Grupo de piratas desmatava, corrompia servidores e
ameaçava de morte. Negócio movimenta, só em exportações, em média R$ 1 bilhão
por ano.
Não
é de hoje que bandidos exploram ilegalmente madeira da Amazônia, mas, esta
semana, para uma quadrilha, chegou o fim da linha. O Fantástico mostra a
operação que desmantelou, no Pará, um grupo de piratas amazônicos. Um esquema
que movimentava bilhões de reais, desmatava, corrompia funcionários públicos e
ameaçava de morte quem ficava no caminho.
No
meio da mata, uma clareira, uma das dezenas de serrarias que operam com madeira
ilegal no oeste do Pará, a região que mais desmata no país. Ação de uma
organização criminosa que destrói a floresta, oprime e ameaça a população mais
desprotegida da Amazônia.
Um
esquema que começou a ser desmontado na segunda-feira (24), numa grande operação
da Polícia e do Ministério Público Federais que já prendeu 21 pessoas.
Estima-se
que entre 50% e 80% de toda a madeira retirada na Amazônia seja produto de
desmatamento ilegal, um negócio que, só em exportações, movimenta em média R$ 1
bilhão por ano.
Fantástico:
É possível legalizar tanta madeira sem a participação de órgãos públicos?
Ildo Gaspareto (superintendente da Polícia Federal no Pará): Não, é impossível, por isso que o trabalho de inteligência policial e de integração dos órgãos é fundamental. Nós temos que ser mais organizados que o crime organizado.
Ildo Gaspareto (superintendente da Polícia Federal no Pará): Não, é impossível, por isso que o trabalho de inteligência policial e de integração dos órgãos é fundamental. Nós temos que ser mais organizados que o crime organizado.
O
Fantástico teve acesso a trechos de gravações feitas em oito meses de
investigação da Polícia Federal e do Ministério Público, com autorização da
justiça. Dois operadores do esquema combinam esconder uma carga ilegal até
conseguir a papelada. Na conversa, fala-se de pagamento de propina para
autoridades.
Rodrigo Andrade: Depois
de uns dez ou quinze dias que ver que o negócio não vai dar nada, não vai
vistoria, não vai travar. Até lá, não sai um metro a não ser para pagar juiz,
advogado e o pessoal da Sema [Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade do
Pará].
A
madeira cortada de forma criminosa ganha aparência de madeira legal, com uma
fraude cada vez mais sofisticada. O comércio de licenças de corte fraudadas ou
roubadas.
O
principal operador do esquema, Paulo Sérgio da Silva, o Paçoca, não escondia a
vida boa que levava com o dinheiro do crime: viagem de jatinho, carros de luxo.
Agora, está preso em Belém.
Quando
negocia, deixa claro que não vende madeira, só papel. O preço é por metro
cúbico de madeira serrada.
Nicácio: O que você está fazendo com maçaranduba,
ipê, angelim?
Paçoca: Hoje, aqui, cara, está R$ 350, R$ 340 ipê, maçaranduba está R$ 180, R$ 170 o preço na praça à vista.
Nicácio: Você está falando preço do quê?
Paçoca: Só da nota fiscal, o custo do documento.
Paçoca: Hoje, aqui, cara, está R$ 350, R$ 340 ipê, maçaranduba está R$ 180, R$ 170 o preço na praça à vista.
Nicácio: Você está falando preço do quê?
Paçoca: Só da nota fiscal, o custo do documento.
Documento
que só deveria acompanhar madeira tirada de áreas de manejo sustentável, onde
cada árvore tem um número, que fica com ela desde a retirada do mato até o
consumidor final. Mas esse registro é virtual, um documento eletrônico, e foi
assim que o desmatamento entrou na área dos crimes cibernéticos. Eles agiam de
várias maneiras, como invadindo os computadores de empresas legalizadas.
Eles também clonovam licenças. Assim, a licença era reusada para esquentar madeira ilegal e chegar a hackear os computadores do próprio Ibama e da Secretaria do Meio Ambiente do Pará, e emitiam eles mesmo novas licenças, para esquentar madeira de origem criminosa.
É
tanto documento frio que o trabalho do Ibama era como enxugar gelo. Nos últimos
anos, recolheu papéis falsos que seriam usados para jogar no mercado madeira no
valor de R$ 600 milhões, o equivalente a 6,5 mil caminhões carregados.
Em
uma serraria a 120 quilômetros de Santarém, acontecia, segundo a denúncia do
Ministério Público, um novo tipo do crime: os madeireiros tinham projeto de
manejo, mas, em vez de explorar a madeira na área autorizada, tiravam das áreas
de preservação. A serraria foi lacrada.
E
não foi só no pátio da serraria que o Ibama encontrou madeira ilegal. Escondida
no meio do mato, a 500, até mil metros de distância da serraria estavam muitos
metros cúbicos de madeira. Tudo escondido sob as copas das árvores. As pilhas
estavam também cobertas com galhos, para não serem vistas por satélite ou pelo
helicóptero do Ibama.
Preso
na segunda (24), o dono da serraria se defendeu. “Sou o único que tem plano de
manejo”, afirma.
Everton
e o pai, Irio Orth, também preso, seriam, segundo a polícia, os responsáveis
por receptar e esquentar madeira ilegal da quadrilha. Ambos dizem que foram
presos injustamente.
Segundo
a polícia, as fraudes envolvem empresas-fantasma, para escapar das multas
ambientais.
Em cinco anos, o Ibama emitiu quase R$ 15,5 bilhões em multa, mas só conseguiu receber menos de 2% desse total.
Na
operação foram presos fiscais da Sema e do Ibama, que acobertavam a ação da
quadrilha.
“Eles
estavam passando informação de áreas da operação, do nome dos servidores que
estavam em operação em determinado local. Tudo isso leva a um risco muito maior
para essa pessoa que está no local e não se corrompeu”, aponta o
superintendente do Ibama no Pará, Alex Lacerda.
A
investigação chegou também aos projetos de reforma agrária. A denúncia é grave.
A Superintendência Regional do Incra estaria deixando os assentados
desassistidos de propósito. Sem poder tirar o sustendo da terra, os assentados
vendem a madeira ou a terra, porque os projetos de plantio e apoio nunca
chegam. Só que, neste caso, a omissão do Incra não era por falta de recursos,
mas deliberada, proposital, para facilitar o trabalho da quadrilha. É essa a
acusação que o Ministério Público faz contra o superintendente do Incra em
Santarém, Luiz Bacelar, e mais três funcionários do instituto.
A
polícia gravou conversas entre Bacelar e um intermediário chamado Charles, que
também foi preso. Charles fala sobre uma propina a ser paga a Bacelar.
Charles: Rapaz, aquela situação lá, o rapaz me
ligou disse que deu um problema no depósito.
Bacelar: Ah.
Charles: Aí vai tentar de novo. Vambora ver amanhã, eu falei como é que vai dar, mas tranquilo.
Bacelar: Ah.
Charles: Aí vai tentar de novo. Vambora ver amanhã, eu falei como é que vai dar, mas tranquilo.
No
dia seguinte, o depósito na conta de Bacelar foi rastreado pela polícia.
Quando
iam reclamar no Incra, os assentados sempre recebiam a mesma resposta. “Não
veio o dinheiro, não tem. Aí fica naquele empurra. Enquanto fica nesse empurra,
os grileiros e o madeireiro invadem e aí as lideranças ficam na risca de sofrer
atentados, de ser humilhado, de não poder falar nada, porque, se falar, os
caras punem com a mão de ferro”, diz o líder comunitário Paulinho.
Há
dois anos, Paulo sofreu o primeiro atentado. Ele fotografou os buracos de bala
na parede da casa.
Paulo: Em 2015, aconteceu outro atentado.
Fantástico: E como é que foi dessa vez?
Paulo: Dessa vez, eles me rodaram só que eu estava armado e fiz um disparo contra eles.
Fantástico: E como é que foi dessa vez?
Paulo: Dessa vez, eles me rodaram só que eu estava armado e fiz um disparo contra eles.
Paulo
feriu um pistoleiro e conseguiu fugir. Hoje, vive escondido, protegido pela
polícia. “Não é fácil lá dentro, porque, aonde tem madeira, gera ambição,
porque gera dinheiro. Eles querem comprar o meu pedaço de terra lá. Não vendo.
Não vendo. Eu quero voltar pra lá. E vou voltar. É lá que eu sei criar a minha
família”, afirma.
“Estado
acaba incentivando, ainda que pelo desvio de um dos seus servidores, que as
pessoas sejam mais exploradas ainda. É negar uma política pública e mais do que
negar é usar essa política pública como uma forma de exploração, exploração da
pessoa e destruição do meio ambiente. Enfim, é a antítese do estado. É
exatamente aquilo que o estado não pode fazer”, diz o diretor do Ministério
Público Federal no Pará, Ubiratan Cazzetta.
Outro
assentamento. A história se repete. Iranildo e o pai, seu Alfredo, vivem em uma
vila de assentados no município de Óbidos. Lá, tudo é precário. Nem licença
para plantar eles têm.
Abandonados
pelo poder público, muitos assentados venderam suas terras aos fazendeiros. Em
uma delas, o Incra, através de Bacelar, entregou 10 mil hectares ao homem que
se apresenta como o maior produtor de açaí do mundo. Parte da plantação está
dentro da terra dos assentados.
Eloy
Vaccaro foi preso em casa, em Florianópolis, e levado para o presídio. O
advogado dele chamou a prisão de equívoco e disse que Vaccaro é um empresário
respeitado, já tendo sido homenageado por autoridades no Acre e no Pará. No
assentamento, Vaccaro teve até um plano de manejo aprovado.
A
derrubada é um drama para quem vive do extrativismo. “Uma árvore de cumaru dá
na faixa de 40 quilos...”, diz Iranildo da Silva Pereira. No mercado, isso dá
R$ 600.
“Então,
se ele cortar essa árvore hoje, é um dinheiro que não volta mais para nossa
região. Desaparece e você, no ano que vem, você acabou o cumaru nem a safra tem
mais numa região dessa’, diz Iranildo.
Os
sem-terra correram para reocupar a área que já era deles.
Fantástico: O
que você vai fazer com essa terra?
Donilson da Silva Pimentel (assentado): O projeto que eu tenho aqui é plantar coco. Pelo menos 200 pés de coco, 200 pés de açaí, 200 pés de banana, 200 pés de cumaru. Reflorestar, né. Trazer de volta aquilo que eles levaram.
Donilson da Silva Pimentel (assentado): O projeto que eu tenho aqui é plantar coco. Pelo menos 200 pés de coco, 200 pés de açaí, 200 pés de banana, 200 pés de cumaru. Reflorestar, né. Trazer de volta aquilo que eles levaram.
Por
fazer essas denúncias, Iranildo e o pai, seu Alfredo, estão ameaçados de morte.
“Tinha 3 pistoleiros dentro do carro”, diz Iranildo.
Fantástico: Isso também está sendo investigado?
Fabiana Schneider (procuradora da República):
SimTudo que chegou até o Ministério Público Federal e também ao Ministério
Público Estadual é objeto de investigação. Não está diretamente atrelada a essa
operação que nós deflagramos agora.
“Querem
comprar meu pedaço de terra lá. Não vendo. Eu quero voltar para lá, que é onde
eu sei criar minha família,” diz Paulo.
Como
Paulo, Iranildo acredita que denunciar as ameaças é uma forma de proteção. “Eu
quero mostrar o meu rosto, porque, se um dia acontecer o que aconteceu com
Chico Mendes, com Dorothy Stang, eu quero saber com quem eles fizeram. Para
dizer: Iranildo morreu, mas foi por uma luta justa, a causa ele defendeu. A
gente vê lá as pessoas que vem nos representar e vai representar madeireiro. Essa
é a nossa luta”, afirma.
Fonte: Fantástico - TV Globo