domingo, 30 de maio de 2010

1978 - Argentina: Videla esconde presos e compra primeiro título argentino

Alberto Albiero,
de Campinas (SP)*

A copa de 1978, na Argentina, foi a quarta na América Latina e ocorreu em um período em que o continente estava dominado por ditaduras militares, como a boliviana, onde cinco mulheres acabavam de iniciar uma greve de fome. Ou a nicaragüense, que já enfrentava a guerrilha que viria a conquistar o poder mais tarde. No Brasil, vivíamos também sob uma ditadura, mas mobilizações operárias começavam a estourar, principalmente com as greves no ABC paulista.

Porém, de todos os regimes militares do período, nenhum foi tão sanguinário quanto o do país-sede da copa. A Argentina teve mais de 30 mil desaparecidos, até hoje lembrados pelas Mães da Praça de Maio e em gigantescos protestos. A ditadura foi dirigida inicialmente pelo general Jorge Rafael Videla que comandou o golpe militar de 24 de maio de 1976, derrubando Isabel Perón, viúva do ex-presidente Juan Domingo Perón.

Nos anos da ditadura, o país sofreu uma grande abertura econômica, com a eliminação de barreiras alfandegárias. Isso, combinado com o ataque à legislação trabalhista e à organização sindical, degradou em muito as condições de vida da classe trabalhadora. Ao final da ditadura, a dívida externa tinha quadruplicado.

É bem verdade que a Copa do Mundo havia sido marcada bem antes da instauração da ditadura em 1976, mas, com certeza a ditadura de Videla se aproveitou do evento esportivo e da paixão dos argentinos pelo futebol para encobrir seu sanguinário regime. A conquista do título foi colocada como prioridade nacional e, para tanto, volumosas quantias de dinheiro foram injetadas para a ampliação de estádios e aeroportos. Tudo impecável, para camuflar as atrocidades contra os opositores.

Várias organizações protestaram contra a realização da copa na Argentina, mas todos os países participaram, sendo que a União Soviética só não foi porque não se classificou. Pode-se imaginar que, se classificada, a URSS boicotaria a Copa. Mas isso seria improvável, dado que apesar do regime assassino, a URSS mantinha relações comerciais com o país, ajudando assim a manter o regime.


Na época, o presidente da Fifa, o brasileiro João Havelange, não cedeu aos apelos e manteve a Argentina como a sede. Além da relação que havia entre as duas ditaduras, Havelange tinha uma dívida com a Federação Argentina de Futebol, que havia ajudado a elegê-lo quatro anos antes para a presidência da entidade. Após a Copa, o almirante argentino Carlos Alberto Lacoste, responsável pela organização do Mundial, virou vice-presidente da Fifa.

Alguns jogadores não participaram em protesto pela situação política. Foi o caso do atacante da seleção holandesa e considerado o maior jogador europeu de todos os tempos, Johan Cruyff, que também enfrentava problemas pessoais com a Federação Holandesa de Futebol. O mesmo aconteceu com o meio campista da seleção alemã e do Bayern de Munique, Paul Breitner, que havia jogado a final da Copa de 74 e jogaria a final da copa de 82, marcando gols nas duas finais.

Para tentar manter a aparência de neutralidade, o general Videla fez o seu discurso na abertura do mundial, no jogo entre Alemanha e Polônia realizado no estádio Monumental de Nunez, em trajes civis.

Como conta Eduardo Galeano, em Futebol ao Sol e à Sombra, João Havelange, condecorado na ocasião, declarava que “finalmente o mundo pôde ver a verdadeira imagem da Argentina” e o capitão da seleção alemã, Berti Vogts, alguns dias depois afirmou:

- A Argentina é um país aonde reina a ordem. Não vi nenhum preso político.

Entretanto, a alguns metros do estádio funcionava a Escola Mecânica da Armada, local que servia de centro das torturas e mortes e apesar de ter proibido à imprensa argentina fazer qualquer crítica ao andamento da copa e a situação política do país, uma equipe de reportagem da TV estatal da Holanda flagrou um protesto. Pouco antes do jogo de abertura um grupo das Mães da Praça de Maio fazia um desesperado apelo próxima a Casa Rosada (sede do governo argentino) tentando obter informações sobre o destino de seus filhos que haviam sido presos.

Dentro de campo, também aconteceram fatos estranhos. Um deles, por exemplo, foi que, nas quartas-de-finais, os principais adversários da Argentina tinham que se deslocar por enormes distâncias entre um jogo e outro, causando um desgaste físico maior. Enquanto isso, o time da casa mandava todos os seus jogos na cidade de Rosário (no estádio Gigante de Arroyito que pertence ao time do Rosário Central, para quem Che Guevara torcia). Para se ter uma idéia nas sete partidas disputadas o Brasil percorreu 4.659 Km, enquando a Argentina percorreu apenas 618 Km, no mesmo número de jogos.

“Muy amigo”
A malandragem portenha foi responsável pela desmarcação do jogo decisivo entre Argentina e Peru, adiado para depois do confronto da seleção brasileira contra a Polônia. Como precisava vencer seu jogo para se classificar e ainda fazer uma diferença significativa de gols, a Argentina jogou já sabendo de quanto precisava ganhar e, segundo muitos dizem o goleiro peruano Quiroga (nascido na Argentina) já sabia exatamente quantos gols precisava deixar passar.

O resultado foi 6 x 0 para a Argentina, que necessitava ganhar com uma diferença mínima de quatro gols, classificando-se para jogar a final contra a Holanda e eliminando o Brasil que ficou em terceiro lugar batendo por 2 x 1 a seleção italiana e saindo invicto do Mundial.

A seleção peruana foi recebida no aeroporto de Lima com uma chuva de moedas por seus torcedores em protesto contra um possível “corpo mole” de seus jogadores na partida.

No jogo final, no estádio Monumental de Nunes, do River Plate, a Argentina venceu a Holanda na prorrogação por 3 x 1, conquistando assim seu primeiro título mundial.

E como não poderia ser diferente, a taça ao capitão Daniel Passarella foi entregue pelo general Jorge Videla. Os jogadores holandeses, indignados, recusaram-se a ficar em campo e apertar a mão dos militares.


*Publicado originalmente no Jornal "Opinião Socialista" em 2006 e no sítio do PSTU (http://www.pstu.org.br/ ) por ocasição da Copa do Mundo da Alemanha.


- Mais informações sobre a Copa de 1978*:

- País-sede: Argentina

- Data: 01 a 25 de junho de 1978

- Participantes: Itália, Argentina (campeã), França, Hungria, Polônia, Alemanha Ocidental, Tunísia, México, Áustria, Brasil, Suécia, Espanha, Peru, Holanda (Vice-campeã), Escócia e Irã.

- Final: Argentina 3 x 1 Holanda (Buenos Aires, 25 de junho)

- Curiosidades da Copa:
- A Copa do Mundo FIFA de 1978 foi a 11ª Copa do Mundo de Futebol disputada, e contou com a participação de 16 países. 97 países participaram das eliminatórias;

- O super craque holandês Johan Cruijff
se recusou a jogar a Copa de 78 como forma de protesto contra o regime militar. Nos meses que antecederam a Copa, houve forte campanha internacional de boicote em protesto aos milhares de presos, desaparecidos e exilados pela ditadura argentina. A selação da França chegou a anunicar a não-participação em protesto contra o assassitado de freiras francesas, mas sob ameaça de punição, voltou atrás;

- No grupo da Argentina, a Itália roubou a cena e venceu os 03 jogos da primeira fase. Com um gol de Betega, despachou os donos da casa, 1 x 0. Era a geração de Paolo Rossi, Conti, Schirea começando a brilhar. A Argentina venceu a Hungria e a França, ambas por 2 x 1 e ficou com a segunda vaga;

- Ainda na primeria fase, a seleção francesa entrou em campo de branco em protesto contra o regime e contra a arbitragem da copa. O uniforme era idêntico ao time da Hungria, o adversário do jogo. Após mais de 40 minutos de confusão, os jogadores da França acabaram sendo obrigados a jogarem com uniformes verdes listrado de branco, cedidos as pressas por um time amador, o Kimberley. Os franceses venceram o jogo por 3x1;

- No grupo do Brasil, a seleção canarinho perdida em meio aos malabarismos táticos do técnico Cláudio Coutinho não se encontrava. O time era inseguro, apático e sem imaginação. No primeiro jogo o Brasil empatou com a Suécia, 1 x 1. Neste jogo uma curiosidade. Último lance do jogo. Escanteio a favor do Brasil, bola centrada na área e gol de Zico de cabeça. Só que o juiz encerrou o jogo com a bola no ar, após a batida do corner. O Brasil ainda empatou com a Espanha em 0 x 0. E só se classificou ao vencer a Áustria no terceiro jogo, 1 x 0, gol de Roberto Dinamite. A Áustria que venceu os dois primeiros jogos ficou com a outra vaga;

- A Holanda, apesar de perder para Escócia, se classifivou pelo Grupo C, junto com o Peru. No grupo D, Alemanha Ocidental e Polônia se classificaram;

- A segunda fase, foram formadas duas chaves. Brasil e Argentina caíram no mesmo grupo e em um jogo nervoso empataram em 0 a 0, em Rosário. O Brasil se recuperou da apatia da e venceu a forte seleção peruana por 3 x 1. A Argentina passou pela Polônia por 2 x 0. Na última rodada, o Brasil venceu de forma brilhante a Polônia por 3 x 1. Com este resultado só restava à Argentina vencer o Peru por 4 gols de diferença! Porém o Peru, entrou em campo passeando, abriu mão do direito de jogar, e levou um vareio de 6 x 0.;

- O jogo Argentina e Peru é tido como uma das maiores armações da história de todas as copas. Atendendo a pedidos das emissoras de TV argentinas que alegaram estarem se adaptando a era do canal a cores, a FIFA repentinamente alterou o horário dos jogos decisivos do Grupo B das semifinais da Copa de 1978: sendo que o jogo Brasil x Polônia seria disputado no horário vespertino, e o jogo Argentina x Peru no horário noturno, o selecionado argentino entrou em campo praticamente com o resultado na mão. Frise-se que o goleiro peruano era argentino de nascimento, Quiroga, e que falhou bisonhamente em vários gols. Porém nada ainda foi provado, e cabe aos argentinos sempre o benefício da dúvida;


- Fernando Rodríguez Mondragón, filho de um chefe do tráfico de drogas Colombiano, declarou em 2007 à Rádio Caracol (Colômbia) que o desarticulado cartel de Cáli subornou a seleção do Peru, com uma cifra não revelada, para que deixasse a seleção da Argentina ganhar o decisivo jogo da segunda fase. A Argentina se classificou tendo os mesmos pontos que o Brasil, mas com melhor saldo de gols. Houve rumores de que a Ditadura Militar argentina desejava o título a todo custo, o que segundo algumas pessoas, explicaria boa parte dos episódios estranhos ocorridos durante a Copa;

- Ao retornarem ao país de origem, a selação peruana foi alvejada por moedas pelos torcedores locais em forma de protesto;

-No outro grupo, a Holanda, que já não era a “laranja mecânica de 1974”, despachou a Áustria (5 x 1), empatou com a Alemanha Ocidental (2 x 2) e ganhou da favorita Itália (2 x 1), conseguindo uma vaga para a final;

- Ao Brasil restou vencer a Itália na decisão de 3º lugar com um golaço de Nelinho. Como a seleção brasileira não perdeu nenhum jogo da copa, ao contrário das finalistas argentina e holandesa, o técnico Cláudio Coutinho utilizou o malabarismo linguístico já que os táticos não funcionaram: "O Brasil foi o campeão moral deste certame";

- Na grande final, Estádio Monumental super lotado. Milhões de papéis picados e bandeiras alvi-celestes. A Argentina pressiona e Kempes abre o placar. A Holanda empatou num belíssimo gol de cabeça. Aos 45 do segundo tempo bola na trave portenha. Prorrogação: a Argentina atropela a laranja mecânica, e vinga a derrota de 4 x 0 sofrida em 74. Final Argentina 3 x 1;


- Durante a cerimônia de premiação, a seleção holandesa deu as costas para o ditador Rafael Videla e se retirou de campo.

-Dias antes, uma TV holandesa que cobria a Copa mostrou ao mundo inteiro o drama das “Madres de La Plaza de Mayo”, em busca de seus filhos presos e desaparecidos. Com a vitória da selação argentina contra o Perú que classificou o time para a final, torcedores tomaram o local dos protestos, que cessaram até o final do evento.

*Fonte: Wikepédia


- Leia o que já foi publicado aqui no blog sobre a história das copas:
1930 - Uruguai: A bola rola, com o mundo em frangalhos

1934 – Itália: O futebol como peça de propaganda do fascismo

1938 – França: O diamante negro e a copa da guerra

1950 – Brasil: A copa tupiniquim

1954 – Suíça: A Guerra Fria vai à final

1958 – Suécia: Afinal, a taça!

1962 – Chile: “Porque nada temos, nós faremos tudo”

1966 – Inglaterra : 'Deus salve o juiz'

1970 – México: A ditadura militar embalada pelo tri

1974 – Alemanha: Generais de bola murcha


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