domingo, 21 de março de 2010

1954 – Suíça: A Guerra Fria vai à final

Marcos Margarido, de Campinas*

A copa de 1954 foi realizada na Suíça, escolhida por ser a sede da Fifa, que completava 50 anos. No entanto, o aniversário não era motivo suficiente para um país com pouca tradição no futebol sediar a primeira copa da Europa após a segunda guerra. Na verdade, a neutralidade da Suíça durante a guerra foi decisiva para que pudesse receber equipes de países que há apenas 10 anos haviam se enfrentado, não nos gramados, mas nos campos de batalha.

Em 1954, a Europa já havia saído da crise causada pela guerra. Entre 1948 e 1952 houve um crescimento industrial de 35% e sua produção agrícola superou os níveis anteriores a 1938. Este boom econômico, que duraria mais 20 anos, foi impulsionado pelo Plano Marshall, lançado em 1948 pelo presidente Truman, dos Estados Unidos, que passaram a ser o principal país imperialista do mundo.

Porém, a ajuda econômica de US$ 130 bilhões (valor corrigido pela inflação em 2006) para a reconstrução da Europa só teve sucesso devido à política de coexistência pacífica praticada por Stálin, líder da burocracia instalada na União Soviética. Nas Conferências de Yalta e Potsdam, foi decidida a divisão do mundo em áreas de influência da URSS e dos EUA. Assim, os países fronteiriços à ex-União Soviética, como a Polônia, Hungria, Tchecoslováquia e a parte oriental da Alemanha dividida, ficariam submetidos àquele país. Em contrapartida, Stálin comprometia-se a defender a ordem capitalista nos principais países da Europa Ocidental, como Itália, França e Alemanha Ocidental.

A maior onda revolucionária da história
Mas a estabilização econômica e a aliança entre os dois grandes vencedores da guerra não foram suficientes para impedir que os trabalhadores, fortalecidos pela derrota do nazismo, lutassem. Em 1954, os vietnamitas vencem a batalha de Bien Dien Phu e reconquistam o norte do Vietnã, obrigando a retirada dos colonizadores franceses. Tem início a guerra pela libertação da Argélia, também contra a ocupação francesa. Alguns anos antes, os países do Leste Europeu, que estavam sob a influência soviética, transformavam-se em Estados Operários, isto é, Estados onde os capitalistas foram expropriados. Em 1952 se dá a primeira revolução boliviana. Em Berlim Oriental, alguns meses após a morte de Stálin em 1953, um protesto de pedreiros contra o rebaixamento salarial levaria a uma insurreição popular, esmagada em menos de 24 horas pelos tanques russos. Alguns anos depois ocorreriam as revoluções chinesa e cubana.

O Brasil também vivia tempos conturbados. Em março de 1953 as greves paralisam 800 mil trabalhadores contra a carestia e em São Paulo eclode a Greve dos 300 Mil. Forçado pelos novos ventos e pelas grandes mobilizações, o presidente Getúlio Vargas funda a Petrobrás e em 1954 dobra o valor do salário mínimo. Mas uma crise é deflagrada com a morte do major Rubem Vaz em um atentado contra o deputado opositor Carlos Lacerda. Gregório Fortunato, um negro que escandalizava a elite racista da época por ser chefe da segurança e pentear os cabelos de Vargas, é acusado de ter tramado o atentado. Sofrendo pressões de aliados, inimigos e especialmente dos militares, Vargas comete suicídio em 24 de agosto.

Sem pactos em campo
Mas outra guerra estava no auge em 54 - a Guerra Fria - que pode ser entendida a partir de um jogo muito quente. A partida entre o Brasil e a Hungria pelas quartas-de-final teve dois pênaltis e três expulsões. Após o apito final teve início uma verdadeira batalha campal, com a invasão do vestiário húngaro pelos brasileiros, inconformados pela derrota por 4 x 2. Este episódio ficou conhecido como a “Batalha de Berna”.

Nesta copa, a seleção estreou a camisa canarinho, amarela com golas verdes, para espantar o fracasso de 1950, quando usou camisas brancas. Mas a derrota para a Hungria levou o time brasileiro de volta para casa com o 5° lugar. Muito pouco para um dos favoritos daquela copa, com craques como Djalma Santos, Nilton Santos, Julinho, Pinga e Didi.

Após a partida, a delegação brasileira denunciou o árbitro inglês à FIFA por ter atuado “a serviço do comunismo internacional contra a civilização ocidental cristã”. Esta era a imagem perfeita da guerra fria promovida pelo imperialismo contra as rebeliões que se alastravam. A luta de classes era substituída pela luta entre dois blocos – o bloco democrático contra o bloco comunista, refletindo a divisão do mundo em áreas de influência.

A final
A final da copa também foi uma guerra fria esportiva, pois levou ao campo a Alemanha Ocidental, um “representante” do bloco capitalista, contra a Hungria, um “representante” do bloco do Pacto de Varsóvia.

A Hungria era uma espécie de carrossel holandês da época, invicta há quatro anos e com o melhor jogador do mundo, Puskas. Com goleadas em todos os jogos, o time conseguiu a incrível marca de 2 gols marcados nos primeiros dez minutos em todos eles. A própria Alemanha havia perdido de 8 x 3 na fase classificatória.

A seleção alemã, antecipando em 20 anos a inesperada vitória sobre o verdadeiro carrossel holandês na copa de 74, derrotou a equipe favorita por 3 x 2 virando o placar espetacularmente, pois também nessa partida a Hungria já ganhava por 2 x 0 aos 10 minutos do primeiro tempo. Numa das finais mais emocionantes da história, Rahn marca o terceiro gol da Alemanha faltando apenas 6 minutos para o fim do jogo. No livro Futebol ao sol e à sombra, Eduardo Galeano afirma que “o gol histórico ressoou na trilha sonora do filme de Fassbinder “O casamento de Maria Braun”, que contava as desventuras de uma mulher que não sabia como abrir caminho entre as ruínas.” Com poucos minutos pela frente, a Hungria ainda impedir a derrota, mas o título escapou por suas mãos. O time ainda fez o gol de empate, mas este foi anulado por impedimento. A equipe húngara perdeu a copa e teve de contentar-se com a artilharia, de Kocsis, com 11 gols.


Contribuíram para a vitória alemã o fato de Puskas jogar contundido na perna (mesmo assim ele marcou um gol); a estréia de chuteiras com travas removíveis e a própria política dos governos burocráticos dos Estados Operários, que impediam as viagens ao exterior de seus cidadãos. Torcida nem pensar. Naquele 4 de julho de 1954, os alemães invadiram a Suíça para assistir a final, enquanto os únicos húngaros presentes no estádio eram os próprios jogadores e a comissão técnica.


A vitória alemã, que entraria para a história como o “Milagre de Berna”, significou para o povo alemão um ajuste de contas com o passado, após o pesadelo nazista ter causado a morte de milhões de trabalhadores. Já os trabalhadores húngaros tentariam ajustar as contas com seus dirigentes no futuro, em 1956, com conselhos operários dirigindo os combates de rua contra o ocupante russo. No livro ‘A primavera dos povos começa em Praga’, o historiador Pierre Broué narra o desfecho dos confrontos: “Uma dura e lenta reconquista por um governo fantoche, apoiado em tanques e policiais russos, e, mais uma vez, comunistas executados sob ordens dos dirigentes de Moscou”.

Tanto num país como no outro, a ficção dos dois blocos caiu por terra, e o que ficou foi a solidariedade entre os povos.

*Publicado em 2006 no sítio
http://www.pstu.org.br/ e em forma de artigos no Jornal Opinião Socialista por oportunidade da Copa da Alemanha.


Mais informações sobre a Copa de 1954*:

- País-sede: Suiça


- Data: 16 de junho a 04 de julho de 1954

- Participantes: Brasil, Iugoslávia, França, México, Hungria (vice-campeã), Coréia do Sul, Turquia, Alemanha Ocidental (campeã), Uruguai, Tchecoslováquia, Áustria, Escócia, Inglaterra, Suíça, Itália e Bélgica.

- Jogo de abertura: Brasil 5 x 0 México (Genebra)- Final: Alemanha Ocidental 3 x 2 Hungia (Berna)

- Curiosidades:

- Pela primeira vez uma Copa teve cobertura pela televisão, e moedas comemorativas foram cunhadas por causa do evento.

- Pelo Grupo A, o do Brasil, ocorreu um episódio bastante curioso. Brasil e Iugoslávia venceram seus primeiros compromissos (Brasil 5 a 0 contra México e Iugoslávia pela contagem simples sobre a França) e o empate garantia ambos na fase seguinte. Acontece que os jogadores do Brasil não conheciam o regulamento e atacavam insistentemente a meta iugoslava, com os jogadores eslavos fazendo gestos aos brasileiros pelo empate que beneficiaria os dois. Ao final do jogo alguns brasileiros choravam e apenas posteriormente a situação foi esclarecida. Tanto brasileiros como iugoslavos se classificaram à fase seguinte.

- Numa das semifinais a Áustria enfrentou a equipe da República Federal da Alemanha, uma das três nações alemãs da época. A Alemanha Oriental não se inscreveu para a Copa. O time da RFA se classificou batendo os alemães da região de Sarne, ocupado pela França desde o fim da II Guera Mundial;

*Fonte: Wikepédia


Leia o que já foi publicado aqui no blog sobre a história das copas:
1930 - Uruguai: A bola rola, com o mundo em frangalhos

1934 – Itália: O futebol como peça de propaganda do fascismo

1938 – França: O diamante negro e a copa da guerra

1950 – Brasil: A copa tupiniquim
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