Nivaldo Souza e Bernardo Caram*
Apesar das manifestações de junho de 2013 - carregadas com o simbolismo de um movimento popular por renovação política e avanço nos direitos sociais - o resultado das eleições do último domingo, 5, revelou uma guinada em outra direção. Parlamentares conservadores se consolidaram como maioria na eleição da Câmara, de acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
O aumento de militares, religiosos,
ruralistas e outros segmentos mais identificados com o conservadorismo
refletem, segundo o diretor do Diap, Antônio
Augusto Queiroz, esse novo status. "O novo Congresso é,
seguramente, o mais conservador do período pós-1964", afirma. "As
pessoas não sabem o que fazem as instituições e se você não tem esse domínio, é
trágico", avalia.
Ele acredita que a tensão criada pelo
debate de pautas como a legalização do casamento gay e a descriminalização do
aborto deve se acirrar no Congresso, agora com menos influência de mediadores
tradicionais, que não conseguiram de reeleger. "No caso da Câmara, muitos
dos parlamentares que cuidavam da articulação (para evitar tensões) não estarão
na próxima legislatura. Algo como 40% da 'elite' do Congresso não estará na
próxima legislatura, seja porque não conseguiram se reeleger ou disputaram outros
cargos. Houve uma guinada muito grande na direção do conservadorismo",
diz.
O levantamento do Diap mostra que o número de
deputados ligados a causas sociais caiu, drasticamente, embora os números
totais ainda estejam sendo calculados. A proporção da frente sindical também
foi reduzida quase à metade: de 83 para 46 parlamentares. Junto com a redução
desses grupos, o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a
descriminalização das drogas - temas que permearam os debates no primeiro turno
da disputa presidencial - têm poucas chances de serem abordados pelo Congresso
eleito, que tomará posse em fevereiro de 2015.
"Posso afirmar com segurança que
houve retrocesso em relação a essas pautas. Se no atual Congresso houve
dificuldade para que elas prosperassem, no próximo isso será muito mais
ampliado. Houve uma redução de quem defendia essa pauta no Parlamento e
praticamente dobrou (o número de) quem é contra", diz.
Parte consistente do conservadorismo,
segundo Queiroz, virá da bancada
evangélica. Ele estima que o número de religiosos desta corrente deve crescer
em relação aos 70 deputados eleitos em 2010. "A bancada evangélica vai
ficar um pouquinho maior, mas com uma diferença: nomes de maior peso dentro das
igrejas para melhor coordenar e articular os interesses desse segmento junto ao
Congresso", diz. Entre essas lideranças, o Diap já
identificou 40 bispos e pastores.
Militares
O Diap também
estima um aumento consistente de policiais e militares eleitos. Queiroz prevê que o aumento
de parlamentares com este perfil deve chegar a 30%. "Esse grupo,
necessariamente, vai fazer parte da 'bancada da bala', porque defende a defesa
individual", diz, referindo-se ao lobby da indústria armamentista.
A ampliação desse grupo é uma onda
que veio na contramão das manifestações populares de 2013. "Isso é produto
da alienação. Quem foi para rua, em grande medida, foi pedindo mudanças. Mas
sem ter uma liderança capaz direcionar e coordenar (o movimento). Era 'contra
tudo o que está aí'."
Queiroz considera que, caso o candidato do PSDB, Aécio
Neves, seja eleito, temas como a redução da maioridade penal,
considerada uma proposta conservadora, podem avançar facilmente no Congresso.
"O PSDB perdeu em quantidade (reduziu de 12 para 10 o número de
senadores), mas é uma bancada que se renova do ponto de vista qualitativo. Só
que com viés conservador", diz.
*Fonte: O Estado de S. Paulo, 07-10-2014. Charge de Carlos Latuff (não consta na matéria originalmente).
*Fonte: O Estado de S. Paulo, 07-10-2014. Charge de Carlos Latuff (não consta na matéria originalmente).