instrumento a ser usado em breve para definir em qual Instituto o discente poderá ingressar, levando minimamente em conta as suas preferências.
Não se pode negar que este conjunto de procedimentos constitui uma novidade. Quantas universidades no país ou no mundo utilizam mecanismos semelhantes para distribuir seus estudantes pelos cursos oferecidos? Contudo, a proximidade do dia três de julho nos convida também a refletir sobre uma outra questão, bem mais relevante do que a primeira: o uso do IDA, sua função classificatória e a aplicação da AFF1 representam uma inovação positiva do ponto de vista pedagógico?
Alguns dirão ser ainda muito cedo para avaliar os efeitos dessas medidas na vida acadêmica da universidade. Todavia, queremos crer que os educadores e técnicos idealizadores desses instrumentos de avaliação os conceberam tendo em vista alguma concepção mais fundamental sobre o que é o processo educativo, a formação universitária, as relações acadêmicas dos discentes entre si e com os professores.
Portanto, assim como os inventores do IDA supostamente não o criaram às cegas, mas, pelo contrário, consideraram os possíveis efeitos presentes e futuros de sua proposta, nós também nos sentimos no direito de manifestar publicamente nossa opinião sobre essas mesmas consequências possíveis.
Não que alguém nos tenha pedido para fazê-lo. Bem longe disso, em nenhum momento fomos chamados pública e explicitamente para discutir esses procedimentos de avaliação, muito menos para aceitá-los ou rejeitá-los (excetuando-se, obviamente, as eventuais reuniões para fins de “esclarecimento” do que, de qualquer modo, já estava sendo feito). Como, porém, tratam-se de decisões que – não custa lembrar – nos dizem respeito diretamente, eis aqui algumas das razões e perguntas que nos inquietam:
Em primeiro lugar, nós abaixo assinados julgamos pedagogicamente inadequado o uso de um valor numérico para auferir e classificar o desempenho dos estudantes ao longo de toda sua trajetória acadêmica. Se o(a) professor(a) atribui notas ou conceitos aos trabalhos realizados pelos aprendizes durante um semestre, por exemplo, ele(a) o faz imerso(a) num contexto de diálogo que constitui a essência do processo de ensino-aprendizagem.
Isto significa que as notas ou conceitos atribuídos nessas condições costumam ser sensíveis à formação e à personalidade do(a) professor(a) e dos aprendizes, bem como aos outros aspectos qualitativos relevantes da relação pedagógica entre eles. Quanto mais o(a) professor(a) consegue destacar o caráter formativo das suas avaliações, mais eficientes estas últimas serão como instrumentos para melhorar a aprendizagem e torná-la um desafio instigante e prazeroso para os estudantes.
Ora, todos estes aspectos qualitativos – inalienáveis de um autêntico processo de avaliação formativa – encontrar-se-ão drasticamente reduzidos ao número do IDA, por mais casas decimais que ele contenha. Este reducionismo, aliás, parece satisfazer antes às prerrogativas daquilo que Edmund Husserl chamou certa vez de “racionalismo extraviado” do que aos ideais de uma educação do futuro, tal como preconiza Edgar Morin, por exemplo. Há certamente circunstâncias em que o recurso a tais métodos é pertinente (o Enem, o Enade, o Ideb, por exemplo), mas não nesta em que importa avaliar, sobretudo, o percurso de formação do discente.
O ápice desta ênfase desmesurada em um valor numérico para “mensurar quantitativamente (…) o desempenho de cada discente” será o uso classificatório desse instrumento para definir em quais institutos e cursos poderão ingressar os alunos e alunas já admitido(a)s, por meio de processo seletivo, em uma universidade pública. Esta função classificatória do IDA tende a influir perniciosamente em todo processo educativo, estimulando antes a competição (focada num índice!) entre os estudantes do que o espírito colaborativo entre eles.
A “pressão do IDA”, aliás, já se fez sentir durante este primeiro semestre de formação interdisciplinar, a julgar pelos relatos de alguns professores e professoras. Assim, em uma universidade que se diz atenta às peculiaridades da região onde está situada, as relações inter-pessoais de cooperação, traço marcante de várias culturas amazônidas , perdem espaço para as relações de concorrência entre indivíduos. Será esta uma maneira adequada de contribuir para fazer da UFOPA um espaço de socialização do saber? Se os métodos de avaliação escolhidos por uma instituição indicam que tipo de estudantes e que tipo de professores ela valoriza , qual mensagem pedagógica a UFOPA pretende afinal exprimir para a sua comunidade com a adoção de tais procedimentos?
Não faltam estudos sobre os limites e os problemas de se inocular métodos classificatórios de avalição no seio do processo educativo. Alguns alertam que isto induz a uma hipertrofia dos aspectos técnicos da avaliação ; outros destacam que a preocupação de classificar e selecionar os mais aptos pouco ou nada contribui para fazer do aprendizado e da pesquisa atos de formação pessoal inclusivos e integrativos .
Em segundo lugar, não concordamos especificamente com o uso de uma prova objetiva que será aplicada a todos os estudantes e terá peso de 30% no cômputo do IDA. Deixemos de lado a questão terminológica de chamar inapropriadamente de “avaliação formativa” uma prova cuja função é predominantemente classificatória . Muito mais grave é conferir-lhe um peso tão significativo no cálculo daquele índice.
Afinal, não é difícil prever o efeito do valor desta prova no processo de ensino-aprendizagem. Ela será mais uma fonte de pressão para padronizá-lo e homogeneizá-lo: a tendência é que todos exijam preparação semelhante para passar bem pelo mesmo teste. Os estudantes serão instados a responder com “VERDADEIRO” ou “FALSO” a questões sobre temas que – supõe-se – já foram devidamente tratados ao longo de todo o semestre letivo.
Por que então fazer de uma prova objetiva, aplicada no final deste período (ou seja, sem que ela possa sequer servir como forma de aperfeiçoamento da etapa de formação já transcorrida), uma condição tão relevante para aumentar ou diminuir as chances do acadêmico de ingressar no instituto de sua preferência? Se o propósito é resguardar juridicamente a universidade, assegurando aos discentes condições minimamente isonômicas de concorrência interna pelas vagas, isto significa que preocupações de ordem legal – que sequer precisariam existir, não fosse pela introdução de tais “inovações” – sobrepõem-se às preocupações pedagógicas e, mais uma vez, ameaçam a qualidade dos serviços públicos prestados por uma instituição cuja função constitucional é justamente proporcionar ensino, pesquisa e extensão de qualidade.
Não bastassem todos esses problemas, o uso reiterado de uma prova objetiva e classificatória ainda encerra em si o risco de estimular a mera memorização de conteúdos, em detrimento do desenvolvimento de habilidades e competências cruciais para a abordagem interdisciplinar dos desafios do nosso tempo. Talvez se possa retrucar que questões de múltipla escolha bem formuladas evitariam tal risco. Porém, tendo em vista o que já foi dito até aqui, vale a pena debater como atenuar os efeitos colaterais de um remédio que, de qualquer forma, já não proporciona nenhum benefício ao organismo?
Na esperança de que as razões para adotar tais práticas de avaliação sejam melhores do que as razões que expusemos para repudiá-las e assim sejamos resgatados de nossa lamentável ignorância, aguardamos uma resposta dos gestores competentes.
Santarém, junho de 2011.
Assinam: Prof. Msc. Fabio Carvalho (CFI), Profa. Msc. Márcia Saraiva (CFI), Prof. Dr. Ricardo Scoles (CFI), Prof. Msc. Nelcilene Palhano (CFI), Profa. Msc. Myriam Barboza (CFI), Prof. Msc. Gilberto César Lopez Rodrigues (ICED), Prof. Msc. Luiz Fernando de França (ICED), Prof. Msc. Everaldo Portela Portela (ICED), Prof. Msc. Enilson da Silva Sousa (ICED), Profa. Msc. Edna Marzitelli (ICED), Prof. Dr. Helio Moreira (ICS), Profa. Msc. Maria Betanha C. Barbosa (ICED), Profa. Dra.Marlene Escher (ICS), Prof. Msc. Aguinaldo Rodrigues Gomes (ICED), Prof. Dr. Amadeu Farias Cavalcante Junior (ICS), Prof. Dr. Florencio Vaz (ICS), Prof. Dr. Gilson Costa (ICS), Profa. Esp. Socorro Bergeron Lago (ICS), Prof. Dr. Domingos Luiz Wanderley Picanço Diniz (Campus Oriximiná), Profa. Dra. Siany da Silva Liberal (Campus Oriximiná), Prof. Dr. Ademir Terra (ICED), Prof. Msc. Enéias Barbosa Guedes (ICED), Prof. Msc. Frederico dos Santos Gradelha (ICED), Prof. Msc. Everaldo Almeida do Carmo (ICED), Prof. Msc. Mário Júnior C. Amaral (ICED), Prof. Dr. Ulisses Maciel (ICED).