Magistrado
diz que índios foram consultados em reunião na aldeia, mas sertanista nega. O
Ibama anunciou etapa que viabilizará a obra orçada em R$ 1,1 bilhão.
O desembargador Cândido Ribeiro, do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), acolheu recurso da União e
derrubou a liminar que suspendia os efeitos da Licença Prévia do processo
ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) à empresa Transnorte Energia S/A, responsável pelas obras de
construção do Linhão de Transmissão de Tucuruí para abastecer o Estado de
Roraima. Um trecho de 125 quilômetros das obras vai passar dentro da Terra
Indígena Waimiri Atroari. A etnia diz que não foi consultada previamente pela Fundação
Nacional do Índio (Funai) sobre os impactos socioambientais.
A decisão do desembargador Cândido
Ribeiro foi assinada na última sexta-feira (11) e cassou a liminar concedida
pela juíza Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales, da 3ª Vara da Justiça Federal
do Amazonas, em 19 de fevereiro. Ela acatou pedido do Ministério Público
Federal para que os índios Waimiri Atroari fossem consultados sobre o
empreendimento energético, como prevê a Convenção no. 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
Com a suspensão da liminar, o Ibama
informou à agência Amazônia
Real que a
empresa Transnorte Energia já pode elaborar o Plano Básico Ambiental (PBA) para
iniciar a etapa de Planejamento da Gestão de Impactos e Medidas Mitigadoras, o
que possibilita entregar o pedido da Licença de Instalação (LI) do
empreendimento e iniciar a construção das torres de transmissão dentro da terra
indígena.
A Licença Prévia nº 522/2015 da
empresa Norte Energia para a obra do Linhão de Tucuruí saiu em novembro do ano
passado depois que o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da
Costa, concedeu um aval ao Ibama.
Na ocasião, 23 lideranças da
Comunidade Waimiri Atroari assinaram uma carta enviada à presidente do Ibama,
Marilene Ramos, afirmando que a etnia não foi consultada por João Pedro
Gonçalves sobre os impactos socioambientais da obra na terra indígena. Veja
reportagem aqui.
Segundo as lideranças, para construir
a linha de transmissão serão instaladas cerca de 250 torres de sustentação, o
que levará centenas de operários para dentro da reserva onde vivem mais de 1,6
mil índios considerados de recente contato pela Funai.
Os Waimiri Atroari também contestaram
o traçado da obra definido na Licença Prévia. E afirmam que não autorizaram o
presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, falar em nome deles.
Em sua decisão, o desembargador
Cândido Ribeiro afirma que os documentos que constam no processo, como
protocolos de reuniões de trabalho, atestam que o povo indígena foi consultado
pela Funai sobre a elaboração do Estudo do Componente Indígena Waimiri Atroari
(EIA-CI-WA) e esclareceram sobre o estudo que seria realizado dentro da terra
indígena.
Segundo o magistrado, um documento
datado em 08/05/2013 consta o protocolo de intenções no. 001/2013 que foi
celebrado entre a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A – Eletrobrás
Eletronorte, a Funai e a Associação Comunidade Indígena Waimiri Atroari (ACWA).
Um protocolo assinado em 29/05/2014 do EIA-CI-WA consta as traduções na língua
indígena Waimiri Atroari dos índios ouvidos nas aldeias da terra indígena.
No dia 1º/10/2015, conforme o
magistrado diz na decisão, outro documento relata uma nova reunião dentro da
reserva indígena, na qual estavam presentes representantes do Ministério de
Minas Energia, Funai, Ibama, Eletrobras e a governadora de Roraima, Suely
Campos (PP), entre outras autoridades.
O desembargador Cândido Ribeiro disse
em sua decisão que “como se pode verificar, ao que tudo indica a administração
está atenta às normas e vem realizando os estudos e o planejamento traçado para
a realização do empreendimento. Segundo os requerentes, é necessário que se
conclua o estudo do componente indígena para ser incorporado ao Estudo Prévio
de Impacto Ambiental (EIA-CI-WA) ”.
“A decisão impugnada implica na paralisação
dos estudos ambientais. Ademais, não se pode olvidar que apesar da promulgação
da Convenção 169 da OIT, a norma ainda não foi objeto de regulamentação, e
independentemente da forma como o processo de consulta vem sendo realizado. O
fato é que não está evidenciado a ilegitimidade dos atos administrativos
questionados pelo Ministério Público Federal”, justificou o magistrado na
decisão.
Segundo o desembargador Cândido
Ribeiro, a suspensão da Licença Prévia atrasou o cronograma do empreendimento,
“sabidamente de caráter estratégico nacional”. A construção da linha de
transmissão terá um total de 721 km, partindo de Manaus, para gerar 500 KV de
energia elétrica no Estado de Roraima a partir da hidrelétrica de Tucuruí, no
Pará. Atualmente o Estado depende do fornecimento de energia elétrica da
Venezuela.
O magistrado destacou os prejuízos da
paralisação das obras do Linhão de Tucuruí para Roraima. O investimento,
segundo a Transnorte Energia, é estimado em R$ 1,1 bilhão. Cerca de 505.665
habitantes (dado estimado do IBGE para 2015) serão beneficiados pelo
fornecimento de energia, incluindo a capital Boa Vista e mais 14 municípios.
“O custo de contratação emergencial de
geração termelétrica, já autorizado, é da ordem de R$ 720 milhões por ano até a
entrada em operação do empreendimento na data prevista (fevereiro/2016). O
atraso verificado, hoje de 13 meses, irá representar um custo adicional de R$
780 milhões aproximadamente. A paralisação de todo e qualquer procedimento
relacionado à implantação da Linha de Transmissão, conforme liminar concedida,
acarretaria o acréscimo de mais R$ 60 milhões por mês de atraso”, afirmou o
desembargador Cândido Ribeiro.
Reunião não foi consulta, disse Porfírio Carvalho
Reunião do dia 1o. de outubro de 2015 dentro da aldeia Waimiri Atroari. (Foto: Mário Vilela/Funai) |
A reportagem procurou a Associação
Comunidade Waimiri Atroari por meio do gestor do Programa Waimiri Atroari
(PWA), José Porfírio Carvalho, para ouvir as lideranças sobre a decisão do
desembargador Cândido Ribeiro, mas a entidade não se pronunciou até o término
desta reportagem.
Em entrevista concedida anteriormente
à Amazônia Real, José
Porfírio Carvalho afirmou que a reunião realizada no dia 1º. de outubro de 2015
“não foi uma consulta pública”.
“As autoridades foram acompanhadas de
técnicos do Ibama e do Ministério de Minas e Energia e apresentaram aos índios
o projeto da obra, mas não houve entendimento com relação ao traçado dentro da
terra indígena Waimiri Atroari, que tem 2,5 milhões de hectares. Os índios
queriam e querem saber quais as razões concretas da opção de o traçado ser
instalado dentro das terras indígenas e não por outra opção. Nem a governadora
[de Roraima] nem os técnicos do Ibama e do Ministério de Minas e Energia
conseguiram explicar os motivos. Nada ficou acertado”, afirmou José Porfírio
Carvalho.
O sertanista disse na entrevista que a
passagem da linha de transmissão de Tucuruí pelo território indígena causará
grave impacto ambiental e na vida dos indígenas. “O principal impacto é o
processo construtivo, onde para cada obra estarão circulando dentro de suas
terras 100 homens, máquinas, isto multiplicado por 250 [torres] é um impacto de
dimensão violenta”, denunciou Porfírio Carvalho.
O procurador Fernando Merloto Soave,
autor da ação que pediu a suspensão da Licença Prévia do processo do
licenciamento ambiental, disse à Amazônia
Real que a
decisão do desembargador Cândido Ribeiro deve ser respeitada, mas o MPF vai
buscar revertê-la para garantir os direitos indígenas.
Fernando Merloto Soave afirmou que a
suspensão da liminar assinada pelo desembargador do TRF1 é um instrumento
jurídico antigo, mas ainda vigente no país. Ele lembrou que o mesmo dispositivo
jurídico foi adotado em diferentes momentos para derrubar as liminares que
impediam as obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
“As obras de Belo Monte, por
exemplo, foram liberadas muitas vezes com base neste instrumento.
Relatores da ONU (Organizações das Nações Unidas) e organizações internacionais
já vieram ao Brasil e estão analisando as implicações deste instrumento na
proteção de direitos constitucionalmente garantidos”, disse o procurador da
República.
A Procuradoria Regional da República
da 1ª. Região disse à reportagem que já foi notificada da decisão do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Informou também que o caso não
cabe mais recurso no TRF1. “Há ainda uma possibilidade de que o caso seja
enviado à PGR [Procuradoria-Geral da República] e seja tramitado no STJ
[Superior Tribunal de Justiça]. Mas por enquanto não temos como saber quando”,
diz a nota.
Já a assessoria do MPF no Amazonas,
informou que a PRR1 foi acionada, com distribuição ao procurador Regional
da República João Akira Omoto para análise das medidas que poderão ser
adotadas no intuito de reverter a decisão.
Segundo a assessoria do MPF,
“entre as medidas cabíveis, é possível o procurador regional da
República interpor agravo regimental para submeter a decisão para
julgamento de colegiado do TRF-1 ou representar ao procurador geral da
República para análise de possíveis medidas nas instâncias superiores” e
que “cabe ao procurador regional decidir a estratégia”.
A reportagem entrou em contato com o
procurador João Akira, mas ainda não obteve retorno.
Ibama iniciará o planejamento das obras
Ibama iniciará o planejamento das obras
À Amazônia Real, o Ibama
informou que a decisão do TRF-1 valida a Licença Prévia emitida pelo
órgão. Agora, explica, cabe ao empreendedor elaborar o Plano Básico Ambiental
(PBA). “Com o documento, o Ibama pode começar a etapa de Planejamento da Gestão
de Impactos e Medidas Mitigadoras. O PBA será entregue com o requerimento de
Licença de Instalação (LI) e será utilizado para subsidiar esta fase. O
documento deve detalhar os programas ambientais necessários para minimizar os
impactos negativos já listados no Estudo Impacto Ambiental (EIA), na Licença
Prévia e no componente indígena, explica.
O Ibama
ainda avaliará se o Requerimento de Licença e o PBA estão aptos para análise.
“Caso estejam em conformidade com o descrito na LP, o Instituto solicitará
contribuições dos órgãos envolvidos, realizará reuniões e vistorias, e
produzirá parecer técnico sobre a emissão ou não da LI”, esclareceu em nota.
Roraima sofre com blecautes
Roraima sofre com blecautes
A empresa Transnorte Energia S/A é
formada por um consórcio entre a Eletronorte (subsidiária da estatal
Eletrobras) e a Alupar, uma holding que atua no sistema energético da América
Latina. Procurado pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia (MME) não
comentou a decisão do desembargador Cândido Ribeiro.
Por meio de nota, o MME disse que a
obra da Linha de Transmissão de Tucuruí (oficialmente denominada LT 500 kV
Lechuga – Equador – Boa Vista C1 e C2), está em processo de licenciamento
ambiental. “O projeto já possui a Licença Prévia (LP), que voltou a
vigorar desde o dia 11 de março, quando o TRF da 1ª Região tornou sem efeito
uma liminar da Justiça Federal do Amazonas que suspendia a LP. No momento, os
empreendedores estão atuando junto ao Ibama para obterem a Licença de
Instalação, que permitirá a realização do Projeto Básico, inclusive na passagem
da terra indígena Waimiri Atroari”, afirmou.
Segundo o MME, na semana passado o
ministro Eduardo Braga (PMDB-AM) e a governadora de Roraima, Suely Campos
(PP-RR), além do secretário-executivo, Luiz Eduardo Barata, se reuniram com a
bancada de Roraima no Congresso. O objetivo foi tentar acelerar ao máximo o
processo de licenciamento ambiental do Linhão de Tucuruí.
No dia em que o desembargador Cândido
Ribeiro decidiu pela cassação da liminar, em 11 de março, o MME também se
reuniu para discutir as constantes quedas de energia em Roraima, tendo no
encontro a participação de representantes da Eletrobras, da Eletrobras
Distribuidora Roraima e da Eletronorte. O objetivo, segundo o ministério, foi
“para identificar as razões dos recentes blecautes, ocorridos por problemas em
instalações venezuelanas, e definir as medidas que serão tomadas para evitar a
repetição destes, entre os quais, o fornecimento de combustíveis para as
térmicas de Boa Vista”.
Antes, no dia 7, o estado chegou a
ficar 12 horas sem energia elétrica. Em nota divulgada na imprensa, a
Eletrobras Distribuição Roraima disse que o desabastecimento ocorreu
devido à falha de equipamentos na subestação de Las Claritas, na
Venezuela. “As termelétricas da Eletrobras foram acionadas e atenderam parte da
carga, priorizando as áreas com serviços essenciais, até que a interligação
Brasil-Venezuela fosse normalizada”.
*Fonte: Amazonia Real