A Amazônia já perdeu quase 20% de sua extensão original. / ALEXANDER LEES |
Por: Miguel Angel Criado*
Alguns poucos milhares de proprietários, com
fazendas de mais de 1.000 hectares, são os principais responsáveis pelo
desflorestamento da Amazônia. Um estudo, apoiado em satélites, mostra que o
plano do Governo do Brasil para frear a desaparição da selva está se esgotando.
Inclusive, em 2013, houve um aumento do corte de árvores.
No começo do século XX, o ritmo do desflorestamento
da Amazônia brasileira era tal que, antes do fim do século, a selva teria
desaparecido. No entanto, em 2004, um plano de ação do Governo do Brasil, então
presidido por Lula da Silva, conseguiu frear o corte e a queima de árvores. O
programa, que tem por objetivo diminuir em 80% o desflorestamento amazônico em relação
à média do período 1996-2005, incluía a criação de novas reservas, a
regularização da propriedade de muitas fazendas pequenas, a promoção de
sistemas agrícolas sustentáveis e, em especial, a vigilância do uso das terras,
chegando a multar seus proprietários e até embargando as terras.
Os frutos não demoraram para aparecer. Até 2004, a
Amazônia perdia uns 20.000 km² anuais em média. Em 2004, um dos piores anos, a
cifra chegou aos quase 27.000 km² (2,7 milhões de hectares). Desde então, o
ritmo anual de desflorestamento foi diminuindo até ficar entre os 5.000 e 7.000
km2 anuais. Embora os dados sejam positivos, o único que a Amazônia conseguiu
foi ganhar tempo. Não desaparecerá neste século, mas, se continuar assim, pode
ser que não chegue ao final do milênio.
Um estudo realizado pelo Instituto do Meio-Ambiente
de Estocolmo (SEI, Suécia) mostra quem são os responsáveis pelo
desflorestamento sofrido pela Amazônia e quem fez mais pela diminuição deste
ritmo. Em relação a pesquisas anteriores, que apontavam a expansão fronteiriça
dos camponeses e pequenos pecuaristas, os maiores culpados são os grandes
proprietários. Alguns milhares que possuem mais de 800.000 km2 dos cinco
milhões que formam a Amazônia brasileira.
“Primeiro estão os grandes pecuaristas (70%) e depois
os grandes e médios cultivadores de soja (10%)”, diz o pesquisador do SEI e
principal autor do estudo publicado no PNAS, o espanhol Javier Godar.
Combinando as estatísticas oficiais sobre o regime de propriedade com dados
obtidos por satélite, como o do sistema DETER, o trabalho divide
responsabilidades.
Quase a metade da superfície desflorestada entre
2004 e 2011, ao redor de 36.000 km² aconteceu em áreas dominadas pelas grandes
propriedades, aquelas maiores de 500 hectares. Os pequenos e médios proprietários
dividem, em partes iguais, outros 20%. O terço restante do desflorestamento
aconteceu no que os pesquisadores chamam de áreas remotas, tão distantes que
ali não chega nenhuma autoridade para comprovar de quem é a terra e, menos
ainda, sancionar seu mau uso.
O desflorestamento de uns e outros também é
qualitativamente diferente. As grandes extensões arrancadas da selva pelos
maiores proprietários, cujas fazendas têm uma extensão média de 7.000 hectares,
não poderão se recuperar de forma natural. No entanto, as pequenas propriedades
têm um impacto menor na área circundante e estão menos degradadas.
“Os pequenos proprietários mantêm melhor a terra.
Abrem zonas menores onde não há impacto nem efeito de borda, a zona ao redor
sofre menos com a seca e se fecha mais rapidamente”, explica Godar. Por outro
lado, em uma fazenda de 1.000 hectares, as sementes não conseguem chegar até o
centro e a zona está mais exposta à erosão. Além disso, enquanto o pequeno
proprietário tende a ficar ali onde abriu uma clareira, “o grande se move por
uma renda rápida, planta, esgota e abandona as zonas que vão se degradando para
abrir outras novas”, acrescenta o pesquisador do SEI.
Seu trabalho, embora demonstre o sucesso das
medidas para frear o desflorestamento, também mostra que elas estão se
esgotando. Os melhores anos do plano já passaram. De uma redução do ritmo de
desflorestamento de 88% nos primeiros anos, chegou-se a uma redução anual de
apenas 60% nos últimos. Inclusive, em 2012, houve um aumento relativo do
desflorestamento de 28%, sendo a primeira vez em uma década que aumenta o ritmo
do corte.
“É um grande desafio produzir novas reduções do
desflorestamento no Amazonas, usando o mesmo enfoque de controle e
desincentivos legais, principalmente porque o desmatamento está ocorrendo em
mais zonas, em unidades com tamanhos menores e em zonas mais remotas, que são
portanto mais difíceis de detectar e com maior custo para controlar por unidade
de desflorestamento evitado”, argumenta Godar.
De fato, muitos proprietários estão reduzindo o
tamanho das áreas desflorestadas. Antes abriam zonas enormes e agora abrem
muitas outras zonas, mas com menos de 25 ha para não serem detectados. Abaixo
dessa extensão, o sistema de vigilância das autoridades não consegue detectar
mudanças no uso do terreno.
Outro problema é que, embora os grandes
proprietários estejam bem fiscalizados, com milhares de fazendas embargadas,
controlar o uso pelos pequenos é muito mais complicado. Além da limitação
técnica, o custo econômico e político de ir contra eles é maior. Para Godar, se
não houver uma mudança para um modelo baseado em incentivos, “o
desflorestamento aumentará nos próximos anos”.
*Fonte: El País