Em Altamira, Victoria Tauli-Corpuz
ouve denúncias sobre planejamento hidrelétrico no rio. "Vocês estão unidos
e fortes, e isso vai possibilitar que não permitam que destruam o seu futuro”
Na
manhã desta terça,15 de março, a relatora especial da ONU para povos indígenas,
Victoria Tauli-Corpuz, indígena filipina da etnia Kankanaey Igorot, recebeu das
mãos da pequena Ana Luiza Munduruku mais um documento de denúncias sobre
violações cometidas pelo governo no processo de planejamento do complexo
hidrelétrico do rio Tapajós, no Pará. O encontro da pequena munduruku com a
experiente líder filipina aconteceu na audiência em que Victoria recebeu 13
representantes das comunidades munduruku, arara vermelha, apiaká, arapiun,
borari, jaraqui, kumaruara, kayabi, tapajós, tapuia, tupaiú, maytapu, cara
preta e tupinambá da bacia do Tapajós em Altamira, onde a relatora da ONU
realiza mais uma etapa de sua missão no Brasil.
Depois
de uma visita, nesta segunda, à Terra Indígena Paquiçamba na Volta Grande do
rio Xingu, onde teve longa conversa com lideranças juruna sobre impactos e
ilegalidades do projeto Belo Monte, Victoria demonstrou ter acumulado
indignações na conversa com os povos do Tapajós. Após ouvir os relatos sobre
violências, desrespeito aos procedimentos demarcatórios dos territórios,
manipulações e ameaças, disse ter recebido as mesmas denúncias dos povos da
Volta Grande, em especial sobre a não ampliação da TI Paquiçamba e a não
homologação da TI Arara da Volta Grande. E aproveitou o momento para contar a
sua própria história.
“Venho
de uma região nas cordilheiras filipinas que, nos anos 1970 e 1980, era
ameaçada por um enorme projeto hidrelétrico que iria afetar mais de 300 mil
indígenas”, contou Victoria. Na época seu país estava sob lei marcial –
suspensão das liberdades fundamentais do cidadão -, mas as comunidades
indígenas se uniram “porque não queríamos nossas terras ancestrais e nossos
campos de arroz enterrados debaixo da água”.
Muitas
lideranças foram presas e mortas, outros foram torturados, prossegue a relatora
da ONU. “Mas nós vencemos e a usina nunca foi construída. O governo teve que
desistir e o Banco Mundial foi obrigado a retirar o financiamento. Em 1986 o
projeto foi definitivamente cancelado e hoje não temos usina no nosso
território”.
“Eu
queria compartilhar isso com vocês porque acredito que o povo do Tapajós ainda
tem chances de paralisar o projeto hidrelétrico”, avalia a filipina. “Vocês
estão unidos e fortes, e isso vai possibilitar que não permitam que destruam o
seu futuro”, conclui e recomenda.
Encaminhamento das
denúncias
De acordo com os relatos recolhidos junto aos indígenas no Pará, a relatora da ONU avaliou que, entre as várias “violações evidentes dos seus direitos”, as de especial gravidade se referem ao desrespeito à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principais mecanismos internacionais – firmados e reconhecidos pelo Brasil – para a proteção física, cultural e territorial das populações indígenas.
De acordo com os relatos recolhidos junto aos indígenas no Pará, a relatora da ONU avaliou que, entre as várias “violações evidentes dos seus direitos”, as de especial gravidade se referem ao desrespeito à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principais mecanismos internacionais – firmados e reconhecidos pelo Brasil – para a proteção física, cultural e territorial das populações indígenas.
Nesse
sentido, Victoria citou como muito importante a Ação Civil Pública do
Ministério Público Federal que, em dezembro de 2015, acusou o projeto de Belo
Monte de cometer etnocídio. “O que acontece aqui não é só um ataque físico, mas
à sua cultura. Mesmo se vocês sobreviverem, se vocês perderem sua identidade
cultural, sua identidade como indígenas está ameaçada a desaparecer”, alertou.
A relatora também elogiou a postura dos indígenas do Tapajós quanto à
solidariedade com outras lutas no país. “Eu sei que vocês estão certos, porque
o que estão fazendo não é apenas para vocês, mas para todos os brasileiros e as
futuras gerações”.
De
sua parte, explicou Victoria, os próximos passos são apresentar um relatório
sucinto de sua missão – que incluiu visitas ao Mato Grosso do Sul, Pará e Mato
Grosso – ao governo brasileiro “com todas as denúncias aqui ouvidas” e, depois
de avaliar as respostas das autoridades brasileiras, apresentar um relatório
final ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em novembro.
Articulação
Tapajós-Xingu
Ao terminar a audiência com os indígenas do Tapajós, a relatora da ONU fez questão de reforçar a importância da articulação dos povos afetados e ameaçados pelos grandes projetos hidrelétricos na Amazônia, e “agradecer todo o apoio que vocês deram aos povos do Xingu”.
Ao terminar a audiência com os indígenas do Tapajós, a relatora da ONU fez questão de reforçar a importância da articulação dos povos afetados e ameaçados pelos grandes projetos hidrelétricos na Amazônia, e “agradecer todo o apoio que vocês deram aos povos do Xingu”.
Nesta
segunda, lideranças das comunidades do Tapajós e do Xingu se reuniram para
celebrar um compromisso de cooperação e apoio mútuo, e fechar um acordo pelo
qual serão feitos todos os esforços para evitar que “ocorra no Tapajós o que
passou no Xingu”. Como resultado desta articulação, o documento entregue à
relatora na audiência desta manhã incorporou denúncias e reivindicações das
duas bacias.
Leia
abaixo a íntegra do documento:
CARTA DENUNCIA DOS POVOS INDÍGENAS NO
ALTO, MÉDIO E BAIXO TAPAJÓS
Nos
povos indígenas do Rio Tapajós Munduruku alto, médio e baixo Tapajós, Arara
Vermelha, Apiaka, Arapiun, Borari, Jaraqui, Kumaruara, Kayabi, Tapajós, Tapuia,
Tupaiú, Maytapu, Munduruku Cara Preta, Tupinambá, vimos denunciar os grandes
desrespeitos ao patrimônio Indígenas do rio Tapajós no Estado Pará, ameaçado
pelos grandes projetos e empreendimentos: Usinas hidrelétricas; Mineração;
Agronegócios; Hidrovias e portos graneleiros, negação de autoafirmação pelas
instituições federais e judiciais, implantados e impregnados pelo governo
federal brasileiro em nosso território.
Nossa
historia diz que o rio Tapajós é o berço da nossa criação, nosso território é
nosso patrimônio que o nosso líder guerreiro munduruku KAROSAKAYBU deixou para
nós e a humanidade. Essa história está ameaçada junto com 15 mil munduruku que
serão afetados diretamente e mais 13 povos totalizando aproximadamente 10 mil
indígenas que direta e indiretamente serão afetados e exterminados como a nossa
cultura, nossa língua e nossa identidade pelo governo brasileiro e seus
projetos de morte que afetam nossos direitos de bem viver no nosso território.
Denunciamos
a esta relatoria para os direitos indígena da ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS –
ONU os grandes massacres e o grande genocídio e etnocídio que o Governo
brasileiro tem feito e continua fazendo para estes povos da Amazônia e diante
de toda essa violação dos nossos direitos garantidos na constituição federal
231 e 232 e na convenção 169, anunciam o leilão da Usina de São Luiz do Tapajós
para o segundo semestre desse ano 2016, sem ter realizado a consulta livre,
prévia e informada garantida pela a Convenção 169 aos povos ameaçados pelas
hidrelétrica e os grades empreendimentos na Amazônia.
Queremos
ser ouvidos e respeitados através do Protocolo Munduruku. A terra indígena
Sawré Muybu está com estudos da identificação e delimitação territorial
tramitando na Fundação Nacional do Índio – FUNAI, aguardando a publicação do
relatório desta terra, assim como outras T.Is que estão com relatórios que
foram publicados, mas aguardando o continuação do processo, outra com
relatórios para serem publicados e outras para iniciarem o processo de
identificação e delimitação com a criação de Grupos de Trabalhos – GT, evitando
assim a entrada e implantação desses grandes empreendimentos dentro desses
territórios.
Denunciamos
também a entrada de estrangeiros e pesquisadores oportunistas nas nossas terras
cooptando, subornando e especulando lideranças, usando as informações
adquiridas para jogar contra nós a favor do governo, outras para terem acesso
as nossas terras pretas (terra sagrada), ervas medicinais (medicina
tradicional) e a implantação de credito de carbono nas terras indígenas.
Ouvimos
dos parentes indígenas aldeados e não aldeados que foram afetados pela usina
hidrelétrica BELO MONTE o descaso e a violação dos seus direitos tais como:
direito de reassentamento negado pelo empreendedor, quebra de laço de parentesco,
a recomposição do modo de vida, a perda dos territórios dos indígenas que
habitam a área do lago, que estão alagados, e perda dos territórios pesqueiro,
rios alagados, pedral, piracemas, praias, matas desmatadas, ilhas queimadas e
alagadas, as casas que habitam foram derrubadas com motosserras, queimadas e
aterradas com tratores, e o governo Lula/Dilma é omisso a esses casos.
Queremos
denunciar para o mundo inteiro essa violação de direitos. Anexamos mais quatro
documentos para conhecimento, sendo que um dos anexos já é do conhecimento das
Nações Unidas.
Fonte:
Movimento Xingu Vivo - Fotos:
Letícia Leite - ISA
Leia outras
notícias sobre a visita da relatora da Organização das Nações Unidas para Povos
Indígenas ao Brasil:
Relatora especial da ONU para direitos indígenas inicia visita ao Brasil hoje (ISA via Amigos da Terra, 07 de março
de 2016)
Relatora da ONU sobre direitos indígenas mostra preocupação com PEC 215
(ISA, 09 de março de 2016)
MPF e relatora da ONU para povos indígenas têm reunião sobre usinas no Xingu e no Tapajós (MPF, 18 DE março de 2016)
Mato Grosso do Sul:
Em plena visita da ONU, Justiça ordena despejo de comunidade Guarani e Kaiowá (Cimi, 10 de
março de 2015)
Fazendeiros tentaram impedir encontro de relator da ONU com indígenas Guarani e Kaiowá em 2008 (IUH,10 de março de 2016)
Indígena é baleado em Mato Grosso do Sul pouco depois de visita de relatora da ONU
(ISA, 14 de março de 2016)
Pará:
ISA entrega à relatora da ONU dados do aumento de invasões e desmatamento na Terra do Meio (PA) (ISA, 15 de
março de 2016)
Relatora da ONU para povos indígenas visita aldeias atingidas por Belo Monte (ISA, 16 de março de 2016)
(Comissão
Pró-Indio de São Paulo 12 de março)
Mato Grosso:
Povo Manoki entregará dossiê com dados sobre violações de direitos e invasões de fazendeiros e madeireiros às suas terras.
(Opan, 15 de março de 2016)