Ativistas, ambientalistas, professores, funcionários da Funai e
principalmente os indígenas do Povo Gavião se dizem revoltados e entristecidos
com os termos utilizados pelo juiz federal de Marabá, Bruno Teixeira de Castro,
na decisão em que ele manda os índios desobstruírem a Estrada de Ferro Carajás
(EFC), que teria sido ocupada por eles na última sexta-feira (17).
Além de afirmarem que a ferrovia não foi ocupada na altura da
Reserva Mãe Maria – o que poderia ser comprovado por meio de documento assinado
por autoridade policial e oficial de Justiça –, os indígenas se sentiram
ultrajados com alguns termos usados na sentença. O magistrado diz que eles
agiram com “torpeza”, “vilania” e “mesquinhez”.
Para que o leitor entenda o caso, desde o final do ano passado, os
indígenas cobram aumento no valor do dinheiro repassado pela Vale, para ações
de saúde, educação e atividades produtivas, em compensação pelo fato de que a
ferrovia Carajás passa por dentro da terra deles.
O convênio que versa sobre isso é o de número 333/90. Acontece que
durante as negociações, em 25 de fevereiro deste ano, os indígenas teriam
ocupado a ferrovia, o que levou a Vale a rescindir o contrato e deixar de
repassar qualquer recurso. Por isso, os indígenas fizeram novo protesto no
último dia 17.
Agora, com a decisão judicial em favor da Vale – utilizando termos
que desqualificam a causa indígena neste particular – o povo Gavião e a Funai
temem que a indefinição em relação ao caso se arraste por mais tempo.
No texto da decisão, a crítica que o magistrado faz aos indígenas
é quanto ao fato de eles não terem procurado os meios legais para obter os
direitos que buscam. Mas, ao invés disso, agiram de forma que contradiz o
Estado Democrático de Direito. “A atitude dos indígenas foge justamente da
sociabilidade que pauta o ordenamento jurídico pátrio”, afirma na sentença.
Em determinado trecho, o magistrado diz que “ao poder público cabe
o papel de incentivar a atividade empresarial, pois esta é a que gera riqueza
ao País”.
A comunidade indígena não consegue se conformar com afirmações
como esta. Em depoimento emocionado ainda na noite de sábado (18), data em que
a sentença do juiz foi prolatada, o cacique Zeca Gavião lembrou que seu povo
vivia feliz e tranquilo, ao seu modo, até que foram perturbados por ações que
vieram de fora, como a abertura da Ferrovia Carajás, que rasgou o coração da
aldeia. “Nunca pedimos para a Vale entrar nas nossas terras”, resumiu.
A mulher dele, a professora Concita Sompré, fazendo uma clara
alusão ao termo “mesquinhez”, usado pelo juiz na decisão, fez o seguinte
comentário: “Dizem que nós (indígenas) só estamos preocupados com dinheiro. Mas
e a Vale, está preocupada com o quê?”.
O professor Evandro Medeiros, da Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará (Unifesspa), observou que historicamente as decisões judiciais
têm sido pautadas no interesse das grandes empresas, em detrimento de povos
tradicionais, como os indígenas, e das chamadas minorias, como camponeses e
quilombolas.
Professora-doutora
diz que reintegração foi às avessas
O teor de parte da decisão do juiz federal chamou a atenção da
professora Celia Regina Congilio, doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e atualmente professora lotada na Unifesspa,
vinculada à Faculdade de Ciências Sociais do Araguaia Tocantins e ao Programa
de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia.
Na avaliação da professora, a decisão mostra apenas que mais uma
vez o Estado brasileiro, “por meio de um judiciário rendido ao grande capital”,
arbitra pelo privilégio do monopólio do uso da terra pela mineradora, ignorando
as necessidades das populações indígenas, usurpadas no direito fundamental e
originário de posse dos territórios em que milenarmente vivem e de onde tiram
seu sustento.
Congilio observa que as terras indígenas têm sido transformadas em
crateras para a mineração, alagadas pelas barragens que geram a energia
necessária para os empreendimentos minerários ou atravessadas pelos “trilhos da
morte que ceifam florestas e vidas”. “O uso da força policial para coibir tais
usurpações jamais foi arbitrado por nenhum juiz, mas rapidamente lançado contra
os que lutam unicamente contra as reiteradas violências que sofrem aqueles de
quem são retirados seus únicos meios de sobrevivência: a mata, a terra e os
rios”, critica Celia Congilio.
Ela entende que a sociedade paraense precisa se mobilizar por
outra concepção de progresso, cujo significado não seja a morte de culturas, de
histórias, natureza e identidades. “Que o progresso seja humano e não ceifador
de vidas! Que as riquezas que saem das entranhas da terra não tenham o lucro
por finalidade, mas, retiradas na medida necessária, sirvam para proporcionar
qualidade de vida às populações que aqui habitam”, conclama a professora.
Ela vai mais longe e alerta que a floresta e os rios preservados
são uma necessidade de toda a humanidade. “Somemos às resistências indígenas
pela sua defesa e aos indígenas em luta nesse momento, que lhes seja dado o que
é de direito: as justas indenizações pelo uso predatório das terras que lhes
pertencem e que, antes de serem usurpadas, garantiam a sua sobrevivência”,
argumenta.
Celia Congilio é também pesquisadora do Núcleo de Estudos de
Ideologias e Lutas Sociais (NEILS/PUC-SP) e também líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Mudança Social no Sudeste Paraense (GEPEMSSP). Atualmente ela
está em estágio de pós-doutoramento com o projeto Mineração na Amazônia:
Estado, Trabalho e Sociedade na Cadeia Produtiva do Aço, na Universidade
Estadual de São Paulo (USP) - Campus de Araraquara.
Documento oficial diz que ferrovia não foi ocupada
Na Certidão de Reintegração de Posse, a oficial de Justiça, Maria
José Ferreiras Alves de Freitas, relata que recebeu do delegado Viana, da
Polícia Federal, a informação de que ele, ao sobrevoar a área a ser
reintegrada, nas margens da ferrovia, “declarou que não havia sinais de invasão
dos indígenas”.
Inclusive, o delegado verificou que as composições ferroviárias
estavam trafegando normalmente pela linha férrea, de modo que ele achou
desnecessário acionar contingente da Polícia Militar para dar apoio à reintegração
de posse. Isso está escrito na certidão da própria Justiça Federal.
Em nota á Imprensa, a Vale explicou que o impedimento ou
perturbação das atividades da Estrada de Ferro Carajás podem gerar a
caracterização do crime de desastre ferroviário. Ou seja, somente a aglomeração
de pessoas nas proximidades da Vale poderia causar insegurança ferroviária, com
risco de acidente.
Mas, para Juliano Almeida, da Funai, não cabe essa alegação da
Vale, pois em vários trechos a Ferrovia de Carajás passa por áreas urbanas,
quase no quintal das pessoas, e isso nunca foi problema para a mineradora.
Fonte: Marabá Notícias