Suspensão de Instrução Normativa do Incra seria
exigência da ministra ruralista Kátia Abreu
Nos últimos dias, alguns veículos de imprensa tem destacado a notícia da decisão da Casa Civil do governo Dima
Rousseff, comandada pelo ministro Aluízio Mercadante, de revogar a Instrução Normativa (IN) n° 83/2015 do Incra.
A pressão pela suspensão da medida teria partido
da Ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que por meio de um Aviso Ministerial
direcionado a Mercadante, teria exigido a derrubada da instrução.
O ministro da Casa Civil imediatante teria
determinado a Advocacia-Geral da União a suspensão da IN, o que teria se
efetivado:
A norma foi suspensa na última terça-feira (1º), segundo a
AGU, porque não tinha "base legal", isto é, não estava prevista em
nenhuma lei. No despacho, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams,
escreveu que a norma não tinha qualquer "amparo legal, nem muito menos
constitucional". A instrução, assinalou, "fixa fórmula inovadora de
desapropriação por instrumento normativo inadequado", revela.trecho de matéria do sítio G1.
Publicada no início de agosto no Diário Oficial da
União, a instrução do Incra trata dos procedimentos administrativos a serem
adotados pelas Superintendências Regionais (SRs) do Incra para a obtenção de
imóveis rurais com o objetivo de criação de projetos de assentamentos de
reforma agrária por meio de processos de desapropriação. A desapropriação para
fins de reforma agrária foi estabelecida na Constituição de 1988 como uma
sanção para os proprietários de imóveis rurais que não cumprem a função social
da propriedade, nos artigos 5°, 185 e 186.
O artigo 3° da IN do Incra define:
Art. 3º – Definidas as áreas de
atuação, a SR(00)T procederá à identificação prévia dos imóveis rurais de
interesse para incorporação ao programa de reforma agrária, observadas as
seguintes diretrizes:
II – os imóveis constantes no Cadastro
de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de
escravo de que trata a Portaria Interministerial MTE/SEDH nº 2, de 31 de março
de 2015;
III
– os imóveis indicados pelas entidades estaduais representativas de
trabalhadores rurais e agricultores, nos termos do art. 1º do Decreto 2.250, de
11 de junho de 1997;
IV
– as terras públicas, desde que apresentem viabilidade, terão prioridade na
destinação para a implantação de projetos de assentamento;
V
– priorização das vistorias dos imóveis de maior dimensão e os ofertados para a
compra e venda de que trata o Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992;
A inclusão dos imóveis onde o Ministério do Trabalho tenha verificado que os proprietários
mantinham trabalhadores em condições análogas a escravidão entre aqueles
passíveis de fiscalização da função social pelo Incra e estabelecem os
procedimentos administrativos a serem tomados neste caso seriam o centro do
questionamento do Ministério da Agricultura, da Casa Civil e da AGU.
Na quarta-feira, 09 de setembro, o Ministro do
Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, publicou artigo no jornal O Globo com
o título “Pra fazer valer a Lei Áurea”, em que defende a medida. Ananias chegou a
afirmar no início do artigo que a fiscalização da função social de imóveis era
uma política de governo, ignorando completamente as pressões e movimentações
que setores do próprio governo Dilma fazem publicamente para revogar a medida.
No texto, o ministro faz uma defesa da instrução e
explica que não se trata de expropriação, prevista constitucionalmente pelo
artigo n° 243, incluindo desde a Emenda Constitucional n° 81 de 2014 e ainda
carente de regulamentação, e sim de desapropriação, assunto que já teria amplo
escopo constitucional e na legislação complementar. A seguir, trecho do artigo:
Declarar o princípio da dignidade humana e da
valorização do trabalho (artigos 1º e 7º) só faz sentido prático se acompanhado
de punição. A Carta Magna fez esta previsão: a desapropriação mediante
indenização pelo descumprimento da função social (artigo 184) ou mesmo a
expropriação sumária sem qualquer indenização (artigo 243).
O segundo mecanismo, o da expropriação sumária de
áreas onde forem localizadas a exploração de trabalho escravo, é mais recente
(EC 81/2014). Fruto de ampla mobilização da sociedade civil, já enfadada da
persistência anacrônica da casa-grande, ainda carece de regulamentação pelo
Parlamento.
Já o primeiro mecanismo, que prevê a
desapropriação-sanção, está regulamentado pela lei 8629/93 e é aplicado pelo
Incra há décadas. Alguns, porém, insistem no argumento de que, caso o imóvel
rural seja “produtivo”, mesmo mantendo trabalho escravo, estaria imune à
desapropriação, pois propriedades produtivas seriam insuscetíveis de
desapropriação (artigo 185).
Ora, como postulou o ex-ministro do Supremo
Tribunal Federal Eros Grau, a Constituição “não se interpreta em tiras, aos
pedaços”, mas como um texto indissociável, na busca de uma sociedade justa,
livre e solidária. Nesse sentido, desde 2005, com base em parecer de unidades
setoriais da Advocacia-Geral da União, o governo federal interpreta que
“imóveis produtivos” devem respeitar o patamar ético e humano, pois o centro do
direito não é a produtividade, mas o ser humano.
Essa rápida argumentação acima é que sustenta a
Instrução Normativa (IN) 83, do Incra, cuja aplicação tem sido questionada. E a
base para essa norma é o cumprimento integral da função social da propriedade
(artigo 5) nos componentes econômico, ambiental, trabalhista e de bem-estar.
A IN 83 apenas adotou o procedimento de utilizar
como “prova emprestada” os autos completos do Cadastro de Empregadores que
tenham mantido trabalhadores em condições análogas à escravidão, nada mais. Com
isso, o Incra visa diminuir o tempo e os recursos em processos de
desapropriação para reforma agrária por trabalho escravo. Como ser contra?
Em comunicado interno divulgado para os servidores
da autarquia, o Incra informou que até o momento desconhece a suspensão da
medida:
Esclarecimentos
sobre a Instrução Normativa Incra 83/2015
Diante de notícias veiculadas dando conta de que a
Advocacia-Geral a União (AGU) teria suspendida a Instrução Normativa Incra nº
83/2015, a direção da Autarquia informa aos servidores que solicitou mais
esclarecimentos ao órgão, e até que eles sejam prestados e ulterior
deliberação, a Norma deve ser considerada vigente para todos os efeitos.
Outrossim, esclarece que apenas o seu Art. 3º, III, e Arts.
11 a 14, que disciplinam o procedimento de fiscalização da função social dos
imóveis na dimensão trabalhista, estão sendo objeto de discussão, não havendo
qualquer questionamento em face dos demais dispositivos da Norma.