domingo, 27 de junho de 2010

1994 – Estados Unidos: Nos anos do neoliberalismo, o baixinho inferniza na terra do Tio Sam

Douglas Dias, de São José dos Campos (SP)*

Apesar do clima de ‘já ganhou’, primeira década após a queda do muro de Berlim foi de retranca para os trabalhadores. Com a entrada em ação dos trabalhadores e da juventude do Leste, foram abaixo a União Soviética e o muro que dividia a Alemanha. Mas, acima de tudo, ruiu a enorme estrutura mundial que impedia o avanço dos trabalhadores, formada pelo stalinismo.

Assim, seria de se esperar que, diante de uma nova etapa, a bola estivesse só nos pés dos trabalhadores. Mas o imperialismo sacou da reserva a reação democrática, para fazer crer que o socialismo morreu e que só é possível jogar o jogo da democracia burguesa. Ao mesmo tempo em que avançavam as reformas neoliberais, o time dos trabalhadores não formara uma nova direção. É como estivéssemos em campo, com todo o potencial do futebol brasileiro, mas com um Lazaroni comandando o time. Essa combinação fez com que passássemos por anos reacionários, em meio às condições propicias para uma goleada.

A onda do Leste Europeu mudou completamente a geopolítica da região. Povos que viviam juntos sob a URSS ou outras nações buscavam a autonomia, e, em alguns casos, surgiram guerras, contra a opressão ou por disputas étnicas. A Tchetchênia, uma das repúblicas da ex-URSS, viveu uma longa guerra. Importante produtora de petróleo, a república declarou independência logo após o fim da União Soviética. Para evitar a perda de um território tão estratégico, o então presidente da Rússia, Boris Yeltsin, enviou mais de 40 mil soldados para a região. O exército russo tomou a capital da Tchetchênia somente em 1995, na guerra que é comparada a do Vietnã.

Nos Bálcãs, a Bósnia-Herzegovina passou por um período sangrento de guerra civil. É que no território da antiga Iugoslávia, várias nações queriam a separação. O governo sérvio, que comandava a Iugoslávia no momento, queria mantê-la como um único território (a Grã-S
érvia) e expulsar os bósnios e croatas desse território.

Nessa época o militante do PSTU e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Antônio Donizete Ferreira, o Toninho, foi um dos que visitaram a Bósnia, representando o Comitê de Solidariedade aos Trabalhadores Bósnios.

No Brasil o período era de grande efervescência. Em 1989, Fernando Collor derrotou Lula, na primeira eleição após a ditadura e também uma das mais polarizadas. Mas o reinado do “caçador de marajás” duraria pouco. A perda de apoio nos diversos setores da burguesia nacional e do imperialismo, somada às diversas medidas antipopulares, fez com que Collor fosse derrubado, em meio a uma avalanche de denúncias de corrupção. Em 1992, milhares de jovens saíram às ruas para exigir o impeachment do presidente, os famosos “caras-pintadas”, principal responsável pela renúncia do presidente. A burguesia conseguiu conduzir este processo por dentro do regime e, deu posse ao vice Itamar Franco. É claro, com a ajudinha de uns jogadores vendidos, como o PT e o PCdoB.

No ano da copa, o então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, criou um plano econômico para acabar com a inflação e garantir um crescimento ao país, que criaria o Real. Entre 1990 e 1995, a inflação alcançou 764%. O controle dos preços, que permitiu aos trabalhadores planejar compras à prestação e livrar-se do aumento permanente, também daria prejuízos ao país, já que foi sustentado na venda do patrimônio público, no fechamento de postos de trabalho e em mais endividamento. Ainda assim, foi a propaganda dessa “estabilidade”, embalada pelo título na copa, que deu a vitória à FHC, contra Lula. Depois, iniciou-se um longo período de abertura econômica, seguindo toda a cartilha do FMI. Foram oito anos de aprofundamento da política neoliberal e ataque aos trabalhadores.

A copa do baixinho
A Copa do Mundo de 1994, nas terras do Tio Sam, com nenhuma tradição de futebol, foi repleta de surpresas. Por um lado, foi a primeira vez que a Rússia participou já como um país, e não como parte do bloco da antiga União Soviética. A Bulgária e a Nigéria foram duas grandes surpresas. Com um futebol bonito e um craque como Hristo Stoitchkov, a seleção da Bulgária fez bonito e ganhou de times com a Argentina, na 1ª fase e a Alemanha nas quartas-de-final. Caiu apenas na semifinal despachada pela Itália. Terminou a Copa em 4º lugar com a sensação de que poderia ter feito mais. Já a Nigéria, com seu futebol rápido e forte, assombrou o mundo e tornou-se para sempre um ícone da força do nascente futebol africano. O time caiu apenas nas quartas-de-final, diante da Itália novamente.

A Copa, no entanto, foi de Romário. Assim como Garrincha na copa de 1962 ou Maradona na de 1986, ele ganhou a copa sozinho e colocou seu nome ao lado dos grandes astros do futebol.

Naquele mesmo ano, ganhou o prêmio de melhor jogador do mundo. O título foi uma grande festa. Nas ruas, jovens pintavam novamente a cara, dois anos depois de derrubarem Collor.

Romário nem seria chamado para a copa. O técnico Carlos Alberto Parreira resistia ao clamor do público que pedia o baixinho na seleção. Romário foi convocado somente no último jogo das eliminatórias, marcou os dois gols da vitória sobre o Uruguai e garantiu não só a vaga do Brasil como a sua própria.

O baixinho marcou cinco vezes na Copa e foi o grande ídolo em uma seleção que jogou um futebol pragmático, mas muito efetivo. A final foi um dos momentos mais emocionantes, decidida nos pênaltis, com um erro do maior jogador do momento, Roberto Baggio, da Itália. Romário, que praticamente ‘carregou’ o time na maioria dos jogos, fez da final uma de suas mais tímidas partidas. O time respondeu, mostrando que, mais do que o talento individual, é determinante o espírito coletivo. Isso vale para o futebol mas, principalmente,
para a política.

O nosso ano

Nos dias 5 e 6 de junho de 1994 aconteceu um importante congresso, o de fundação do PSTU, resultado da fusão de mais de 40 organizações nacionais e regionais que romperam com o PT. A principal delas era a Convergência Socialista. Uma das correntes fundadoras do PT, foi expulsa por defender o “Fora Collor”, contra o que defendia a direção do partido.

O PSTU foi se construindo nas lutas do dia-a-dia, sindicais e políticas. Mas não se pode dizer que foi fácil. Um exemplo claro da perseguição que sofreram os militantes do partido foi o assassinato frio de dois dirigentes. Na madrugada do dia 12 de junho de 1994, logo após o congresso do partido, José Luís e Rosa Sundermann receberam dois tiros na cabeça cada um. Eles estavam sendo ameaçados desde que apoiaram uma greve de canavieiros de Tabatinga e São Carlos (SP). Muitos atos foram realizados para cobrar a investigação, apuração e prisão dos culpados e também para manifestar contra a impunidade. Doze anos após o crime, ninguém foi preso.


*Publicado originalmente no Jornal "Opinião Socialista" em 2006 e no sítio do PSTU (http://www.pstu.org.br/) por ocasião da Copa do Mundo da Alemanha.

Mais informações sobre a Copa de 1994*:

- País-sede: Estados Unidos

- Data: 17 de junho a 17 de julho de 1994

- Participantes: Romênia, Suíça, Estados Unidos, Colômbia, Brasil (campeão), Suécia, Rússia, Camarões, Alemanha, Espanha, Coréia do Sul, Bolívia, Nigéria, Bulgária, Argentina, Grécia, México, Irlanda, Itália (vice-campeã), Noruega, Holanda, Arábia Saudita, Marrocos, Bélgica, - Final: Brasil 0 x Itália – Pênaltis: 4 X 2 (17 de julho, Pasadena, Califórnia)

- Curiosidades da Copa*:
- A XV Copa do Mundo FIFA foi sediada nos
Estados Unidos, apesar da pouca tradição do futebol no país. A Copa de 1994 bateu todos os recordes de público, mantidos até hoje. 144 federações disputaram uma vaga nas eliminatórias e pela última vez, 24 países participaram do evento (a partir de 98, seriam 32);

- Duas equipes foram impedidas pela FIFA de participar das eliminatórias. A antiga Iugoslávia, por causa da guerra civil contra a Bósnia, e o Chile, por causa do teatro armado pelo goleiro Roberto Rojas (que fingiu ter sido atingido por um foguete disparado por uma torcedora) no jogo contra a Seleção Brasileira de Futebol no Maracanã pelas Eliminatórias para a Copa de 90;

- Pela primeira vez, os países do Reino Unido não se classificaram para a Copa do Mundo. O País de Gales perdeu a vaga para a Bélgica e para a Romênia. A Irlanda do Norte perdeu a vaga para Espanha e Irlanda. A Escócia perdeu a vaga para Itália e Suíça e a poderosa Inglaterra (que tinha Gary Lineker - artilheiro da Copa do México - Barnes, Platt - herói inglês na Copa de 1990, nas quartas-de-final contra Camarões - e Gascoigne), surpreendentemente, perdeu a vaga para Holanda e Noruega;

- Quatro equipes se classificaram pela primeira vez para uma Copa: Arábia Saudita, Grécia, Nigéria e Rússia;

- O fraco desempenho técnico e a baixa média de gols no Mundial anterior fez a FIFA mudar algumas regras do jogo para torná-lo mais atraente aos olhos do público. Entre as mudanças, merecem ser citadas: num lance que possa gerar dúvida, o benefício será dado sempre à equipe que ataca; no atraso de bola (recuo de bola) feito com os pés ao goleiro, ele só pode receber a bola com os pés; a exceção da regra só vale se a bola for atrasada com o peito ou a cabeça, para que o goleiro possa agarrar a bola; Cartão vermelho ao jogador que atingir o adversário por trás; o mesmo vale para o jogador que comete falta como último homem da defesa; Substituição do goleiro, em caso de contusão ou expulsão do mesmo; Três pontos por vitória para estimular as equipes a jogar pela vitória; Todos os 11 reservas ficam no banco de reservas; antes disso, o treinador era obrigado a escolher 5 dos 11 reservas para serem relacionados no banco de reservas; Os números dos atletas devem ficar nas costas da camisa em números grandes, com o respectivo nome do atleta;As camisas devem ter números também na frente, em dimensões menores ou iguais as que devem ficar na frente do calção;

- Foi uma copa de surpresas. A Bulgária que até ali em 6 participações anteriores jamais havia vencido um jogo de Copa do Mundo superou grandes favoritos, sendo a 1ª colocada em um grupo que tinha a Argentina, além de eliminar em um jogo emocionante a Alemanha, até então a Campeã mundial, por 2 a 1 nas quartas de final. Outra surpresa foi a Nigéria, com seu futebol ofensivo. Romênia e Suécia também surpreenderam. Os suecos ficaram com o 3º lugar ao derrotar a Bulgária por 4 a 0;

- A Argentina, que tinha Gabriel Batistuta, Diego Simeone, Claudio Caniggia e Fernando Redondo, caiu prematuramente nas oitavas de final, diante da Romênia de Gheorghe Hagi, Florin Răducioiu e Gheorghe Popescu, por 3 a 2. O escândalo de doping do ídolo Maradona, expulso do mundial, foi supostamente decisivo para o desequilíbrio do time que vinha bem até então, entretanto, a seleção argentina só havia enfrentado times fracos, e Maradona só havia feito um gol, contra a inexpressiva Grécia, na vitória por 4x0, com um hat-trick de Batistuta;

- Esperada como uma das forças de Copa, a Colômbia decepcionou e foi eliminada logo na primeira fase. No jogo entre EUA e Colômbia o zagueiro Andrés Escobar marcou um gol contra, na derrota por 2x1. Dias depois, já de volta ao país, o zagueiro foi brutalmente assassinado com 15 tiros num restaurante em Medellín, por um apostador que era ligado ao Cartel de Medellín. O assassino, quando disparava os tiros que mataram Escobar, gritava "gol";

- A seleção de Camarões não repetiu o grande desempenho da Copa de 90 e também foi elimada na primeira fase. Durante a participação na Copa, torcedores camaroneses incendiaram a casa do goleiro camaronês Joseph-Antoine Bell. Ele foi considerado culpado pela péssima campanha dos Leões Indomáveis;

- O centroavante russo Oleg Salenko conseguiu um recorde. Ele marcou 5 gols numa só partida, quando sua equipe na goleou Camarões por 6x1. Até hoje, ninguém conseguiu igualar tal feito. Somando estes 5 gols, ao gol que marcara de pênalti na derrota por 3x1 para a Suécia, o próprio Salenko contou com 6 gols, e acabaria a competição como artilheiro do Mundial, juntamente com o búlgaro Hristo Stoitchkov;

- Nas oitavas de final, o Brasil derrotou os Estados Unidos por 1x0, em San Francisco, no dia 04 de julho, dia da independência do país sede, mesmo com dez jogadores, após a expulsão do lateral Leonardo;

- Ao marcar um gol na partida entre Brasil e Holanda, pelas Quartas-de-Final, o atacante brasileiro Bebeto comemorou como se embalasse uma criança. Motivo: o gol era dedicado ao seu filho Matteus (nascido na véspera), em homenagem ao craque alemão Lothar Matthäus. Antes disso, Bebeto já tinha homenageado o companheiro de time Leonardo quando marcou seu gol no jogo em que o Brasil venceu Camarões por 3 a 0 na 1ª fase, pelo nascimento do filho de Leonardo;

-A final, entre Brasil e Itália, entrou para a história por dois motivos: Primeiro, por fazer surgir a primeira seleção a conquistar o quarto título mundial (ambos os países já tinham ganho três mundiais). Segundo, porque foi a primeira vez que a final de uma Copa do Mundo foi decidida nos pênaltis. O jogo terminou em 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação. A vitória do Brasil veio após uma defesa do goleiro Taffarel e um chute para fora dos italianos Roberto Baggio e Franco Baresi. O Brasil recuperava a coroa e conquistava assim o inédito quarto título da copa do mundo. O grande destaque da copa foi o "baixinho" Romário, que com seus cinco gols e assistências perfeitas, como aquela em que deu à Bebeto contra os EUA, foi o principal nome brasileiro na Copa. Craque, polêmico, galanteador e boêmio, o baixinho brilhou e confirmou a sua espetácular fase vivida então no Barcelona; a Fifa o escolheu o melhor jogador da Copa de 1994;

- Para aproveitar os festejos pela conquista histórica, a equipe decidiu homenagear o piloto brasileiro Ayrton Senna, que morrera dois meses antes num terrivel acidente numa corrida de Formula 1 realizada justamente na Itália. A homenagem veio no cartaz que dizia: "Senna, Aceleramos Juntos. O Tetra é Nosso";

- No retorno ao Brasil, a seleção foi recebida em Recife, cidade onde a torcida melhor recebeu o time brasileiro durante a fase de classificação.

*Fonte: Wikepédia


- Leia o que já foi publicado aqui no blog sobre a história das copas:

1930 - Uruguai: A bola rola, com o mundo em frangalhos

1934 – Itália: O futebol como peça de propaganda do fascismo

1938 – França: O diamante negro e a copa da guerra

1950 – Brasil: A copa tupiniquim

1954 – Suíça: A Guerra Fria vai à final

1958 – Suécia: Afinal, a taça!

1962 – Chile: “Porque nada temos, nós faremos tudo”

1966 – Inglaterra : 'Deus salve o juiz'

1970 – México: A ditadura militar embalada pelo tri

1974 – Alemanha: Generais de bola murcha

1978 - Argentina: Videla esconde presos e compra primeiro título argentino

1982 – Espanha: O futebol-arte de Telê e o 'quadrado conservador'

1986 – México: Entre a magia de Diego e o fim da euforia democrática

1990 – Itália: Um título para um país unificado

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