sexta-feira, 11 de junho de 2010

1982 – Espanha: O futebol-arte de Telê e o 'quadrado conservador'

Carlos Serrano, do Rio de Janeiro (RJ)*

“Bota o ponta Telê!” Este bordão de Jô Soares estava na boca de todo mundo antes do início da Copa. Mas, com ponta ou sem ponta, a seleção brasileira encantou o mundo com o quadrado mágico de então: Zico, Sócrates, Falcão e Cerezo.Telê era o maestro desta orquestra que jogava um futebol moderno e que no toque e na habilidade ia levando a bola. O espaço do ponta, tão atacado pela crítica, era muito bem ocupado com um dos quatro sempre caindo nele, assustando os times adversários. Era esta a vanguarda do futebol mundial e sua derrota, nas mãos italianas, ou melhor, nos pés de Paolo Rossi, é a melhor metáfora para a derrota da vanguarda operária naqueles anos.

Vivíamos ainda nos idos de 82 na mesma etapa revolucionária que se abrira com a fulgurante vitória do Exército Vermelho na segunda guerra, que levara a expropriação da propriedade privada em mais de um terço da humanidade. No entanto, a situação revolucionária que se abrira com o maio francês de 68 fechava-se este ano, depois de ter varrido a Europa mediterrânea e ter por fim explodido na América Central.

A Espanha, sede da 12ª Copa, é um exemplo disto. Vacinada pela ainda recente Revolução dos Cravos em Portugal, a burguesia espanhola costurou poucos anos antes, com o apoio do Partido Comunista, o Pacto de Moncloa, que construiu uma transição “pactuada”, sob a batuta do Rei Juan Carlos II, filhote do ditador Franco. A esta altura, Felipe González, do PSOE, corria célere para se tornar primeiro-ministro, catapultado pela vitória em 1981 de outra Frente Popular, a de Miterrand, na França. Não só sepultam os dois quaisquer mudanças nestes países como avançam com o projeto liberal.

Outro sinal dos tempos: a vitória de Helmut Kohl para chanceler alemão, a de Ronald Reagan nos EUA em 1981, a eleição de Margareth Tatcher para primeira-ministra inglesa em 1979 e a escolha do Papa João Paulo II, em 1978, criava o sinistro quadrado conservador que iria atacar os Estados operários e iniciar a grande contra-ofensiva neoliberal.

Essa contra-ofensiva se dará também por Israel, enclave imperialista no Oriente Médio, contra os lutadores palestinos: invade o Líbano atacando o quartel-general da OLP. Meses mais tarde os milicianos cristãos libaneses, aliados de Israel e apoiados pelo ainda general e depois prêmie Sharon, massacram milhares de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, em Beirute. Também como parte disto, continuava a guerra Irã e Iraque, onde este último, apoiado pelas potências imperialistas queria diminuir o poder de irradiação e influência de seu vizinho.

Enquanto tudo isto ocorre no mundo, no dia 13 de junho, abrindo a Copa jogam Argentina, campeã de 1978, e Bélgica. E o resultado de 1 a 0 para os belgas parecia adiantar o que aconteceria no dia seguinte: os generais argentinos, que tinham sido tão competentes em massacrar sua classe trabalhadora, assinam de cabeça baixa o armistício com a Inglaterra no conflito das Ilhas Malvinas. Em apenas dois meses, 700 argentinos morreram. A derrota portenha fortaleceu politicamente a dama de ferro Tatcher, no ataque a sua classe operária, que irá se acelerar dois anos mais tarde, com a derrota da fantástica greve dos mineiros. Por outro lado, enfraquece ainda mais a combalida ditadura argentina, que cairá no ano seguinte.

É no mesmo grupo argentino que acontece um dos fatos mais marcantes das copas, a maior goleada de todos os tempos nesta competição: Hungria 10 X El Salvador 1. E não poderia ser diferente: os salvadorenhos não tinham a mínima condição de participar. Seu país estava no auge da guerra civil entre a guerrilha da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional e um exército de assassinos apoiado pelos EUA.

Próximo dali, na Nicarágua, a Revolução Sandinista enfrentava os “contras” treinados pelos norte-americanos. Este foi o resultado de uma lei histórica: o que não avança, retrocede. E em toda a América Central retrocedeu, fechando a situação revolucionária. Teve o burocrata Fidel Castro o papel central no desmonte destas revoluções, principalmente a nicaragüense: orientou a que não transformassem a Nicarágua em uma nova Cuba, não expropriando a sua burguesia.

Enquanto o Brasil derrotava a URSS por 2 a 1 em sua estréia, mudanças aconteciam na direção soviética e nos seus satélites. Na URSS, com a morte neste ano do linha dura Leonid Brejnev, no poder desde 64, assume como secretário-geral do PCUS Íuri Andropov (chefe da KGB) que inicia um lento processo de reformas, sendo seguido em 1984 por Konstatin Chernenko, que ao morrer em 85 será sucedido por Mikhail Gorbachev. Este restaurará o capitalismo contra a classe operária soviética. Enquanto isso, na Polônia, o líder sindical Lech Walesa, do sindicato Solidariedade, é preso pelas tropas de Jaruzelski, que endurece ainda mais com o movimento sindical.

Contrariando o que acontecia no resto do mundo, o Brasil estava em outro momento: uma grande onda grevista correu o país a partir do ABC paulista, acelerando a redemocratização. O resultado foi a formação da CUT e do PT. Estes foram dois grandes avanços, pois significava a criação pela primeira vez no Brasil de um partido com marco de classe e a superação dos velhos pelegos. Eram ainda bem diferentes dos caminhos destes dois nas décadas seguintes.

E este Brasil, com sua classe operária empolgada pelas suas vitórias, entra confiante em campo com a seleção canarinho. No entanto, mesmo acostumados a vencer, acabamos perdendo para a Itália. Esta que entrara na Copa e passara pela primeira fase desacreditada mas que tinha o carrasco Paolo Rossi, artilheiro da Copa com 6 gols. A derrota da seleção brasileira por 3 a 2 para a Itália significou o fim do futebol arte. Fomos condenados a agüentar por mais de uma década, um futebol burocrático, corrido e chato. E como era chato!

* Publicado originalmente no Jornal "Opinião Socialista" em 2006 e no sítio do PSTU (
http://www.pstu.org.br/ ) por ocasião da Copa do Mundo da Alemanha.

Mais informações sobre a Copa de 1982*:

- País-sede: Espanha

- Data: 13 de junho a 11 de julho de 1982

- Participantes: Polônia, Itália (campeã), Camarões, Peru, Alemanha Ocidental (vice-campeã), Áustria, Argélia, Chile, Bélgica, Argentina, Hungria, El Salvador, Inglaterra, França, Tchecoslováquia, Kuwait, Irlanda do Norte, Espanha, Honduras, Iugoslávia, Brasil, União Soviética, Escócia, Nova Zelândia

- Final: Itália 3 x 1 Alemanha Ocidental (Madrid, 11 de julho de 1982)
- Curiosidades da Copa:
- A Copa do Mundo de 1982 foi a 12ª Copa do Mundo disputada, e contou pela primeira vez com 24 (vinte e quatro) seleções. 105 países participaram das eliminatórias. O aumento no número de países participantes possibilitou a participação pela primeira vez da Argélia, Camarões, Honduras, Kuwait e Nova Zelândia;

- Também foi a Copa de estréia do jogador argentino Diego Maradona, que não fez um grande campeonato. Maradona foi expulso na partida Brasil 3 X 1 Argentina, depois de dar uma entrada maldosa no volante brasileiro Batista;

- A
Guerra das Malvinas, estourada entre Argentina e Reino Unido semanas antes da Copa, chegou a ameaçar a presença das três seleções britânicas classificadas ao torneio: Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte. Considerável opinião pública do Reino Unido era contra a participação de suas seleções, pois, na visão dela, disputar o torneio seria um desrespeito aos mortos na guerra e Copa serviria para desviar a atenção da população para um assunto mais importante. Por fim, a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher convenceu o parlamento de que disputar o mundial ajudaria a levantar a moral da população e, principalmente, das próprias tropas. Outro reflexo do conflito foi a saída do meia argentino Osvaldo Ardiles da equipe inglesa onde jogava e era ídolo, o Tottenham Hotspur;

- A Argentina, campeã mundial, decepcionou. Os portenhos fizeram o jogo de abertura da copa contra a Bélgica e perderam por 1 a 0. Classificaram-se em segundo lugar no grupo após vencerem a Hungria e El Salvador. Mas na segunda fase foram derrotados pela Itália por 2 a 1 e pelo Brasil, que vingava 1978 por 3 a 1, numa demonstração de força do time de Telê;

- A maior goleada de todas as Copas foi registrada nesta edição: Hungria 10 X 1 El Salvador. O atacante hungaro
László Kiss se tornou o primeiro reserva a marcar três gols em uma partida de Copa do Mundo. Ao marcar o gol de honra de El Salvador, o meia Luis Ramírez se tornou o maior jogador de futebol daquele país;

- Na primeira fase, a Itália, após três empates, se classificou no número de gols marcados. Seus jogadores, criticados pela imprensa italiana, decidiram fazer greve de silêncio e não conversaram mais com os jornalistas;

- A Alemanha sofreu uma derrota surpreendente contra a
Argélia na estréia por 2 a 1. Goleou o Chile e venceu sua "irmã", a Áustria, por 1 a 0, no chamado "jogo da vergonha". Os alemães precisavam da vitória para ficar com a vaga da Argélia. Quando Fischer fez 1 a 0, placar que também garantia a Áustria na fase seguinte, os dois times passaram a tocar bola no meio de campo. Tudo isso debaixo de uma estrondosa vaia da torcida espanhola. Em recente entrevista, um dos jogadores daquela partida, o alemão Hans-Peter Briegel, confirmou a armação e pediu desculpas aos argelinos. Os argelinos, brilhantes, derrotaram o Chile por 3 a 2 mas não passaram à segunda fase, devido a esta vitória alemã;

- A França perdeu por 3 a 1 da
Inglaterra na estréia, mas mesmo com uma campanha irregular conseguiu a classificação. Empatou com a Tchecoslováquia e ganhou do Kuwait por 4 a 1. Destacaram-se nesta copa os jogadores Michel Platini, Jean Tigana, Dominique Rocheteau e Didier Six;

- O
Brasil, liderado por Telê Santana, chegou à Europa com um conjunto de talentos que conquistou a Espanha e encantou o mundo. O Brasil passou por cima de todos os adversários na primeira fase e se classificou como maior favorito ao título. Era a selação de grandes talentos formada pel geração de craques como Zico, Falcão, Júnior, Sócrates, Éder que voltava a encantar os torcedores como em 1970;

- Na segunda fase, o Brasil estreou com vitória sobre os argentinos e foi para o jogo contra os italianos precisando apenas de um empate. A vitória por 3 a 2 da Itália, com três gols de Paolo Rossi, que acabou como artilheiro do torneio com seis, eliminou os brasileiros na chamada "Tragédia do Sarriá. A seleção canarinho, super favorita ao título, tinha a vantagem do empate. A Itália só havia vencido um jogo na copa, enquanto o Brasil era o único com aproveitamento de 100%. A derrota de uma das melhores selções de todos os tempos jamais fora esquecida;



- O príncipe do Kuwait, Fahad Al-Sabah, não se contentou apenas em invadir o campo e paralisar o jogo com a França quando o seu time perdia de 3 a 1 e tomou o quarto gol em flagrante impedimento do atacante francês Girésse. No dia seguinte, mesmo tendo conseguido anular o gol, ele acusou a FIFA de ser dominada pela Máfia e acabou sendo punido pela entidade com multa de 11 mil dólares. A equipe do Kuwait foi treinada pelo brasileiro Carlos Alberto Parreira, que, doze anos depois, seria tetracampeão pelo Brasil;

- A Itália avançou, eliminou a sensação da Copa, a Polônia, na semifinal, por 2 a 0. A mística da Azzurra incendiou a equipe, que disparou rumo ao tricampeonato;

- A Alemanha passou à final após uma vitória épica contra a França de Platini. No tempo normal, 1 a 1. Na prorrogação, a França chega a fazer 3 a 1. Mas, os alemães, liderados por Rummenigge buscaram o resultado e empataram o jogo em 7 minutos, numa das mais espetaculares reações de todos os tempos. Na primeira decisão por pênaltis da história, deu Alemanha;

- O lado lamentável foi a covarde agressão que o goleiro alemão, Harald Schumacher cometeu sobre o atacante francês Patrick Battiston, que caiu no chão sem sentidos, o que fez muitos acreditarem que ele tinha morrido;

- O sistema de desempate através dos pênaltis foi introduzido em 1978, mas só entrou em vigor no Mundial da Espanha. A Alemanha derrotou a França por 5 a 4 e se classificou para a final do torneio. Nesse mesmo jogo, o goleiro alemão Harald Schumacher pulou em cima do francês Patrick Battiston dentro da área. O juiz não marcou pênalti e Battiston ficou desacordado em campo. A pancada lhe custou apenas um dente, pago pelo próprio Schumacher, que foi perdoado e foi até convidado para o casamento do francês;

- Grande Final da Copa. Estádio Santiago Bernabeu em Madrid. Clássico europeu, Itália vs Alemanha Ocidental. Só que aquilo que era para ser um clássico virou um passeio à italiana. A "Azurra" passeou em campo, e embalada pelas vitórias sobre Argentina, campeã do mundo, e Brasil, favorito ao título, não tomou conhecimento da Alemanha. Final do 1º tempo e o jogo já estava decidido 3 x 0. A Alemanha ainda descontou mas já era tarde para mais uma reação do time germânico. Final Itália 3 x Alemanha 1;


- Paolo Rossi o carrasco brasileiro com 3 gols no jogo, ainda marcou mais 1 na final e foi o artilheiro da Copa de 1982. A Itália sagrava-se tricampeã, igualando-se ao Brasil, que foi brilhante, mas não levou o título;

- Antes de embarcar para a Espanha com a seleção, o lateral Júnior gravou e lançou um compacto (disco de vinil em tamanho pequeno) com a música "Povo Feliz", mais conhecida como "Voa Canarinho", que foi a música-tema da equipe para o mundial. A música fez tanto sucesso no Brasil, que o compacto vendeu mais de 200 mil cópias durante a realização da Copa;

- O jogo da derrota do Brasil frente à Itália ficou conhecido como "A tragédia do Sarriá ou a A Batalha de Sarriá". O Estádio Sarriá não existe mais, pois o Espanyol (dono do estádio) possuía muitas dividas em meados dos anos 1990 e para quitá-las, teve que vender o terreno para uma construtora, que o demoliu em agosto de 1997 e montou no lugar um luxuoso conjunto residencial. Durante doze anos, o Espanyol comandava seus jogos em casa no Estádio Olímpico Lluís Companys, sede principal das Olimpíadas de 92. Em 2009, o clube inaugurou o seu novo estádio, o Cornellá-El Prat;

- Foi nessa edição que o brasileiro Arnaldo César Coelho se tornou o primeiro juiz não europeu que apitou uma final de Copa do Mundo.

*Fonte: Wikepédia


- Leia o que já foi publicado aqui no blog sobre a história das copas:

1930 - Uruguai: A bola rola, com o mundo em frangalhos

1934 – Itália: O futebol como peça de propaganda do fascismo

1938 – França: O diamante negro e a copa da guerra

1950 – Brasil: A copa tupiniquim

1954 – Suíça: A Guerra Fria vai à final

1958 – Suécia: Afinal, a taça!

1962 – Chile: “Porque nada temos, nós faremos tudo”

1966 – Inglaterra : 'Deus salve o juiz'

1970 – México: A ditadura militar embalada pelo tri

1974 – Alemanha: Generais de bola murcha

1978 - Argentina: Videla esconde presos e compra primeiro título argentino
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