Entrevistamos [Esquerda Diário] o prof. livre-docente da UNICAMP Ricardo Antunes, sociólogo e um dos principais
nomes no país sobre os debates do mundo do trabalho. É autor dos livros
"Adeus ao trabalho?", "Os sentidos do trabalho" e
recentemente escreveu "O continente do labor", entre outros livros
que abordam a temática da sociologia do trabalho.
ED:
Como você vê a aprovação do PL 4330 neste momento e as consequências para o
mundo do trabalho?
Ricardo
Antunes: Vejo como algo que para a classe trabalhadora tem o significado,
guardadas as diferenças do tempo histórico, ao retorno da “escravidão”. A
terceirização completa, total, que é o sentido essencial deste projeto é uma
tragédia pra classe trabalhadora brasileira, ao invés de regulamentar 12
milhões de trabalhadores como os defensores do projeto estão falando, eles vão
criar as condições para precarizar e desregulamentar as condições de trabalho
de mais de 40 milhões de trabalhadores, ao contrário do que os defensores deste
projeto de lei afirmam, é a lei da selva no mercado de trabalho.
Você
vai criar uma situação de aparente regulamentação, mas será de fato uma clara
desregulamentação das condições de trabalho de todos os trabalhadores e
trabalhadoras. No fundo significa rasgar a CLT no aspecto que ela tem de mais
positivo, qual seja, no aspecto em que ela cria um patamar básico de direito do
trabalho, que vai ser eliminado. Porque se você permite a terceirização de
tudo, basta ver o que todas as pesquisas sérias, e não as patronais, mostram,
os trabalhadores e trabalhadoras terceirizados recebem menos, em média, quase
30% a menos; trabalham, em média, quase 30% mais, acidentam-se mais.
Tem
a burla muito maior da legislação social protetora do trabalho, há muitos
trabalhadores que entraram na Justiça do Trabalho, e é uma minoria, porque os
terceirizados nem possuem sindicatos para os representarem na maioria das
vezes. E muitas vezes, quando eles entram na Justiça do Trabalho, a empresa
terceirizada já fechou, e eles não tem nem a quem reivindicar. Muitas vezes é
um fechamento [da empresa] aparente, porque a empresa fecha sua razão social
para não endividar-se e abre outra com outra razão social e continua a burla.
Então, no seu sentido mais profundo é este.
Ou
seja, a primeira consequência brutal é a diminuição do salário, aumento no
tempo de trabalho, um terceiro ponto, o aumento nos acidentes, e uma quarta
consequência é aumentar a divisão da classe trabalhadora, de modo a dificultar
a organização sindical. Porque, é evidente que se você tem faixas de
trabalhadores, tem sido mais difícil para os sindicatos organizarem os
trabalhadores terceirizados.
Para o mundo do trabalho, a terceirização significa, em síntese, que nós caminhamos para ter o conjunto da classe trabalhadora brasileira, desprovida de direitos fora do marco da regulação e sujeito a uma superexploração do trabalho ainda maior do que ela vem sofrendo nas últimas décadas.
Para o mundo do trabalho, a terceirização significa, em síntese, que nós caminhamos para ter o conjunto da classe trabalhadora brasileira, desprovida de direitos fora do marco da regulação e sujeito a uma superexploração do trabalho ainda maior do que ela vem sofrendo nas últimas décadas.
ED:
Quais os interesses na ampliação do capital da terceirização?
Ricardo
Antunes: Esta terceirização que conhecemos há 25, 30 anos atrás é uma
terceirização de atividades secundárias da empresa, fundamentalmente,
alimentação, limpeza, hoje ela já ampliou muito, mas, hoje, pelo menos, a
existência de um limite entre atividade meio e fim, se do meu ponto de vista, é
insuficiente (eu sou inteiramente contra a terceirização, ela é um flagelo para
a classe trabalhadora), mas este projeto é pior, porque ele elimina a
diferenciação criada pelo TST que se de certo modo criava um limite para as
atividades fins.
Agora
a terceirização está liberada. Isto mostra que é uma lógica do capital
financeiro, que consegue com o mundo do trabalho, completamente desprovido de
direitos, e aplicado por um Congresso, que é a instituição mais odiada pela
população hoje. Não existe em nenhuma das instituições públicas, uma que
consiga condensar toda a insatisfação popular como ocorre com o Congresso hoje.
O Congresso é visto popularmente como o espaço da corrupção, da negociata. De
tal modo que tem se tornado conhecida uma expressão que faz sentido, o
Congresso é a turma do “BBB” (Boi, bala e Bíblia), esta conjunção, criou um
campo a direita, nefasto, que ta passando a aprovação do nefasto PL 4330, ta
aprovando a redução da maioridade penal para 16 anos, e isto só poderá ser
travado com levantes populares.
Como
o momento atual, é um momento de “levante da direita”, como vimos em SP dia 15
de março, mas nós temos também, e é muito importante lembrar, lutas, as mais
distintas greves de garis, professores, metalúrgicos, motoristas, etc, revoltas
das periferias, movimento de sem-teto e outros movimentos populares, é daí que
pode sair alguma retomada das lutas sociais que fazem sentido e produzindo
levantes que lembram junho de 2013. Porque os levantes atuais são produzidos
pela classe médias e vários setores conservadores da sociedade.
ED:
Em sua opinião, qual deveria ser a resposta dos trabalhadores e da esquerda
para impedir o avanço da precarização e da terceirização do trabalho? Em sua
visão, a regulamentação da terceirização seria o melhor programa?
Ricardo Antunes: A
resposta só pode vir dos sindicatos, dos movimentos sociais da periferia, dos
sindicatos de classe, da classe trabalhadora e dos vários setores de esquerda
que são comprometidos com a classe trabalhadora. A esquerda de esquerda. Tem
uma coisa importante, ontem foi aprovado o regime de urgência, hoje estava em
discussão, em sendo aprovado pela Câmara, o que me parece inevitável, visto que
é o Congresso “BBB”, é o “Big Brother Brasil a la parlamento”. Isto depois vai
para o Senado, e teremos mais um momento em que será possível pensar em
manifestações fortes. Se no Senado não houver mudança, irá para Dilma, e ela
poderá vetar.
É
este curto período de tempo que temos e que podemos pensar em greves
localizadas e generalizadas contra este projeto de lei que afeta profundamente
a classe trabalhadora brasileira. Esta não tem ideia da trama que foi urdida
nessas últimas semanas e dias e que foi consolidada, na noite de ontem, contra
ela. Isto tem, em termos históricos, uma equivalência à regressão à escravidão
porque você eliminar numa tacada o direito do trabalho de 30 milhões de pessoas,
sem garantir os 12, como eles estão dizendo, porque os elaboradores deste
projeto são falaciosos, dizem que querem defender os terceirizados, mas ninguém
acredita nisso, eles são os representantes da bancada do “patronato das
terceiras” e das “quartas” [referente ao processo de quarteirização, ou
“terceirizar o terceirizado”], e o que é mais grave ainda, a terceirização
generalizada dos trabalhadores.
Isto
é de uma gravidade profunda porque este projeto atinge aos trabalhadores do
mundo privado, as trabalhadoras e os trabalhadores da agroindústria, indústria
e dos serviços, e os trabalhadores e trabalhadoras do setor público, e daqui
pra frente você poderá ter trabalhadores do setor público sendo contratados por
empresas terceirizadas.
A
resposta tem que ser da classe trabalhadora e dos seus polos mais organizados.
Caminhando, se tivermos força para isto, para greves localizadas, até uma
paralisação, porque é decisivo. Porque não adianta, se for aprovado e
referendado pela presidente da República, que disse curiosamente no sua
primeira reunião ministerial de que seria um governo dos trabalhadores, resta
saber então, o que ela entende por “trabalhadores”. Ou será que para a
presidente Dilma banqueiro é trabalhador? Então veremos qual será a posição da
presidente, num governo de se diz de um “governo dos trabalhadores”, será que
ela vai permitir esta escravização geral dos trabalhadores? A resposta é
decisiva.
A
regulamentação não é o melhor programa, veja, o que eles dizem é que estão
regulamentando a terceirização. Mentira. Eles estão desregulamentando os
regulamentados, esta é a falácia mentirosa do nosso empresariado. A fala do
ministro Levy, que por sinal é banqueiro, o segundo homem do Bradesco, disse
que, e isto é a prova cabal da tragédia, segundo a imprensa publicou, durante a
negociação com Eduardo Cunha (o mesmo do “orgulho hétero”), que estava
preocupado com o nível de burla que este decreto (PL 4330) traria em termos de
arrecadação, o que significa reconhecer que o governo sabe que o empresariado vai
burlar no pagamento de impostos.
Para
o empresariado burlar no pagamento de impostos é porque está burlando a
legislação, esta é a confissão de que o projeto 4330 é o projeto da burla. E
ele tem que sofrer a repulsa da classe trabalhadora, este é o desafio, esta é a
questão vital. E não é por acaso que ele está sendo votado num momento de onda
das contra rebeliões da direita, se tentasse votar este projeto há dois, três
anos atrás, ele não encontraria acolhida.
É
um contexto de ajuste fiscal, crise política, de retração momentânea dos
setores da esquerda e de uma ofensiva dos setores da direita e suas
consequências são muito nefastas. Não se deve jamais regulamentar a
terceirização, mas sim impedir a terceirização. Talvez seja muito importante
começar uma campanha desde já pelo fim da terceirização em todos os sindicatos.
Todos os sindicatos comprometidos com a classe trabalhadora deveriam lutar para
acabar com os terceirizados e contratá-los com os direitos que eles exigem, com
razão, nas empresas.
*Fonte:
Esquerda Diário