Sem saneamento, Altamira pode sofrer colapso sanitário com Belo Monte. Foto: Helena Palmquist/Ascom/MPF/PA |
O Ministério
Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública pedindo paralisação
emergencial do barramento do rio Xingu por agravar a poluição do rio e lençol
freático da cidade de Altamira com esgoto doméstico, hospitalar e comercial, já
que a condicionante de implantação de saneamento básico, que evitaria esse
impacto, até hoje não foi cumprida. Nas licenças ambientais, assim como nas
propagandas da Norte Energia S.A e do governo federal, a promessa era de que a
cidade teria 100% de saneamento antes da usina ficar pronta. Até hoje, Altamira
continua sem sistemas de esgoto e água potável.
A
condicionante do saneamento básico, considerada uma das mais importantes de
Belo Monte, estava prevista desde a Licença Prévia do empreendimento, concedida
em 2010. Pelos prazos do licenciamento, a usina deveria ter entregado sistemas
de fornecimento de água potável e esgotamento sanitário no dia 25 de julho de
2014. Ainda não entregou. Mesmo sabendo disso, o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente (Ibama) liberou a operação da usina e o barramento do rio Xingu no
final do ano passado. Na Licença de Operação, emitida em novembro de 2015, o
Ibama deu prazo até setembro de 2016 para que o saneamento de Altamira esteja
concluído.
Para o MPF, o
novo prazo do Ibama é fictício. “Para concluir as obras do saneamento, a Norte
Energia deverá implementar o fornecimento de água encanada e rede de
esgotamento sanitário em mais de 24.250 domicílios altamirenses, até setembro
de 2016, fazendo no curto prazo de 6 meses o que não fez, em 1 domicílio, no
prazo de 6 anos”, diz a ação judicial assinada pelo procurador da República
Higor Rezende Pessoa.
Segundo o
Ministério Público Federal, a recusa da Norte Energia em realizar parte
essencial das obras do saneamento básico (ligações dos domicílios aos sistemas
de água e esgoto) é ilegal. Para o MPF, “a NESA tem o dever de, segundo o PBA
(Plano Básico Ambiental) fornecer água potável com maior garantia de qualidade
e quantidade para todos os moradores da sede municipal”, não havendo dúvidas de
que “é obrigação do empreendedor eliminar os sistemas atuais de disposição
final de esgoto na cidade de Altamira, por intermédio da implantação de rede de
esgotamento sanitário e estação de tratamento de esgoto, rede esta que deve ser
construída por completo, o que, obviamente, envolve as ligações
intradomiciliares”.
A situação em
Altamira sem as ligações dos domicílios aos sistemas de água encanada e esgoto
é, portanto, a mesma de 104 anos atrás, quando a cidade foi fundada. Esgoto -
doméstico, comercial e hospitalar - despejado nas ruas, no solo, no rio Xingu e
nos igarapés que cortam a área urbana. Consumo humano de água do lençol
freático contaminada pelo esgoto lançado no solo. A ação do MPF mostra que até
mesmo em frente ao escritório do Ibama na cidade corre esgoto a céu aberto.
O risco de
prosseguir com o barramento do rio Xingu nessas condições é de contaminação das
águas subterrâneas pela parte sólida do esgoto acumulado por décadas nas fossas
rudimentares, já que o lençol freático vai subir e as fossas serão “afogadas”,
causando doenças sérias que podem levar a morte, já que é do lençol freático de
Altamira que a maior parte da população retira a provisão de água para consumo.
Desde o início
das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, tanto o governo quanto a empresa
responsável sabiam do riscos apontados na ação civil pública ajuizada pelo MPF.
Parecer do Ibama de 2009 e estudo do Painel de Especialistas de 2010, em que 40
cientistas analisaram os impactos de Belo Monte, já apontavam a necessidade de
estudos mais detalhados sobre os poços artesianos na cidade de Altamira e o
possível impacto do barramento do rio Xingu sobre o lençol freático, já
fortemente contaminado por esgoto doméstico.
Para o MPF, “a
resolução do problema está na identificação, limpeza e desativação de todas as
fossas rudimentares e outros meios inadequados de disposição e destino final de
esgoto, combinado com a efetiva ligação das residências altamirenses à rede
coletora de esgotamento sanitário. Conjuntamente, deve haver a conclusão do
sistema de abastecimento de água potável da cidade de Altamira, fornecendo a
população água tratada com a respectiva limpeza e desativação dos poços
artesanais, que funcionam sem nenhum controle sanitário e de outorga da União.”
Multa à Norte Energia
Durante
as investigações sobre a situação do saneamento básico em Altamira, o MPF
constatou que a Norte Energia, após construir o reassentamento urbano coletivo
Jatobá, lançava esgoto diretamente em um dos igarapés da cidade. O Ibama sabe
do problema e multou a empresa em R$ 2,5 milhões por lançar resíduos em
desacordo com a legislação ambiental.
Argumento de terror
Argumento de terror
O MPF pede na ação que a
Justiça não aceite como argumento válido a ameaça de “apagão”, levantada pelo
governo federal em todos os processos que tratam das condicionantes de Belo
Monte, até porque as linhas de transmissão de Belo Monte apenas estarão concluídas
em abril de 2017, conforme detectado pela Agência Nacional de Energia Elétrica.
Segundo o MPF, o uso desse argumento pelo governo, que deveria cobrar o
cumprimento das condicionantes por ele mesmo impostas, “faz nascer no
empreendedor uma segurança quase inabalável quanto à continuidade da obra,
mesmo diante do descumprimento reiterado do PBA [Plano Básico Ambiental] e
constatação de irregularidades gravíssimas, que põem em risco a vida e a saúde
das pessoas”.
A ação civil
pública lembra ainda que a Organização das Nações Unidas “reconhece o direito à
água potável e limpa e ao saneamento como um direito humano que é essencial
para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos” e que a situação da
cidade paraense gera grave violação a esse direito, além de desrespeitar o
direito ao meio ambiente, à saúde e educação das pessoas.Altamira pode
engrossar uma triste estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), de que 1,5 milhão de crianças
entre zero e cinco anos morrem todos os anos em decorrência da diarreia, uma
doença evitável com saneamento básico e acesso a água potável.
Paralisação do barramento do Rio Xingu
O MPF faz 15 pedidos
liminares (urgentes) à Justiça. Quer a suspensão da licença de operação e a
paralisação imediata do barramento do rio Xingu, além de suspensão dos
incentivos e benefícios fiscais da Norte Energia por descumprimento das
condicionantes referentes ao saneamento básico até que sejam cumpridas as
obrigações de limpar e desativar as fossas rudimentares existentes, limpar e
desativar os poços de água, fornecer água potável encanada e fazer funcionar o
sistema de esgotamento sanitário em todo o perímetro urbano de Altamira.
O MPF quer
também a integral recuperação ambiental do lençol freático, igarapés e rios contaminados
por esgoto e completa análise de poços tubulares e cisternas existentes hoje em
Altamira, assim como a publicação do plano de saneamento da cidade pela
prefeitura.
A ação pede
ainda a implementação de Campanha de Educação Ambiental no Município e que a
Norte Energia faça um “Pedido Formal de Desculpas” aos cidadãos altamirenses,
por todos os transtornos causados pelo não cumprimento, até o momento, da
condicionante do saneamento básico. São réus na ação, além do Ibama e da Norte
Energia, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), o município de Altamira e
a União.
Essa é a 25ª ação judicial do MPF apontando irregularidades em Belo Monte.
Processo nº 269-43.2016.4.01.3903: Íntegra da ação
Fonte: Ministério Público Federal no Pará- Assessoria de Comunicação
Processo nº 269-43.2016.4.01.3903: Íntegra da ação
Fonte: Ministério Público Federal no Pará- Assessoria de Comunicação
Belo Monte é multada em R$ 8 milhões por morte de peixes (O Estado de São Paulo, 20 de fevereiro de
2016)
Cinco anos após início da instalação de Belo Monte, Ibama reconhece impactos na pesca
(Instituto Socioambiental, 25 de
fevereiro de 2016)
Grandes obras como Belo Monte incentivam e fomentam o mercado do sexo no Brasil.
(Entrevista especial com Assis Oliveira para o IUH, 03 de março de 2016)
Belo Monte alaga 500 famílias não reconhecidas como atingidas (MAB, 03 de
março de 2016)
Pará vai à Justiça por recursos de Belo Monte (O Globo, 10 de março de 2016)
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