Neste
exato instante, a cidade de Humaitá – AM, vive um intenso conflito. Como de
costume, praticamente toda a informação a respeito desta situação disponível na
internet e nos meios de comunicação não dão conta de sua complexidade e
tampouco explicitam o pano de fundo e as motivações dos fatos que se
desenrolam. Primeiro acompanhe uma breve cronologia dos fatos que levaram a
conflagração de um conflito de imensas proporções:
Violência anti-indígena em Humaitá: multidão incendeia Funai, barcos e carros, e indígenas estão abrigados no batalhão do Exército
Nos
últimos dias os Tenharim foram surpreendidos com a controversa morte de seu
cacique Ivan Tenharim. Ele foi encontrado desacordado e ferido próximo à
Transamazônica, foi levado ao hospital e não resistiu. As causas de sua morte
ainda não foram averiguadas o que tem gerado profunda indignação entre os
indígenas, já acostumados com o descaso do governo brasileiro em relação às
suas questões. Após esta fatalidade, uma sucessão de fatos igualmente estranhos
levaram a um conflito sem precedentes na cidade de Humaitá.
Correm
rumores do desaparecimento, desde o dia 16.12.2013, de 03 homens no KM 123 no
trecho da BR – Transamazônica, que atravessa a Terra Indígena Tenharim. Um
servidor da FUNAI conversou com as lideranças indígenas repassando a eles o que
estava acontecendo na cidade e as acusações que pesavam contra eles. Nas duas
vezes os índios negaram qualquer envolvimento sobre os desaparecidos e ainda
disseram que as aldeias estavam abertas para averiguação, buscas e investigação
por parte da Policia Federal ou do Exercito.
A
população saiu às ruas exigindo maior participação da PF para a busca e
localização dos desaparecidos que, segundo eles, encontram-se na TI dos
Tenharins. Porém, ao invés de um protesto legítimo, o que de fato está
ocorrendo é um estado de terror, possivelmente financiado pelos madeireiros,
uma vez que muitas vezes, órgãos como a FUNAI e FUNASA se colocam como
empecilhos aos interesses escusos desses.
Há
dois dias servidores da FUNAI e a população de Humaitá, extremo sul do
Amazonas, pedem apoio e ajuda da Polícia Federal para conter as ações dos
populares que, sem nenhum impedimento, já atearam fogo em carros, barcos e no
prédio da FUNAI e da FUNASA entre os dias 25 e 26/12/13. 11 carros e 2 barcos
das FUNAI foram queimados, assim como sua sede, a Casa do Índio e a Casa da
Saúde do Índio – todas engolidas pelas chamas e saqueadas sem que a Polícia
Militar impedisse.
Esta
ação coloca em risco a vida de diversos moradores da cidade que residem
próximos aos locais incendiados, dos servidores da FUNAI que neste momento se
encontram escondidos em casas de conhecidos, temendo possíveis ataques dos
manifestantes e de diversos indígenas da etnia Tenharim.
É
importante sabermos que esse conflito oculta interesses econômicos e políticos
disfarçados de comoção popular legítima. Não se trata apenas de 3 pessoas
desaparecidas, mas sim de um longo conflito entre cultura
ocidental/civilizatória/desenvolvimentista contra a existência indígena que,
objetivamente, dificulta ou atrasa a realização de interesses do modo de
produção capitalista. O agronegócio agradece a cada vez que indígenas se
enfraquecem.
Humaitá
é uma zona de intensos conflitos com madeireiros que procuram extrair
ilegalmente madeira de áreas protegidas (ou terras indígenas) para
comercializá-las. São esses mesmos madeireiros que possuem o poder econômico (e
portanto político) na região e, como sabemos, conseguem fazer com que seus
interesses sejam levados a cabo. Há indícios de que justamente esses indivíduos
estejam se aproveitando da comoção popular para ‘patrocinar’ o caos, do qual se
beneficiam, acirrando o ódio e incendiando os ânimos –assim os manifestantes
(que tem sua razão para estarem insatisfeitos) são utilizados como massa de
manobra para favorecer interesses de uma elite. Afirma-se até que boa parte da
gasolina que vem sendo utilizada aos montes esteja sendo paga por eles ou seus
representantes, que não concordam, entre outras coisas, com os pedágios das
terras indígenas, e se organizam para combatê-los com todo o tipo de recurso.
A
Polícia Militar e a Polícia Federal, compactuando com esse ódio étnico, vêm
sendo claramente negligentes, afirmando até mesmo que não é a primeira vez que
os índios ‘causam’ uma situação como essa, e que até mesmo merecem a represália
que vêm sofrendo. Desde que o cacique Ivan foi morto, há mais de 15 dias, a PF
nem mesmo foi até a TI averiguar, simplesmente deixando a coisa acontecer; eles
se mexeram apenas quando desapareceram homens brancos.
O
Estado brasileiro está sendo conivente; índios, cidadãos e servidores da FUNAI
estão em perigo e não são tomadas as medidas necessárias para divulgar
corretamente o que ocorre e conter a violência que se alastra de maneira
completamente irresponsável. Até as 14h30 de hoje, não havia aparecido sequer
uma viatura da PM para fazer prontidão à porta da FUNAI; dezenas de pessoas
mexeram na cena do crime, tiraram fotos e pegaram o que quiseram do local, e
após quase um dia inteiro de distúrbios é que a polícia decide comparecer ao
local.
Não
se trata de defender ou atacar indígenas, mas de denunciar a negligência do
Estado e dos meios de comunicação brasileiros, prontos à defender os interesses
daqueles que os mantém: industriais, fazendeiros e a burguesia, passando
por cima de populações desfavorecidas e/ou marginalizadas.
Precisamos
furar esse bloqueio midiático e pressionar o Estado para que haja rapidamente;
centenas de indígenas estão ameaçados apenas por serem indígenas e muitos deles
estão sendo conduzidos ao Batalhão de Infantaria do Exército para que possam
ser protegidos. Servidores da FUNAI têm sua vida em risco por serem
identificados como protetores dos índios. Por favor, passe esse texto adiante,
divulgue essa situação, entre em contato com quaisquer pessoas que você
conhecer e que possam ajudar a mobilizar esforços para reverter essa situação
calamitosa em curso. Temos que colocar isso a limpo e no foco das notícias.
A
vida de amigos meus está em risco nesse exato instante. Contamos com toda
ajuda.
*Publicado no blog Combate ao Racismo Ambiental