sábado, 12 de setembro de 2015

MDA e Incra defendem manutenção de medida que prevê desapropriação de imóveis com trabalho escravo

Suspensão de Instrução Normativa do Incra seria exigência da ministra ruralista Kátia Abreu

Nos últimos dias, alguns veículos de imprensa tem destacado a notícia  da decisão da Casa Civil do governo Dima Rousseff, comandada pelo ministro Aluízio Mercadante, de revogar a Instrução Normativa (IN) n° 83/2015 do Incra.

A pressão pela suspensão da medida teria partido da Ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que por meio de um Aviso Ministerial direcionado a Mercadante, teria exigido a derrubada da instrução.

O ministro da Casa Civil imediatante teria determinado a Advocacia-Geral da União a suspensão da IN, o que teria se efetivado:

A norma foi suspensa na última terça-feira (1º), segundo a AGU, porque não tinha "base legal", isto é, não estava prevista em nenhuma lei. No despacho, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, escreveu que a norma não tinha qualquer "amparo legal, nem muito menos constitucional". A instrução, assinalou, "fixa fórmula inovadora de desapropriação por instrumento normativo inadequado", revela.trecho de matéria do sítio G1.

Publicada no início de agosto no Diário Oficial da União, a instrução do Incra trata dos procedimentos administrativos a serem adotados pelas Superintendências Regionais (SRs) do Incra para a obtenção de imóveis rurais com o objetivo de criação de projetos de assentamentos de reforma agrária por meio de processos de desapropriação. A desapropriação para fins de reforma agrária foi estabelecida na Constituição de 1988 como uma sanção para os proprietários de imóveis rurais que não cumprem a função social da propriedade, nos artigos 5°, 185 e 186.

O artigo 3° da IN do Incra define:

Art. 3º – Definidas as áreas de atuação, a SR(00)T procederá à identificação prévia dos imóveis rurais de interesse para incorporação ao programa de reforma agrária, observadas as seguintes diretrizes:
I – indicativos de descumprimento da função social;
II – os imóveis constantes no Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo de que trata a Portaria Interministerial MTE/SEDH nº 2, de 31 de março de 2015;
III – os imóveis indicados pelas entidades estaduais representativas de trabalhadores rurais e agricultores, nos termos do art. 1º do Decreto 2.250, de 11 de junho de 1997;
IV – as terras públicas, desde que apresentem viabilidade, terão prioridade na destinação para a implantação de projetos de assentamento;
V – priorização das vistorias dos imóveis de maior dimensão e os ofertados para a compra e venda de que trata o Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992;
VI – localização em área de influência de outros assentamentos e de centros consumidores.

A inclusão dos imóveis onde o Ministério do Trabalho tenha verificado que os proprietários mantinham trabalhadores em condições análogas a escravidão entre aqueles passíveis de fiscalização da função social pelo Incra e estabelecem os procedimentos administrativos a serem tomados neste caso seriam o centro do questionamento do Ministério da Agricultura, da Casa Civil e da AGU.

Na quarta-feira, 09 de setembro, o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, publicou artigo no jornal O Globo com o título  “Pra fazer valer a Lei Áurea”,  em que defende a medida. Ananias chegou a afirmar no início do artigo que a fiscalização da função social de imóveis era uma política de governo, ignorando completamente as pressões e movimentações que setores do próprio governo Dilma fazem publicamente para revogar a medida.

No texto, o ministro faz uma defesa da instrução e explica que não se trata de expropriação, prevista constitucionalmente pelo artigo n° 243, incluindo desde a Emenda Constitucional n° 81 de 2014 e ainda carente de regulamentação, e sim de desapropriação, assunto que já teria amplo escopo constitucional e na legislação complementar. A seguir, trecho do artigo:

Declarar o princípio da dignidade humana e da valorização do trabalho (artigos 1º e 7º) só faz sentido prático se acompanhado de punição. A Carta Magna fez esta previsão: a desapropriação mediante indenização pelo descumprimento da função social (artigo 184) ou mesmo a expropriação sumária sem qualquer indenização (artigo 243).

O segundo mecanismo, o da expropriação sumária de áreas onde forem localizadas a exploração de trabalho escravo, é mais recente (EC 81/2014). Fruto de ampla mobilização da sociedade civil, já enfadada da persistência anacrônica da casa-grande, ainda carece de regulamentação pelo Parlamento.

Já o primeiro mecanismo, que prevê a desapropriação-sanção, está regulamentado pela lei 8629/93 e é aplicado pelo Incra há décadas. Alguns, porém, insistem no argumento de que, caso o imóvel rural seja “produtivo”, mesmo mantendo trabalho escravo, estaria imune à desapropriação, pois propriedades produtivas seriam insuscetíveis de desapropriação (artigo 185).

Ora, como postulou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau, a Constituição “não se interpreta em tiras, aos pedaços”, mas como um texto indissociável, na busca de uma sociedade justa, livre e solidária. Nesse sentido, desde 2005, com base em parecer de unidades setoriais da Advocacia-Geral da União, o governo federal interpreta que “imóveis produtivos” devem respeitar o patamar ético e humano, pois o centro do direito não é a produtividade, mas o ser humano.

Essa rápida argumentação acima é que sustenta a Instrução Normativa (IN) 83, do Incra, cuja aplicação tem sido questionada. E a base para essa norma é o cumprimento integral da função social da propriedade (artigo 5) nos componentes econômico, ambiental, trabalhista e de bem-estar.

A IN 83 apenas adotou o procedimento de utilizar como “prova emprestada” os autos completos do Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à escravidão, nada mais. Com isso, o Incra visa diminuir o tempo e os recursos em processos de desapropriação para reforma agrária por trabalho escravo. Como ser contra?

Em comunicado interno divulgado para os servidores da autarquia, o Incra informou que até o momento desconhece a suspensão da medida:

Esclarecimentos sobre a Instrução Normativa Incra 83/2015
Diante de notícias veiculadas dando conta de que a Advocacia-Geral a União (AGU) teria suspendida a Instrução Normativa Incra nº 83/2015, a direção da Autarquia informa aos servidores que solicitou mais esclarecimentos ao órgão, e até que eles sejam prestados e ulterior deliberação, a Norma deve ser considerada vigente para todos os efeitos.

Outrossim, esclarece que apenas o seu Art. 3º, III, e Arts. 11 a 14, que disciplinam o procedimento de fiscalização da função social dos imóveis na dimensão trabalhista, estão sendo objeto de discussão, não havendo qualquer questionamento em face dos demais dispositivos da Norma.
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