segunda-feira, 14 de junho de 2010

1986 – México: Entre a magia de Diego e o fim da euforia democrática

Alejandro Iturbe, jornalista argentino, da direção da Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional*

Quando foi disputada a Copa do Mundo do México, em 1986, a Argentina vivia os efeitos, ainda que atenuados, da “euforia democrática” iniciada em 1983.

A queda da ditadura
Em 1982, depois da queda da sangrenta ditadura militar, iniciou-se um grande ascenso das lutas operárias e populares. Foi uma verdadeira revolução que mudou abruptamente o regime político do país e conquistou liberdades democráticas. As forças armadas entraram em uma profunda crise. Nas ruas se cantava “Paredón, paredón, a todos los milicos que vendieron la Nación”. Os políticos burgueses entram em um acordo para convocar eleições e tratar de canalizar este processo através das instituições da democracia burguesa.

A “euforia democrática”
Milhões se filiavam aos partidos políticos e centenas de milhares participavam de atos massivos. O peronismo mantinha seu peso majoritário na classe operária, mas seus dirigentes estavan muito desprestigiados por seu papel no governo de Isabel Perón.

Raúl Alfonsín havia conseguido a candidatura presidencial da UCR (Unión Cívica Radical), o outro grande partido burguês do país. Em sua campanha, acusava os militares e a burocracia sindical peronista de sócios do “autoritarismo”. Lançou a falaciosa consigna “Com a democracia se come, se cura e se educa” e assim empalmou a ilusão de muitos argentinos: bastaria recuperar o direito de voto para resolver os graves problemas econômico-sociais do país. Em 1983, Alfonsín obteve um claro triunfo eleitoral e assumiu em meio a grandes festejos populares, com o sentimento de que “se havia recuperado a democracia”.

O governo de Alfonsín
Seu governo esteve aprisionado entre a crise econômica, que impedia concessões aos trabalhadores, e sua debilidade para atacar frontalmente o movimento de massas para aplicar a fundo o plano de liquidar a velha estrutura econômica do país, exigido pelo imperialismo e os setores mais fortes da burguesia argentina. Cresciam as greves para recuperar parte dos salários e as conquistas perdidas durante a ditadura.

Em 1985, lançou o Plano Austral, que eliminou a velha moeda desvalorizada e criou outra, em paridade com o dólar. Com este plano, conseguiu retardar por um par de anos a explosão da economia.

Três grandes processos atravessavam a vida política argentina. O primeiro era o debate sobre o pagamento da dívida externa que os militares haviam aumentado em sete vezes. Seu pagamento impedia qualquer resolução dos problemas econômicos e sociais e o FMI exigia duros planos de ajuste para seu refinanciamento. Em 1983, o MAS (Movimiento al Socialismo, nome da então corrente morenista) lançou a proposta de deixar de pagar esta dívida (seus militantes éramos conhecidos como os “loucos do não pagamento”). Os partidos burgueses diziam que pagar era “uma questão de honra”. Mas a realidade se impunha e a consigna era tomada cada vez más pelas mobilizações. Até um economista do Partido Radical, Aldo Ferrer, chegou a propor que se pagasse anualmente apenas o valor de 10% das exportações.

O segundo era a luta pelo julgamento e punição aos militares genocidas. Alfonsín tinha a política estratégica de recompor as forças armadas e salvá-las do ódio popular. Não era uma tarefa fácil: havia que encará-la através de diversas táticas sucessivas para não se chocar frontalmente com a mobilização popular. Por isso, impulsionou o julgamento que condenou as Juntas Militares de governo, para logo defender que apenas fossem julgados e presos uma quantidade mínima de repressores. Mas se, para o presidente, a condenação dos comandantes era una manobra, para as massas era um triunfo que as alentava a seguir lutando pela prisão de todos os genocidas.

O terceiro processo foi o surgimento de uma nova camada de dirigentes operários. Em todos os sindicatos se formavam chapas de oposição contra a odiada burocracia sindical. Foram varridas velhas direções colaboracionistas, como a dos empregados estatais e agrupamentos combativos ganharam a condução das seções do sindicato metalúrgico, da construção, dos trabalhadores da saúde e dos comitês de empresa de importantes bancos.

O mundial
Agora sim, falemos de futebol. A Copa de 1986 ficou para sempre associada ao nome de Maradona, o Diego. Seguramente, poucos brasileiros conseguiriam escalar algum outro jogador desta seleção. Os argentinos se recordam também de Pumpido, dos zagueiros Olarticochea e Brown, de Burruchaga, dos gols de Valdano…

Diego, jovem e com seu físico ainda não castigado pelas drogas e os excessos, fez mágica em campo. Como esquecer, por exemplo, os dois gols contra os ingleses? O da “mão de Deus” e o segundo, arrancando e deixando seis ingleses estirados no chão.
Neste mundial, Diego foi alçado duas vezes. A primeira, para ser considerado o sucessor de Pelé como “Rei do futebol”. A segunda, ao panteão dos ídolos argentinos, aos que se perdoam todas suas debilidades humanas.Eu era trabalhador ferroviário. Vi algumas partidas em minha casa e outras no trabalho. Depois do sofrido 3-2 contra a Alemanha, saímos com vários vizinhos até o centro da capital para festejar. Mal chegamos à Avenida Nove de Julho, e picamos parados, no meio de milhares de carros e pessoas à pé. Não importava: saltamos, cantamos e nos abraçamos por horas.

Com certeza, muitos dos que ali estiveram sonharam em congelar o tempo e essa alegria para sempre. Com a “democracia” não se comia, não se tratava, nem se educava… mas tínhamos ganho legitimamente um mundial de futebol, sem os questionamentos de 1978.


Mas o tempo não pára. Em 1987, a “borrachera democrática” se desfez com muita rapidez: começou a crise do Plano Austral; os “militares carapintadas” se levantaram para que não fossem julgados e Alfonsín pactuou com eles; foi feita a primeira greve geral contra o governo... Mas isso tudo já é outra história...

* Publicado originalmente no Jornal "Opinião Socialista" em 2006 e no sítio do PSTU (
http://www.pstu.org.br/ ) por ocasião da Copa do Mundo da Alemanha.


Mais informações sobre a Copa de 1986*:

- País-sede: México

- Data: 31 de maio a 29 de junho de 1986

- Participantes: Argentina (campeã); Bulgária; Itália; Coréia do Sul; México; Paraguai; Iraque; Bélgica; União Soviética; França; Hungria; Canadá; Brasil; Espanha; Irlanda do Norte; Argélia; Dinamarca; Alemanha Ocidental (vice-campeã); Uruguai; Escócia; Marrocos; Inglaterra; Polônia; Portugal.

- Final: Argentina 3 x 2 Alemanha Ocidental (Estádio Azteca, Cidade do México)

- Curiosidades da Copa*:
- A Copa do Mundo FIFA de 1986 foi a 13ª Copa do Mundo disputada, e contou com a participação de 24 países divididos em seis grupos de quatro. 113 países participaram das eliminatórias. Três equipes faziam sua primeira participação em copas: Canadá, Di
namarca e Iraque;

- A Copa de 1986 seria disputada na Colômbia. Porém, os graves problemas econômicos deste país impediram os colombianos de serem os anfitriões do torneio. A FIFA ofereceu a Copa para o Brasil, mas o Governo de José Sarney recusou. Então a Copa foi aceita pelo México, que foi escolhido para sediar o mundial mais uma vez. Nem mesmo os terremotos um ano antes do mundial colocaram em risco a realização da copa;

- A Copa de 1986 marcou a despedida da "geração Platini", e a França ficou com o 3º lugar, eliminada pela segunda vez consecutiva pela Alemanha e os principais jogadores de tão frustrados abriram mão de jogar pelo 3º posto contra a Bélgica. Mesmo assim, a França ganhou por 4 a 2. Os "Diabos Vermelhos" (a seleção belga) foram a grande surpresa da copa, pois eliminaram seleções favoritas como a URSS, nas oitavas por 4 a 3 num jogo sensacional, e a Espanha, que um jogo antes goleou a Dinamarca por inacreditáveis 5 a 1 com uma atuação espetacular de Emilio Butragueño, que fez quatro gols naquele jogo. A sensação da primeira fase foi a "Dinamáquina", que aplicou uma sonora goleada no Uruguai por 6 a 1, e venceu ainda a Alemanha, grande favorita, por 2 a 0 e caiu contra a Espanha nas Oitavas;

- O Marrocos se classificou em um grupo que tinha Inglaterra, Polônia e Portugal e só foi eliminado nas Oitavas, contra a Alemanha, com um gol de falta de Lothar Matthäus no fim do jogo. A boa campanha marroquina confirmava o início de uma fase constante de boas participações de equipes africanas em Copas;
- A Argentina, com o gênio Maradona, ganhou da Coréia do Sul na estréia por 3 a 1, empatou em seguida com a Itália, campeã mundial e grande decepção da copa, por 1 a 1, e consolidou o primeiro lugar com 2 a 0 na Bulgária. Nas oitavas ganhou por 1 a 0 do Uruguai, nas Quartas, 2 a 1 na Inglaterra, num dos jogos mais antológicos da história do futebol mundial. Maradona, literalmente, acabou com o jogo. Fez um gol de mão, e depois um dos mais belos gols de todos os tempos, onde passou por seis ingleses, incluindo o goleiro. Na semifinal, espantou a zebra belga por 2 a 0 com outro golaço do pibe de oro. Na final, Argentina e Alemanha Ocidental. A Argentina abre 2 a 0 com gols de José Luis Brown e Valdano, a Alemanha busca o resultado e empata com gols de Karl-Heinz Rummenigge e Rudi Völler, mas, no final, num descuido de Matthäus, implacável marcador, Maradona acha Burruchaga e o lança na cara do gol: 3 a 2 para a Argentina. Desta vez, ao contrário de 1978, sem contestações;
- Já o Brasil, na primeira fase, ganhou da Espanha por 1 a 0, que deveria ter sido empate com um gol de Michel, que o juiz não viu (a bola bateu na trave e após a linha), 1 a 0 na Argélia, 3 a 0 na Irlanda do Norte (com um golaço de Josimar) e 4 a 0 na Polônia com outro lindo gol de Josimar. O Brasil, com uma defesa mais consistente do que em 1982, só levou um gol, justo no fatídico empate com a França pelas Quartas de Final, onde Zico, aos 30 do segundo tempo viu Joël Bats defender o penal que daria a classificação à seleção canarinho;
- Atolada em uma grave crise financeira e administrativa, a Jamaica não conseguiu pagar a taxa de afiliados à FIFA e foi impedida de participar das Eliminatórias;
- Na estréia do Brasil, contra a Espanha, no Estádio Jalisco tocou o Hino à bandeira do Brasil, em vez do Hino Nacional Brasileiro;
- Foi no Mundial de 1986 que surgiram as primeiras moedas comemorativas à realização de um torneio. A idéia foi de uma igreja mexicana e tinha de um lado da moeda a imagem da Virgem de Guadalupe (Santa padroeira do país) e do outro lado um lance de jogo, estilizando as partidas que seriam disputadas no torneio;
- A data do jogo entre Brasil x França (21 de Junho) é histórica para ambas as equipes. Nesse dia, estavam se completando 16 anos da conquista do tricampeonato mundial do Brasil em 70, assim como também era o aniversário de 31 anos de Michel Platini, o maior jogador francês da época e o maior da história de seu país até o surgimento de Zidane, na copa de 1998. Na decisão por pênaltis, Platini deu um "presente de grego" para si mesmo: cobrou o pênalti para fora, mas, para sorte do craque, a França venceu;
- Pela segunda vez consecutiva (1982-1986), a Seleção Brasileira conquistou o Troféu Fair Play (Jogo Limpo) oferecido pela FIFA à equipe mais disciplinada da competição;
- O brasileiro Romualdo Arppi Filho repetiu o feito de Arnaldo César Coelho e apitou a final do Mundial de 86. Romualdo chegou a dar cartão amarelo para Maradona na final;

- Vários craques da época se despediram das Copas em 86. Zico, Sócrates, Falcão e Júnior (Brasil); Gordillo e Senor (Espanha); Harald Schumacher e Karl-Heinz Rummenigge (Alemanha); Michel Platini, Jean Tigana e Alain Giresse (França).

*Fonte: Wikepédia

- Leia o que já foi publicado aqui no blog sobre a história das copas:
1930 - Uruguai: A bola rola, com o mundo em frangalhos

1934 – Itália: O futebol como peça de propaganda do fascismo

1938 – França: O diamante negro e a copa da guerra








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