domingo, 19 de abril de 2015

Matando por Terras na Curva do Massacre

O "Sal da Terra" foi exibido na Curva do S, o exato lugar do Massacre de Eldorado dos Carajás

Por Felipe Milanez*

Hoje [17 de abril] é dia, e noite, de luta. No Brasil inteiro. Principalmente nos fronts, nas frentes, nas fronteiras onde os conflitos sociais estão mais latentes. Dia e noite de mobilização e vigília. Para a luta pela terra, contra o latifúndio, em memória dos companheiros que tombaram, em defesa dos direitos indígenas, em defesa dos direitos da classe trabalhadora.
No sul do Pará, próximo a Eldorado dos Carajás, o MST organiza o acampamento da juventude na Curva do S, o simbólico espaço da morte, da violência e truculência ruralista, transformado em espaço de resistência. Em 17 de abril de 1996, 19 militantes foram brutalmente assassinados ali – enquanto dezenas de outros saíram feridos, alguns gravemente e vieram a morrer em decorrência da ação da polícia. O crime ficou mundialmente conhecido como O Massacre de Eldorado dos Carajás – e eternizado nas fotografias que Sebastião Salgado realizou do funeral.

Ao longo dessa semana tão marcante na região, a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) está organizando o 1º Festival Internacional Amazônia de Cinema de Fronteira (FIA-Cinefront), que abriu na segunda-feira justamente com uma sessão do filme O Sal da Terra, de Juliano Ribeiro Salgado e Wim Wenders. O longa foi exibido no exato lugar do massacre, na Curva do S, em sessão absolutamente emocionante. Juliano, amigo que admiro muito, me enviou uma mensagem, desde o México, onde se encontra, para ser lida, na se dizia emocionado. “Não teria um lugar mais forte e simbólico do que a Curva do S” para passar o filme.

Evandro Medeiros, professor da Unifesspa e organizador e idealizador do festival, me convidou para ser o curador e disse que queria provocar debates. E temos conseguido. Tanto em Eldorado quanto no belo cinema Marrocos, uma sala vintage no centro antigo da cidade, e em Rondon do Pará. “A questão principal, e mais urgente, é a luta por Justiça”, disse ele em Rondon do Pará, onde mostramos o filme Ameaçados, de Júlia Mariano, e Toxic Amazônia, sobre a história do assassinato do casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo. Rondon do Pará é onde foi assassinado o brilhante líder sindical Dézinho (José Dutra da Costa, morto por um pistoleiro em 2000). O fazendeiro que ordenou o crime, um truculento sujeito conhecido como Delsão (Décio Nunes), foi condenado pelo júri popular um ano atrás, em 29 de abril de 2014, a 12 anos de prisão – e está em liberdade.

No público havia um companheiro de Dézinho, que recolheu seu corpo, um estudante filho de um companheiro de Dézinho, e um estudante que se apresentou como “filho de um latifundiário e neto de um madeireiro” e expôs a sua visão de mundo, calcada na luta de seu pai que chegou na Amazônia sem posses nenhuma. Nesse espaço, o debate de ideias fluiu tranquilamente, um no qual todos concordavam com a proposta inicial de Evandro: a luta por justiça. Talvez, em Rondon do Pará, fosse o caso de a elite e os grandes fazendeiros voltarem para a universidade.

Nesta quinta-feira 16, o MST faz uma longa vigília na Curva do S, onde, na amanhã de sexta-feira 17, ocorre um ato com a presença de autoridades, ministros, deputados.

Nesta quinta, vamos mostrar o filme Matando por Terras, de Adrian Cowell e Vicente Rios. Cowell, que faleceu em 2011, e Rios são os homenageados do festival, e também serão mostrados outros filmes que eles fizeram na região, como Montanhas de Ouro, sobre a Vale, e Barrados e Condenados, sobre a Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Matando Por Terras é um filme sobre o sangrento conflito por terras no sul do Pará, e o assassinato de diversos camponeses nos anos 1980. Os crimes retratados no filme – que terá apenas a sua terceira exibição no Brasil – continuam impunes. Informou o advogado da Comissão Pastoral da Terra, José Batista Afonso, que recentemente reabriu um dos casos para tentar levar a júri o fazendeiro responsável pelo assassinato do líder sindical Sebastião Pereira e seu filho Clésio. Eliane Brum escreveu um belo comentário sobre o filme, que pode ser lido aqui.

Vicente Rios estará presente na sessão na Curva do S, depois de mais de duas décadas sem voltar à região que registrou com precisão em sua câmera. Uma geração de jovens sem-terra que nasceram depois de 1996 estão lá aprendendo a história do massacre para que não seja esquecido. Eles vão ter a chance de aprender sobre outros massacres que aconteceram nos anos 1980 e, não tivessem sido registrado, também poderiam estar sendo esquecidos.

Hoje é um dia e noite de luta, dia e noite de solidariedade aos camponeses que lutam pela terra, e aos povos indígenas mobilizados no Brasil inteiro em defesa de seus direitos fundamentais: a terra e a Terra.

*Publicado originalmente no blog do Felipe Milnaez no sítio da Carta Capital

Leia também: “A reforma agrária não foi feita quase 20 anos depois do Massacre de Carajás” -   Entrevista de João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST ao sítio do Brasil de Fato  
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