Por Sarah Fernandes*
No sudeste do Pará, a concessão do
abastecimento para a Odebrecht Ambiental veio acompanhada de tarifas altas;
moradores de baixa renda têm de decidir entre pagar a conta ou garantir a
alimentação das crianças
A
água, tão central na cultura amazônica, tem se transformado em um bem caro e
até mesmo perigoso em São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara,
no sudeste do Pará. O líquido que chega às torneiras das casas está sob a
responsabilidade da Odebrecht Ambiental, que detém as concessões do serviço de
abastecimento nas três cidades e em outros sete municípios paraenses. Moradores
de baixa renda, que precisam do Bolsa Família para sobreviver, têm sentido
dificuldade para pagar as contas todo mês. Também existem reclamações de que a
empresa usa cloro em excesso no tratamento, o que traz mal-estar às crianças.
Alguns
pais enfrentam o dilemma entre deixar as contas em dia ou manter a família, o
que pode resultar em cortes até na alimentação. Há moradores que viram a fatura
alcançar metade do orçamento, chegando a valores próximos de R$ 200. Nos três
municípios, 4.107 pessoas vivem com até um quarto do salário mínimo por mês (o
equivalente a R$ 197), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A saída é gerenciar a economia doméstica, em uma eterna
corda bamba, que onera sobretudo as crianças.
Muitos
recorrem a fontes alternativas de água, como poços artesianos e rios da região,
que podem estar contaminados. Isso expõe as crianças ao risco de ter diarreia e
doenças como febre tifoide, hepatite A e parasitoses. “A tarifa da água aperta
demais o orçamento. Muitas vezes tive que deixar de comprar coisas para as
meninas, como comida ou material de escola. Houve meses em que tive que pedir
dinheiro para a minha sogra para colocar comida na mesa”, afirma a dona de casa
Ana Carolina Dias Palone, de Xinguara, que tem duas filhas, de 5 e 7 anos.
“Muitas vezes tenho que deixar uma conta pendente para o próximo mês, para dar
tempo de sobrar um dinheirinho e conseguir comprar o que elas precisam comer.”
Os
valores das tarifas de água foram definidos pelas prefeituras e pelas empresas
nos contratos de concessão. Os moradores, principais afetados pela mudança,
tiveram oportunidades restritas de participar da definição dos preços. “Não há
no Pará uma agência reguladora que discuta com a prefeitura e com a população
os valores. Eu, daqui, tenho que garantir que minha empresa continue
funcionando. Somos uma companhia privada e visamos ao lucro. Não adianta ser
hipócrita”, diz uma das engenheiras da empresa, que teve a identidade
preservada.
Cada
município atendido pela Odebrecht Ambiental possui obrigações específicas,
descritas no respectivo plano de água e esgoto. “A região amazônica tem
minério, terra, água. Tudo isso. As empresas vêm com a intenção de se apropriar
da água e do bem público. A lógica da Odebrecht é mercantilizar a água,
torná-la mercadoria”, afirma Cristiano Medina, integrante do Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB). A empresa ressaltou, via assessoria de imprensa,
que, pelo modelo de concessão adotado nos municípios paraenses, assume a
operação sob supervisão da prefeitura e deve assegurar investimentos e
prestação de serviços. Após 30 anos, as benfeitorias implantadas ficarão com os
municípios.
Empresas
públicas e privadas de saneamento têm as mesmas obrigações, previstas nos
planos diretores das cidades onde atuam. “A diferença principal é que as
empresas privadas veem na água uma forma de obter lucro, enquanto as estatais
têm o objetivo de desenvolver a região e prestar um serviço de saúde. Assim,
uma empresa estatal pode reduzir as tarifas ou subsidiar regiões pobres sem
aumentar os preços para as outras pessoas. Já a empresa privada terá que cobrar
mais caro de alguém para garantir seu lucro”, exemplifica o diretor regional do
Sindicato dos Urbanitários do Pará, Otávio Barbosa.
‘Compro
comida ou pago água?’
A
notícia da chegada de duas pessoas de São Paulo correu depressa na zona rural
do pequeno município de São João do Araguaia. Famílias inteiras saíam de suas
casas de madeira, ultrapassavam o quintal de terra batida e esperavam junto às
cercas de madeira ou arame farpado, em um modelo de construção quase
padronizado no local. Nas mãos, tinham as contas de água dos últimos meses,
anexas aos avisos de corte do abastecimento. No rosto, uma clara esperança de
resolver o problema que tira o sono – e sustento – de crianças e adultos da
cidade: o valor a ser pago pela água.
“Não…
Nós não somos da Odebrecht. Eu sou repórter e ele é fotógrafo.” A apresentação
decepcionava aqueles que aguardavam uma resposta para o problema. Nas pequenas
residências com banheiros inacabados, repletas de crianças e com sustento vindo
basicamente do Bolsa Família, os valores das contas de água atingem parte
significativa do orçamento familiar. “Minha conta vem por volta de R$ 18,
porque nunca ultrapassei a primeira faixa de consumo. O valor pode parecer
baixo, mas, para mim, que sustento a casa com R$ 200, é muito. A gente acaba
tendo que tirar dinheiro do Bolsa Família para pagar a água e esse era um dinheiro
que deveria ser para a comida das crianças”, conta a dona de casa Ednalda
Moreira Gomes, que vive com o marido e dois filhos, de 10 e 13 anos.
Desempregado,
o trabalhador rural José Reis recebeu em setembro uma conta de água de R$ 48,03
para um consumo de 26 metros cúbicos. Ele mora em uma casa de três cômodos, sem
banheiro, com a esposa e mais três filhas. “Antes nós não pagávamos nada pela
água. Agora, começamos a pagar e nem fomos consultados sobre o preço que
pagaríamos. Ficou caro. Muitas vezes tiro dinheiro da merenda das minhas
meninas para dar conta desse gasto”, lamenta. Ele aguarda uma vistoria da
empresa para verificar a existência de vazamentos. “Está muito pesado para a
gente que vive desempregado. Estou sem pagar, porque não tenho condições. O
dinheiro que recebemos do Bolsa Família vai todo para comida e material
escolar. Eu não posso mexer nisso.”
A
renda da família da dona de casa Marines Cardoso de Oliveira também vem do
Bolsa Família, que paga R$ 35 por criança, até o teto de R$ 175 – R$ 33 a menos
que o valor da conta de água de junho, de R$ 208,87, por 62 metros cúbicos. “Às
vezes é preciso escolher: comprar comida para as crianças ou pagar a água”, explica.
Ela vive em uma casa de um cômodo com um banheiro inacabado, com o marido e
nove filhos, três deles com deficiência mental. “O Bolsa Família só dá para
comprar comida para os meninos, e vez ou outra algo para eles vestirem”, diz.
Com a conta atrasada, seu maior medo é ter o serviço cortado e precisar
recorrer à água de um pequeno lago próximo a sua casa, usado pelo gado de
criadores da região. “Já me deram o aviso que, se eu não pagar, vão cortar
minha água. Como vou fazer?”, questiona.
A
história se repete de casa em casa, entre pelo menos 100 pessoas que vivem no
bairro Vila José Martins Ferreira, na zona rural de São João do Araguaia. Quem
não consegue bancar o preço da água recorre a fontes alternativas, e pouco
seguras, como os rios da bacia amazônica e poços artesianos – onde muitas vezes
a água, mal armazenada e sem tratamento, oferece riscos pela presença de
micro-organismos nocivos à saúde. As crianças acabam sendo as mais contaminadas
por doenças bacterianas e verminoses, como confirmam funcionários da saúde
pública da região. Apesar da percepção dos trabalhadores do setor, a Secretaria
Estadual de Saúde do Pará não contabiliza o número de crianças que apresentam
os principais sintomas – diarreia e vômito – pois os problemas não são de
notificação compulsória ao Ministério da Saúde.
A
servente de escola Raimunda Carvalho dos Santos vive em três cômodos com o
marido e três filhos, com apenas um salário mínimo. “Tem que tirar dos meninos,
não tem jeito”, diz. Na conta de julho, o valor era de R$ 168 por 55 metros
cúbicos. “A renda é pouca. Então, para pagar a água, nós temos que tirar da
alimentação das crianças e do material da escola. Como eu vou pagar se não
fizer assim?”, lamenta olhando para o chão, quase envergonhada. “Se cortarem,
vou ter que pegar água no poço do vizinho para dar para as crianças. Mas ela
não é boa. Fico entre a cruz e a espada.”
O
valor da tarifa média por metro cúbico em São João do Araguaia é de R$ 2,22.
Todo o lucro da Odebrecht Ambiental vem da tarifa cobrada dos usuários. A
Agência Pública solicitou o valor médio recebido pela empresa por mês, porém a
informação não foi fornecida. Em São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia
e Xinguara, os contratos não preveem a tarifa social. Ela é aplicada por
decisão da empresa. Podem ter acesso ao benefício clientes da categoria
residencial, com casas enquadradas no padrão baixo de construção (área
construída de até 100 metros quadrados, sem forro, com apenas um banheiro ou
instalações precárias) e que tenham renda familiar igual ou inferior a um
salário mínimo e meio. Apesar de muitos dos entrevistados se enquadrarem nesse
perfil, nenhum deles era contemplado com o benefício.
“Percebemos
que muitas das contas vêm com um consumo muito alto de água. A empresa faz
verificação de vazamentos quando os moradores reclamam, mas não há um controle
mais rigoroso sobre possíveis desperdícios. Mesmo nos casos de vazamentos e das
famílias de baixa renda, não conseguimos negociar um valor menor para a conta”,
afirma o vereador Benisvaldo Bento da Silva (PMDB), que vem organizando os
moradores e conduzindo reuniões com a Odebrecht Ambiental.
“O dinheiro que recebemos do Bolsa Família vai todo para comida. Eu não posso mexer nisso”, lamenta o trabalhador rural desempregado, José Reis. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana |
Na mira da Lava Jato
A
empreiteira Odebrecht, membro do grupo da Odebrecht Ambiental, é uma das
empresas investigadas na Operação Lava Jato. Em julho, comprovantes de
depósitos bancários encaminhados pela Procuradoria da Suíça a integrantes da
Força Tarefa da Polícia Federal comprovaram transferências entre contas
pertencentes à Odebrecht e ex-diretores da Petrobras. No mesmo mês, o juiz
Sérgio Moro, responsável pelos inquéritos, aceitou a denúncia do Ministério
Público Federal contra o presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, e mais
quatro executivos. Ele se tornou réu, sob acusação de corrupção, lavagem de
dinheiro e organização criminosa e segue preso em Curitiba, desde 19 de junho.
Em
20 de outubro, a defesa do empresário entrou com novo pedido de habeas corpus
no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo qual ele pedia “socorro”, em tom
inflamado. O ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Operação Lava
Jato no STF, negou o pedido de liberdade por entender que a prisão preventiva é
necessária, uma vez que o executivo teria orientado supostas atividades
criminosas de outros réus e que supostamente atuou para evitar o levantamento
de provas. No dia 26 de outubro, advogados da empresa entraram com recurso no
Tribunal Penal da Suíça para tentar evitar que extratos bancários em contas no
país europeu sejam remetidos oficialmente ao Ministério Público do Brasil.
Água para quem?
A
empresa tocantinense Hidro Forte Administração e Operação Ltda venceu a
concorrência, seguindo o critério principal de oferecer o menor valor de
tarifa. Três meses depois de assumir a concessão, a empresa foi comprada pela
Odebrecht Ambiental, em setembro do ano passado. A possibilidade de mudar a
empresa prestadora do serviço não estava prevista no edital, como manda a Lei
de Licitações (8.666/93). “Neste caso, para ser legal, a possibilidade deve
estar descrita no contrato de prestação de serviço”, explica Flávio Guberman,
advogado especialista em direito administrativo e societário. Não foi possível
obter o contrato, pois o secretário de Administração de São João do Araguaia,
Emiliano Soares, não respondeu à reportagem.
O
prefeito afirmou que a administração municipal “possui toda a documentação”.
“Nós optamos por ter uma água de qualidade, porque as águas estão muito
poluídas. A Odebrecht tem conhecimento, tem mais recurso e uma trajetória em
saneamento básico. Preferimos migrar”, disse. A empresa informou, pela
assessoria de imprensa, que, desde que assumiu o serviço, reformou a Estação de
Tratamento de Água e regularizou as redes de distribuição e as ligações
domiciliares, além de eliminar ligações clandestinas e fazer a clorificação da
água. O teor de cloro atinge o máximo permitido pela Portaria 2.914/11 do
Ministério da Saúde, de 2 miligramas por litro.
“De
repente fomos surpreendidos pelos contratos com a Odebrecht. Não pudemos fazer
audiência pública nem consultar a população sobre essa mudança. Quando o
serviço era público, a prefeitura não cobrava e a água do rio era distribuída
para a população por um sistema municipal. A Odebrecht não faz ainda o
tratamento completo da água, mas já cobra caro”, reclama o vereador Benisvaldo.
“Passaram-se três meses e a conta que chega nas casas das famílias fica entre
R$ 150 e R$ 300. Tem pessoas que não têm renda nenhuma e têm que pagar isso”.
A
tarifa mínima cobrada em São João do Araguaia é de R$ 18,28 para um consumo de
0 a 12 metros cúbicos, o equivalente a R$ 1,52 por metro cúbico. O valor
aumenta de acordo com o consumo, chegando a R$ 5,73 por metro cúbico para as
residências que usam mais de 50 metros cúbicos. Na cidade de São Paulo, por
exemplo, o preço é de R$ 20,62 para um consumo de 0 a 10 metros cúbicos, sendo
que, pela opção da tarifa social, voltada para as famílias de baixa renda, o
valor cai para R$ 7 nessa faixa de consumo. No município paraense, é de R$ 12.
Apesar disso, 30,41% das famílias de São João do Araguaia vivem com até um
quarto do salário mínimo por mês, contra apenas 2,88% em São Paulo.
O
Pará – onde muitos municípios ainda mantêm sistemas públicos de distribuição de
água – tem a segunda tarifa média mais barata do país: R$ 1,64 por metro
cúbico, atrás apenas do Maranhão (R$ 1,62), segundo o Diagnóstico dos Serviços de
Água e Esgoto de 2013, do Ministério das Cidades. O estado com a tarifa mais
alta é o Rio Grande do Sul (R$ 4,18), seguido por Amazonas (R$ 3,75) e pelo
Distrito Federal (R$ 3,73).
Cidade alagada
O
projeto terá duas eclusas e um lago de 3.055 quilômetros quadrados. Serão
inundados 1.115 quilômetros quadrados de terras de seis municípios do Pará
(Marabá, São João do Araguaia, Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do
Araguaia, Nova Ipixuna, Palestina do Pará), três do Tocantins (Ananás,
Esperantina e Araguatins) e dois no Maranhão (São Pedro da Água Branca e Santa
Helena). A obra tem custo previsto de R$ 12 bilhões e terá capacidade de
produção de 2.160 megawatts.
A
Odebrecht não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre por que
investir em saneamento em uma cidade que será alagada, por considerar uma
informação estratégica para a empresa. “Por questões estratégicas a Odebrecht
Ambiental não fornece esses dados”, disse a assessoria de imprensa.
“Isso
passa por controle do território, mercantilização dos recursos naturais e
controle dos rios”, acredita Cristiano Medina, do MAB. “São as mesmas empresas
que disputam e administram tudo aqui. A Amazônia tem uma reserva vantajosa
mineral, energética e de água e as empresas chegam aqui para controlar esses recursos.”
Água mineral
Apesar
de Xinguara ser a cidade mais desenvolvida entre as visitadas – única com
Índice de Desenvolvimento Humano médio (0,659) –, o distrito de Rio Vermelho,
popularmente conhecido como Gogó da Onça, é composto por algumas poucas casas
de madeira, que se espalham na beira da estrada. “Mãe, mãe, o retratista pode
tirar retrato de eu mais o papagaio?”, pergunta, muito alegre, a pequena
Rafaela Dias Palone, de 7 anos, enquanto corre para dentro de casa. Mãe da
menina, Ana Carolina Dias Palone estava atarefada, cuidando da filha mais nova,
de 5 anos, que há uma semana sofria com fortes dores no estômago e nos rins. O
motivo, segundo o diagnóstico médico, era o cloro na água. “O médico perguntou
se eu dou água da rua para ela e, quando confirmei, ele disse tinha certeza que
era isso, porque já tinha outros casos. Desde então estamos comprando água
mineral, mas é muito caro”, conta a dona de casa.
Uma
dosagem excessiva de cloro para consumo humano pode levar, por exemplo, à
degradação da flora intestinal e a problemas estomacais, segundo o especialista
em química ambiental e tratamento de água, Jorge Antonio Barros de Macedo.
“Além disso, se a água não for filtrada antes de receber o cloro, o contato de
alguns tipos da substância com matéria orgânica pode resultar na formação de
substâncias cancerígenas, chamados trialometanos”, diz.
Uma
das enfermeiras que trabalham diariamente no posto de saúde do distrito – e que
não quis se identificar – confirmou que muitas crianças adoecem devido ao cloro
usado na água. Ela reconhece, contudo, que houve uma diminuição do problema
desde o começo do ano. “As pessoas adoeciam mais, porque os níveis de cloro
eram muito altos. Para ter uma ideia, a faxineira nem estava usando água
sanitária para lavar os lençóis do posto”, conta. “Depois de muita reclamação
melhorou, mas as pessoas mais sensíveis, sobretudo as crianças, ainda sentem
dores de estômago, diarreia e vômito. Algumas também chegam com irritações na
pele, porque tomaram banho com água com cloro forte.” Nem a Secretaria de Saúde
Estadual do Pará nem a de Xinguara contabilizam os casos de adoecimento em
função da água ou do cloro, segundo a secretária adjunta de Saúde de Xinguara,
Maria da Glória Barbosa. O levantamento fica por conta da observação dos
funcionários da saúde. “Aqui temos pelo menos três casos de diarreia em
crianças por semana. A maior parte é devido à contaminação por giárdia, que é
um protozoário transmitido pela água que não é tratada adequadamente. Nós
sabemos que muitos municípios do estado são carentes na questão do tratamento
de água e enfrentamos esse desafio no nosso dia a dia”, conta a
enfermeira-chefe de um dos postos de saúde do município, Ecilene Fera.
A
Odebrecht Ambiental disse que “obedece a todos os padrões de tratamento de água
em atendimento ao preconizado pelo Ministério da Saúde” e que realiza
monitoramentos constantes de qualidade da água por meio de exames
laboratoriais. “O teor de cloro estabelecido pela legislação deve ficar entre
0,2 e 2 miligramas por litro, sendo que utilizamos o valor de 0,9 miligrama por
litro”, informou.
A
prefeitura, no entanto, não tem realizado sua análise da água para checar os
dados coletados pela empresa. Esse acompanhamento deveria ser feito mensamente,
por meio de amostras colhidas em diferentes locais da cidade, enviadas depois
para um laboratório central, no município de Conceição do Araguaia. “A última
coleta foi realizada em maio e não tivemos acesso aos resultados ainda. Está
parada por causa de uma licitação para compra de materiais”, explica o
coordenador do sistema de monitoramento na prefeitura, Marconi Ribeiro.
Devido
ao cloro e ao valor elevado da conta (mínimo de R$ 27,80 para quem consome de 0
a 10 metros cúbicos e uma média de R$ 3,32 por metro cúbico, considerando todas
as faixas tarifárias), algumas famílias voltaram a recorrer à água de poços. “A
água que a gente coleta tem coliformes fecais, sobretudo a dos poços, que em
geral ficam perto das fossas. O saneamento básico e o esgoto são ruins. Por
isso, mesmo nas famílias de baixa renda, o pessoal acaba tendo que consumir
galões de água mineral”, diz Ribeiro.
Em
Xinguara, a água que chega às casas pelo sistema de distribuição operado pela
Odebrecht Ambiental vem de uma barragem feita em um pequeno córrego. Apenas 30%
da população do município tem acesso à água tratada. A empresa está investindo
na ampliação da barragem, que deve duplicar de tamanho e permitir uma captação
de água três vezes maior que a atual, além de aumentar a rede de distribuição
para a cidade. “Não temos mais atendimento porque o córrego é pequeno. No
período de estiagem, a qualidade dessa água fica muito ruim, com matéria
orgânica, escura e temos que usar muitos produtos químicos. Com um lago maior,
de profundidade maior, a qualidade melhora”, disse uma engenheira da Odebrecht.
“Trabalhamos com meta desafiadora, porque atendemos a um percentual muito
pequeno. Até 2017 temos que atingir 70% de atendimento.” A água de qualidade
também é um problema a 200 quilômetros dali, no município de São Geraldo do
Araguaia, que, junto com Xinguara, capta água de superfície dos rios. Muitos
moradores dizem que precisam comprar água mineral para beber. Segundo eles, a
água da rua tem qualidade ruim e também chega às casas com cheiro forte de
cloro ou suja, ainda com resíduos de matéria orgânica. De acordo com a empresa,
o teor de cloro utilizado na água do município também é de 0,9 miligrama por
litro. A prefeitura de São Geraldo não realizou nenhuma avaliação da qualidade
da água neste ano, por falta de equipamentos como o reagente ou o coletor,
segundo a Secretaria de Saúde do município. De acordo com o órgão, o teor de
cloro no município variou entre 0,2 e 2 miligramas por litro, mas já chegou a 5
miligramas por litro.
Os
moradores do município pagam uma das contas de água mais caras da região: R$
31,10 para quem consome entre 0 e 10 metros cúbicos e uma tarifa média de R$
3,73. Segundo a Odebrecht Ambiental, as diferenças de valores nas tarifas dos
municípios “se devem às especificidades presentes no equilíbrio financeiro de
cada uma destas concessões e obedecem a parâmetros presentes nos contratos de
concessão com cada município”. Antes de a Odebrecht assumir a sistema de água no
município, a responsável era uma empresa de capital misto chamada Companhia de
Saneamento de São Geraldo do Araguaia (Cosanga). O primeiro contrato foi feito
com uma empresa chamada Saneatins, que posteriormente foi adquirida pela
Odebrecht Ambiental.
Devido
às recorrentes queixas sobre a qualidade e o preço da água no município, o
promotor de Justiça de São Geraldo do Araguaia, Agenor de Andrade, organiza,
desde agosto, quatro procedimentos jurídicos contra a Odebrecht Ambiental, de
quatro diferentes regiões da cidade. Três deles vieram com abaixo-assinados que
reuniram 160, 110 e 70 assinaturas de moradores, reclamando de cheiro de esgoto
na água, da cor barrenta ou do interrompimento constante da distribuição, sem
aviso. “Várias pessoas estão passando mal com diarreia, infecções por
bactérias, vômitos e crises estomacais”, diz o enunciado de um dos
abaixo-assinados.
“Os
moradores me encaminharam uma garrafa com uma amostra da água que chega à casa
deles e ela veio realmente muito suja e barrenta. Por isso, vou convocar, junto
à Câmara Municipal, uma audiência pública, para ouvir os munícipes e cobrar
respostas da empresa”, diz Andrade. “Colheremos informações e instauraremos
procedimento administrativo para subsidiar uma eventual ação civil pública
contra a Odebrecht.” Uma das alternativas que a população encontra para driblar
a tarifa e os problemas na qualidade da água é o rio, sem tratamento. Na
pequena São Geraldo, com suas casas de madeira e ruas de terra, onde além das
pessoas circulam também galinhas e porcos, tudo acontece nas margens dos
Araguaia, entre a lavagem de roupa e a pescaria. “A água da rua vem suja ou
cheia de cloro. Para tudo que preciso uso o rio”, reclama a pescadora Silva
Moreira, que mora em uma casa onde só há uma torneira e um vaso sanitário, sem
descarga.
“Uma
vizinha contou que colocou a roupa de molho e no dia seguinte apareceu
manchada, porque é muito cloro”, conta a dona de casa Rosa Maria, que tem uma
filha de 10 anos e outra de 9 meses. “Às vezes a água vem muito suja, outras vezes
com bastante cloro. Chega a arder para beber. Acabamos tendo que comprar água
mineral para dar para a bebê, porque a da rua é muito forte para ela. Mas
infelizmente não temos dinheiro para as duas. O que vamos fazer?”
*Fonte: Agência Pública- Essa
matéria é resultado do concurso de microbolsas para reportagens investigativas
sobre Crianças e Água promovido pelo projeto Prioridade Absoluta do Instituto
Alana em parceria com a Agência Pública.