Esta quinta-feira (16), último
dia do Acampamento Terra Livre, que começou em Brasília (DF) na segunda-feira,
foi marcada por duas sessões solenes, uma na Câmara e outra no Senado, em
homenagem ao Dia do Índio. Dispostos a dialogar com os parlamentares das casas
onde tramitam propostas legislativas que atacam seus direitos, os indígenas
passaram por vários constrangimentos.
Pela manhã, na Câmara, apenas
180 indígenas do Acampamento Terra Livre (ATL) foram autorizados pela mesa
diretora da Câmara Federal a participar da sessão no Plenário Ulysses
Guimarães. A expectativa era a de que entrassem pelo menos 700 indígenas no
Plenário, número que foi reduzido, nas negociações, para 500. Na rampa de
entrada para o Congresso, o grupo foi barrado por força policial e dividido em
delegações – o que levou muitos a retornar ao acampamento, indignados com o
tratamento que receberam naquela que é conhecida como a Casa do Povo.
A sessão teve início, às
10h, com dois outros episódios constrangedores. A ausência do presidente da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), e a censura a um filme sobre as lutas dos
povos em Brasília que seria exibido no início da homenagem. Preparado pela Mobilização
Nacional Indígena, o documentário trata da PEC 215, razão pela qual acabou
censurado.
Apesar de terem iniciado a
sessão com cantos e danças dos povos Pataxó Hãhãhãe, Kayapó, Munduruku e
Guajajara – logo após a execução do Hino Nacional –, os indígenas não foram tão
privilegiados quanto os parlamentares na distribuição das falas.
Sonia Guajajara reconheceu
em seu discurso a importância da sessão como um ato democrático, mas criticou
de pronto o fato de haver tanto preconceito contra os indígenas na Casa. “Não
entendemos por que querem nos invisibilizar. Por que o acordo com aqueles que
matam, destroem, roubam? Não podemos permitir que o agronegócio e o capitalismo
sejam maiores que a vida. Pedimos respeito aos nossos familiares”, criticou,
lembrando que outros projetos anti-indígenas, como o PLP 227/2012 e o PL
1610/96, tramitam na Câmara e no Senado.
O cacique Raoni Metuktire,
que, junto com Sonia, era a única liderança a compor a mesa da sessão, pediu
que a Casa continue aberta aos indígenas, como aconteceu durante a
Constituinte. “Hoje em dia os deputados só querem fazer esses projetos de lei
que afetam os indígenas e quilombolas. Eu não aceito esse projeto de lei da PEC
215”, discursou a liderança Kayapó, acompanhado de um tradutor de seu povo.
Alguns deputados destacaram
a importância de uma sessão de homenagem aos povos indígenas, depois de a
Câmara ter se fechado aos indígenas tantas vezes. Outros afirmaram que a Casa
não fazia mais que sua obrigação e que uma concessão de fato seria o arquivamento
da PEC, lembrando que tramitam na Câmara apenas dois projetos legislativos
favoráveis aos direitos indígenas. Poucos parlamentares participaram da sessão;
quase todos membros da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, que vestiram a camiseta da Mobilização Nacional Indígena com os dizeres
“PEC 215 Não”.
João Tapajós, do Pará,
reclamou da restrição ao tempo de fala dos representantes indígenas por região;
Davi Kopenawa, xamã do povo yanomami completou: “O branco não deixa falar muito.
Ele não quer resolver, por isso que ele não quer deixar liderança falar a
verdade”.
Kopenawa foi um dos últimos
a falar ao plenário, já quase esvaziado: “Essa casa é a casa da cobra grande. A
cobra grande está aqui. Nós queremos matar essa cobra grande; matar, queimar e
enterrar para não nascer mais aqui. Fizeram essa lei, sem consulta com ninguém,
para matar o nosso povo”. Já o cacique Aritana Yawalapiti, do Xingu,
determinou: “Para mim essa PEC já morreu”.
Neguinho Truká pediu que os
parlamentares deem menos atenção à PEC desengavetem a tramitação do Estatuto do
Índio: “Caso contrário, nós estaremos só nos manifestando e vindo aqui em atos
solenes”, frisou. A liderança, que lembrou as demandas dos povos de todos os
estados do nordeste, foi duro: “Quando ocupamos essa casa em 2013, ouvimos do
presidente que essa era uma casa inviolável. Inviolável é o direito do povo
brasileiro, que tem sido negociado aqui dentro. Nós vamos fechar estradas,
derrubar torres, ocupar hidrelétricas!”.
Apesar da humilhação na
Câmara, Lindomar Terena avalia que foi importante ver os
parlamentares afirmando o compromisso com os povos indígenas. No nosso
entendimento, isso supera o que a gente passou. A nossa expectativa é
que de fato essas coisas sejam colocadas em prática”.
“Não é festa, é cobrança”
No Senado, foi a vez de
objetos sagrados, como mbarakás, serem barrados. Os indígenas que se
dirigiram ao Plenário para a sessão que começaria às 15h foram obrigados a
deixá-los no saguão de entrada do Senado. “O mbaraká [chocalho sagrado] é
a fala de ñanderu!”, bradou o cacique Tito Vilhalva, liderança guarani
kaiowá. Depois de pressão do movimento indígena, os mbaraká foram liberados.
No início da sessão, aos
gritos de “Demarcação já!”, os indígenas demonstraram que não aceitaram o
convite para festejar, mas sim para pressionar ainda mais os parlamentares. O
presidente Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), assim como Cunha, também não
esteve presente na sessão.
Um dos primeiros a falar,
senador Vicentinho Alves (PR/TO),discursou sobre sua proposta de criação da
Secretaria Nacional dos Povos Indígenas, que já está com parecer favorável na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A proposta foi imediatamente
refutada por Sônia Guajajara, reiterando o caráter arbitrário da política, que
não levou em consideração a representatividade dos povos indígenas na sua
constituição. “Gostaria que Vossa Excelência, em um ato de simplicidade,
retirasse a proposta. A Secretaria sequer foi discutida com as nossas
organizações e nossas base”, discursou Neguinho Truká.
Sonia lembrou que os
indígenas foram barrados ao entrarem na Câmara dos Deputados mais cedo, ainda
que tivessem autorização, e apontou para o fato que estão dispostos a dialogar
com os parlamentares, mas estão atentos para as suas manobras políticas: “A gente
vem, fala e escuta, mas nem sempre deve confiar. Eles falam pra gente uma coisa
e agem contra os nossos interesses”.
Sonia faz referência à reunião no
final do dia de ontem (15) entre o senador do PSDB, Aécio Neves, com
Marina Silva, em que afirmou seu compromisso de ser contra a PEC 215/00,
mas no mesmo dia votou contra os interesses dos povos indígenas na votação
do PL 7335/14, que trata do conhecimento tradicional e do patrimônio genético. “O
PL foi aprovado na Câmara sem o nosso conhecimento, articulado e construído com
o setor empresarial. Ontem no Senado foi justamente o voto do senador Aécio
Neves que fez a diferença para aprovação do texto sem as nossas considerações”, ressaltou.
Flávio Chiarelli, presidente
da Funai, lembrou do relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em
dezembro do ano passado, em que foram denunciadas as mortes de mais de 8000
indígenas no período da Ditadura Militar. “Não podemos repetir
erros do passado. A Funai foi criada sob uma lógica integracionista e
assistencialista com o seguinte pensamento: ‘vamos acabar com os povos
indígenas; enquanto não acabamos, oferecemos uma esmolinha aqui, outra ali,
confinando em pequenos pedaços de terra‘”.
Após a fala do presidente do
órgão, Pirakumã Yawalapiti disse que a Funai precisa ser fortalecida mas não
deixou de cobrar o presidente: “A Funai sumiu, toda administração está
sucateada e não tem recursos. Nós temos que levantar a Funai. O que
tem dentro da Funai é patrimônio indígena. O presidente da Funai não tem mais
força porque não visita a gente. Quem pode dar força ao presidente são os
povos indígenas”.
No Senado, Neguinho
Truká cobrou que os parlamentares presentes não se limitem a fazer
alterações no texto da PEC 215, mas que barrem a proposta, e foi
ovacionado pelas lideranças indígenas presentes: “Mataram a gente com a Bíblia
e com a espada, e hoje matam com leis”, denunciou. Davi Kopenawa fazendo coro
ao parente Truká disse que é preciso destruir a PEC 215: “Eu não quero morrer
outra vez como morremos 500 anos atrás”.
Fonte: Mobilização Nacional
Indígena 2015
Leia
também:
Acompanhe outras notícias da mobilização da Semana da
Mobilização Nacional Indígena AQUI.
Leia
outras notícias correlatas publicadas ao longo desta semana:
10-14 de abril
Semana Nacional de Mobilização: “Povos indígenas estão vivos e unidos”
(Observatório da Sociedade Civil)
Um rio de urucum flui sobre Brasília (Farofafá/ Carta Capital)
Contra o marco temporal: a legalização na democracia do genocídio dos povos indígenas durante a ditadura (Índio é Nós)
Quilombolas do Baixo Amazonas apoiam o Acampamento Terra Livre
(Comissão Pró-Índio)
A “Marcha do Progresso” e os Tikmu’um
(Outras Palavras/Carta Capital)
15 de abril
Índios protestam contra PEC que transfere demarcação de terras para o Congresso (Agência Brasil – EBC via Notícias da Amazônia)
Indígenas mobilizados contra as hidrelétricas
(Greenpeace)
A marcha dos invisíveis
(Farofafá/Carta Capital)
16 de abril
Críticas à PEC sobre demarcação de terras marcam sessão na Câmara em homenagem ao Dia do Índio (O Globo)
Indígenas
reafirmam a presidente da Câmara que resistirão contra PEC 215(Mobilização
Nacional Indígena via Notícias da Amazônia)
Críticas à PEC sobre demarcação de terras marcam sessão na Câmara em homenagem ao Dia do Índio (O Globo)
Indígenas
reafirmam a presidente da Câmara que resistirão contra PEC 215(Mobilização
Nacional Indígena via Notícias da Amazônia)
‘Estamos vivos!': Povos índigenas ocupam o
Planalto Central (Revista Vai da Pé)