Na última hora, relator aceita sugestão do senador Roberto Requião para permitir o pagamento pela terra nua também com Títulos da Dívida Agrária. De acordo com ele, mecanismo pode viabilizar pacificação de conflitos. Projeto agora vai à Câmara
O plenário do Senado
aprovou, na noite de ontem (8/9), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
71/2011, que prevê a indenização pela terra nua a proprietários rurais com
áreas incidentes em Terras Indígenas (TIs). O projeto foi aprovado por
unanimidade, em dois turnos, um logo após do outro e, de forma incomum, com
apenas alguns minutos de diferença. A proposta segue agora para a Câmara.
Segundo o texto aprovado,
somente serão alvo da indenização áreas sobrepostas a TIs homologadas após 5 de
outubro de 2013 e poderá receber a compensação quem tiver títulos válidos
obtidos de “boa-fé”. O pagamento deverá ser feito antes de o produtor rural
deixar a terra, ainda de acordo com o projeto votado pelos senadores. Hoje, a
Constituição determina a indenização apenas pelas benfeitorias.
Na última
hora, já em plenário, o relator Blairo Maggi (PR-MT) acatou a sugestão de
Roberto Requião (PMDB-PR) para incluir no projeto a possibilidade de
indenização também por Títulos da Dívida Agrária (TDA), se for de interesse do
beneficiado, além do pagamento em dinheiro (veja
abaixo texto completo aprovado). A aposta de Requião é que o
mecanismo poderá viabilizar as indenizações. O senador listou as vantagens do
uso do TDA, como sua aceitação pelo mercado e dispensa de cobrança de imposto
de renda.
“Na grande maioria dos
casos, não haverá oposição, desde que consigamos chegar a um preço justo pela
terra. Os produtores relutam a sair porque não podem deixar para trás 20, 30,
40 anos de trabalho sem um centavo, sem seu patrimônio”, afirmou Maggi.
A PEC havia sido aprovada
na CCJ em março, mas recebeu quatro emendas de plenário e voltou à comissão na
última semana. Maggi apresentou então um novo texto, incluindo trechos das
emendas.
A maioria dos senadores
concordou que a aprovação da PEC pode ser um passo importante para a
pacificação dos conflitos de terra. O projeto foi aprovado na CCJ, na semana
passada, depois que o indígena Simião Vilhalva Guarani Kaiowa foi assassinado
por fazendeiros, no município de Antônio João, no sul do Mato Grosso do Sul, no
sábado retrasado (29/8) (saiba mais). A aprovação da PEC foi articulada diretamente pelos três
senadores do estado: Delcídio Amaral (PT), Waldemir Moka (PMDB) e Simone Tebet
(PMDB).
Câmara
O desafio, agora, será
aprovar o projeto na Câmara. Lá, os ruralistas seguem pressionando o governo a
alterar os procedimentos de demarcação das TIs com o objetivo de pará-los. O
principal cavalo-de-batalha é a PEC 215, que tramita na casa e pretende
transferir do Executivo ao Congresso a atribuição de aprovar a demarcação de
TIs, além de permitir a realização de empreendimentos de impacto
socioambiental, como hidrelétricas e agricultura de escala. Se aprovada,
significará na prática a paralisação definitiva da oficialização de TIs, Unidades
de Conservação e Quilombos.
“Acho que a PEC 71 deveria
servir de cláusula de contenção à PEC 215, esta, sim, uma ameaça aos direitos
dos povos indígenas”, afirmou Randolfe Rodrigues (PSOL). Outros parlamentares,
como Lindbergh Farias (PT-RJ), João Capiberibe (PSB-AP), Delcídio Amaral e
Telmário Mota (PDT-RR) também afirmaram que a tendência é que a PEC 215 perca
força. Há algumas semanas, 48 senadores divulgaram um manifesto contrário à
proposta, o que já havia reduzido bastante suas chances de aprovação (leia mais).
“O presidente da CNA
[Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil], João Martins, entende que a
medida traz segurança jurídica ao produtor rural e, também, às comunidades
indígenas, facilitando o fim dos conflitos e estabelecendo o diálogo entre as
partes”, publicou o site da CNA.
“A proposta é muito mais
alinhada com o que a Constituição estabeleceu e com a realidade de alguns
estados que não têm terras devolutas, mas tituladas. O projeto avança,
distensiona o campo”, argumentou Delcídio.
“Ao invés de expropriação,
será desapropriação. Estamos falando de gente que tem o título da terra. Não
estamos falando de grileiro nem de invasor. Que fique claro. Num primeiro
momento, tenho certeza que a Câmara vai receber e sentir que pela primeira vez
o governo tem uma ferramenta para indenização. Tenho certeza que essa PEC
caminha para resolver de forma real o problema, uma ferramenta para promover a
justiça entre povos indígenas e produtores rurais”, finalizou Waldemir Moka.
Veja
como ficou o texto final da PEC 71:
As Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição
Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O § 6º do art. 231
da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 231.
............................................................
§ 6º São nulos e extintos,
não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o
domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das
riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado
relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar,
não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a
União, salvo quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé e o valor
da terra nua e as benfeitorias nas hipóteses ressalvadas expressamente nesta
Constituição.
Art. 2º O Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte
art. 67-A:
“Art. 67-A. A União
responderá, nos termos da lei civil, pelos danos causados aos detentores de
boa-fé de títulos de domínio regularmente expedidos pelo Poder Público
relativos a áreas declaradas, a qualquer tempo, como tradicionalmente ocupadas
pelos índios e homologadas a partir de 5 de outubro de 2013.
Parágrafo único. Serão
indenizados previamente em dinheiro, ou em Títulos da Dívida Agrária, se for do
interesse do beneficiário da indenização, e de forma justa os danos decorrentes
da responsabilidade a que se refere o caput deste artigo, cujos cálculos serão
realizados com base no valor da terra nua e das benfeitorias necessárias e
úteis realizadas, mas não serão reparados se a posse atual for injusta e de
má-fé.’”
Art. 3º Esta Emenda à
Constituição entra em vigor na data de sua publicação.
Sala da Comissão,
Presidente
Relator
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