Por Renata Mariz*
O Palácio do Planalto
determinou a derrubada de um ato editado pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) que, entre outras medidas, estabelece regras para a
desapropriação de terras nas quais autoridades flagrarem trabalhadores em condições
análogas às de escravos, para que sejam transformadas em assentamentos rurais.
Depois de ser pressionado
pela bancada ruralista, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante,
determinou à Advocacia-Geral da União (AGU) que conteste a Instrução Normativa
83/ 2015, publicada no início deste mês no Diário Oficial da União. A AGU deve
se manifestar nos próximos dias. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) promete reagir caso o ato seja anulado.
— Se, a pedido da Casa
Civil, a AGU derrubar essa instrução, será um sinal de que o governo não tem
comprometimento com os movimentos sociais. Aí, caberá ao MST verificar de que
forma protestará contra essa medida. Os órgãos do governo que tomem suas
decisões, o movimento responderá — afirmou Alexandre Conceição, integrante da
coordenação nacional do MST.
A bancada ruralista também
ameaça intensificar a pressão sobre o governo — mas, nesse caso, se a instrução
normativa do Incra não for anulada em breve. O deputado Alceu Moreira
(PMDB-RS), da Frente Parlamentar da Agropecuária, que se reuniu com Mercadante
na semana passada, conta que a bancada vai esperar uma decisão até a
próxima quarta-feira. Ele disse que, se isso não acontecer, o ministro da
Casa Civil será convocado para prestar esclarecimentos na Comissão de
Agricultura da Câmara.
— A intenção era aprovar
essa convocação esta semana. Falamos isso abertamente para Mercadante. Mas,
para não criar constrangimento, nós adiamos para a semana que vem. O
requerimento (de convocação) será aprovado com toda a certeza na comissão se a
AGU não sustar essa instrução normativa — alertou Moreira.
Segundo o deputado, o Incra
não tem competência para aplicar uma punição tão grave como desapropriar ou
expropriar terras. Esse tipo de medida, defende o parlamentar, tem de ser feita
por lei, via Congresso. Outra crítica de Moreira diz respeito ao termo usado na
instrução normativa: “trabalhadores em condições análogas às de escravos”. Para
ele, trata-se de algo “genérico demais”, que serve apenas para atender aos
“interesses ideológicos” do Incra.
Disputa fica acirrada
Caso as pressões sobre o
Planalto não surtam efeito, a bancada ruralista planeja derrubar o ato do Incra
por meio de um decreto legislativo. Para Alexandre Conceição, do MST, a
instrução apenas reforça e detalha o que está previsto na Constituição Federal,
no que diz respeito à função social da terra. Flagrantes de trabalho escravo e
agressão ao meio ambiente, na avaliação dele, devem levar à desapropriação
imediata.
Segundo Alexandre, o primeiro
mandato da presidente Dilma Rousseff foi marcado pela criação de instrumentos
legais que dificultaram a destinação de terras para a reforma agrária. Ele
reivindica o assentamento de 120 mil famílias que estão “sob a lona preta” há
12 anos, esperando terras.
Procurado, o Incra não
respondeu aos questionamentos do GLOBO sobre a possibilidade de ser
desautorizado pela Casa Civil. A AGU também não se pronunciou sobre o tema.
Fonte: O Globo - RJ/28/08