Os
1.400 índios da terra indígena Xikrin do Cateté, no Pará, não podem mais beber
a água do rio que atravessa suas aldeias. A pesca e o banho se tornaram
atividades de risco. Os peixes não servem para consumo, e doenças começam a
surgir nas aldeias.
O
motivo, de acordo com laudo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, é
que a água do rio Cateté está contaminada por metais pesados: níquel, cobre,
cromo e ferro. O material, segundo o Ministério Público Federal, é proveniente
do campo de mineração da usina Onça Puma, da Vale, cuja operação foi suspensa
na semana passada após decisão judicial.
O
laudo da universidade federal atesta a contaminação e sua origem. Relatos e
imagens feitas por um endocrinologista da Escola Paulista de Medicina, que visita
as aldeias todos os anos, também corroboram o desastre ambiental na região paraense.
Indígenas constroem barragem vegetal no rio Seco para impedir avanço de peixes em águas poluídas (João Paulo Botelho Vieira Filho/Divulgação) |
A
empresa recorre da decisão e nega que o rio esteja contaminado. A Vale afirma
ainda que, em 2015, repassou R$ 11 milhões aos indígenas.
Em
atividade desde 2011, a Onça Puma, com sede em Ourilândia do Norte, no sudeste
do Pará, produz anualmente 53 mil toneladas de níquel contido em ferro-níquel.
Para
o Ministério Público Federal, a poeira erguida por máquinas, caminhões e explosões
contamina o solo e, com a chuva, atinge o rio Cateté, que fica próximo ao
empreendimento. O problema ambiental já tem suas primeiras vítimas: há relatos
de índios com olhos avermelhados, dor de cabeça, vômitos, lesões na pele, além
de seis casos de recém-nascidos com má formação nos últimos três anos.
A
paralisação das atividades da Onça Puma é fruto de uma ação de 2012 do Ministério
Público Federal. Já naquele ano, o órgão questionava a ausência de um plano de
gestão econômica para as aldeias Xikrin e Kayapó, atingidas pela mineração.
“Jamais
houve qualquer projeto implementado para compensar os impactos aos indígenas. A
Vale precisa impedir a contaminação do rio”, diz a procuradora Luisa Astarita
Sangoi, à frente da ação. De acordo com ela, a Onça Puma possui licença apenas
do órgão ambiental estadual do Pará, insuficiente para a atividade realizada no
local.
"Graves consequências"
"Graves consequências"
Segundo
o endocrinologista João Paulo Botelho Vieira Filho, consultor médico das associações
indígenas atingidas, a contaminação por metais alterou radicalmente a rotina
dos índios, que precisam recorrer a poços semiartesianos e até construíram
barragens naturais em outro rio para impedir o avanço dos peixes na água contaminada.
“Há
poucos peixes, principal alimento da etnia, e os que restaram não prestam. Os
índios comem e vomitam. Estão ingerindo metais pesados”, diz o médico,
preceptor do Departamento de Endocrinologia da Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo). Vieira Filho monitora a saúde dos xikrin no Pará há 49 anos, quando
haviam apenas 98 indígenas.
Nas
margens do rio, a coloração avermelhada domina. Grotões e poças próximas ao
leito acumulam o sedimento tóxico. Os problemas são iminentes, segundo o
médico.
“Os
metais pesados trazem grave consequência para humanos, animais e a vida
silvestre, ocasionando cânceres e desreguladores hormonais. Também pode haver
déficit mental, infertilidade, obesidade, diabetes e distúrbios da tireoide”,
disse ele.
A
decisão, concedida em liminar pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, também
inclui a compensação mensal de R$ 1 milhão para cada das três aldeias atingidas
até que um plano de auxílio seja colocado em prática. A retomada das atividades
da usina também está condicionada ao cumprimento do amparo ao indígenas e
proteção da área.
“[O
rio] Está inapropriado para consumo de alimento e inclusive para banho”, diz
trecho do laudo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, realizado em
abril deste ano.
Outro lado
Outro lado
Em
nota, a Vale diz que recorreu da decisão, afirma desconhecer o laudo da universidade
federal e nega que o rio esteja poluído. A companhia diz que seus próprios
monitoramentos atestam que altos níveis de metais na área são causados pela “geologia
local”.
Também
diz que possui todos os estudos ambientais e que não implanta ações de mitigação
de impacto no local por “impedimento dos indígenas”.
*Fonte: Folha de São Paulo