O "Sal
da Terra" foi exibido na Curva do S, o exato lugar do Massacre de Eldorado
dos Carajás
Por
Felipe Milanez*
Hoje [17 de abril] é dia, e noite, de
luta. No Brasil inteiro. Principalmente nos fronts, nas frentes, nas fronteiras
onde os conflitos sociais estão mais latentes. Dia e noite de mobilização e
vigília. Para a luta pela terra, contra o latifúndio, em memória dos companheiros
que tombaram, em defesa dos direitos indígenas, em defesa dos direitos da
classe trabalhadora.
No
sul do Pará, próximo a Eldorado dos Carajás, o MST organiza o acampamento da
juventude na Curva do S, o simbólico espaço da morte, da violência e truculência
ruralista, transformado em espaço de resistência. Em 17 de abril de 1996, 19
militantes foram brutalmente assassinados ali – enquanto dezenas de outros
saíram feridos, alguns gravemente e vieram a morrer em decorrência da ação da
polícia. O crime ficou mundialmente conhecido como O Massacre de Eldorado dos
Carajás – e eternizado nas fotografias que Sebastião Salgado realizou do
funeral.
Ao
longo dessa semana tão marcante na região, a Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará (Unifesspa) está organizando o 1º Festival Internacional
Amazônia de Cinema de Fronteira (FIA-Cinefront), que abriu na segunda-feira
justamente com uma sessão do filme O Sal da
Terra, de Juliano Ribeiro Salgado e Wim Wenders. O longa foi
exibido no exato lugar do massacre, na Curva do S, em sessão absolutamente
emocionante. Juliano, amigo que admiro muito, me enviou uma mensagem, desde o
México, onde se encontra, para ser lida, na se dizia emocionado. “Não teria um
lugar mais forte e simbólico do que a Curva do S” para passar o filme.
Evandro
Medeiros, professor da Unifesspa e organizador e idealizador do festival, me
convidou para ser o curador e disse que queria provocar debates. E temos
conseguido. Tanto em Eldorado quanto no belo cinema Marrocos, uma sala vintage no centro antigo da cidade, e em
Rondon do Pará. “A questão principal, e mais urgente, é a luta por Justiça”,
disse ele em Rondon do Pará, onde mostramos o filme Ameaçados, de Júlia Mariano, e Toxic Amazônia, sobre a
história do assassinato do casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do
Espírito Santo. Rondon do Pará é onde foi assassinado o brilhante líder
sindical Dézinho (José Dutra da Costa, morto por um
pistoleiro em 2000). O fazendeiro que ordenou o crime, um truculento sujeito
conhecido como Delsão (Décio Nunes), foi condenado pelo júri popular um ano
atrás, em 29 de abril de 2014, a 12 anos de prisão – e está em liberdade.
No público havia um companheiro de
Dézinho, que recolheu seu corpo, um estudante filho de um companheiro de
Dézinho, e um estudante que se apresentou como “filho de um latifundiário e
neto de um madeireiro” e expôs a sua visão de mundo, calcada na luta de seu pai
que chegou na Amazônia sem posses nenhuma. Nesse espaço, o debate de ideias
fluiu tranquilamente, um no qual todos concordavam com a proposta inicial de
Evandro: a luta por justiça. Talvez, em Rondon do Pará, fosse o caso de a elite
e os grandes fazendeiros voltarem para a universidade.
Nesta quinta-feira 16, o MST faz uma
longa vigília na Curva do S, onde, na amanhã de sexta-feira 17, ocorre um ato
com a presença de autoridades, ministros, deputados.
Nesta
quinta, vamos mostrar o filme Matando por Terras,
de Adrian Cowell e Vicente Rios. Cowell, que faleceu em 2011, e Rios são os
homenageados do festival, e também serão mostrados outros filmes que eles
fizeram na região, como Montanhas de Ouro, sobre a Vale, e Barrados
e Condenados, sobre a Usina
Hidrelétrica de Tucuruí. Matando Por Terras é um filme sobre o sangrento conflito
por terras no sul do Pará, e o assassinato de diversos camponeses nos anos
1980. Os crimes retratados no filme – que terá apenas a sua terceira exibição
no Brasil – continuam impunes. Informou o advogado da Comissão Pastoral da
Terra, José Batista Afonso, que recentemente reabriu um dos casos para tentar
levar a júri o fazendeiro responsável pelo assassinato do líder sindical Sebastião Pereira e seu filho Clésio.
Eliane Brum escreveu um belo comentário sobre o filme, que pode ser lido aqui.
Vicente Rios estará presente na sessão
na Curva do S, depois de mais de duas décadas sem voltar à região que registrou
com precisão em sua câmera. Uma geração de jovens sem-terra que nasceram depois
de 1996 estão lá aprendendo a história do massacre para que não seja esquecido.
Eles vão ter a chance de aprender sobre outros massacres que aconteceram nos
anos 1980 e, não tivessem sido registrado, também poderiam estar sendo esquecidos.
Hoje é um dia e noite de luta, dia e
noite de solidariedade aos camponeses que lutam pela terra, e aos povos
indígenas mobilizados no Brasil inteiro em defesa de seus direitos
fundamentais: a terra e a Terra.
*Publicado originalmente no
blog do Felipe Milnaez no sítio da Carta Capital
Leia também: “A reforma agrária não foi feita quase 20 anos depois do Massacre de Carajás” - Entrevista de João
Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST ao sítio do Brasil de Fato