Por Leonardo Sakamoto*
A construção de um aeroporto em Cláudio (MG) não é o único
estorvo envolvendo a propriedade rural da família do senador Aécio Neves,
candidato à Presidência. Em outubro de 2009, uma inspeção de auditores fiscais
do Ministério do Trabalho e Emprego, com a presença do Ministério Público do Trabalho e da
Polícia Federal, encontrou 80 trabalhadores que cortavam cana para uma
destilaria da região, sob responsabilidade da família Tolentino (a mesma da avó
materna de Aécio), trabalhando em regime análogo ao da escravidão. Destes, 39
estavam na fazenda Santa Izabel, pertencente a mesma família e localizada,
hoje, ao lado da área desapropriada para o aeroporto.
Por conta dessa fiscalização, que também encontrou trabalhadores em outra fazenda, a Santo Antônio, a Destilaria Alpha Ltda, foi responsabilizada pela situação e inserida no cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo em junho do ano passado – a chamada “lista suja''. A relação, mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, é utilizada por bancos públicos e privados e empresas nacionais e estrangeiras para evitar negócios.
O blog tentou contato com advogado da Destilaria Alpha, mas ainda não obteve sucesso. Assim que conseguir uma posição da empresa, publicará neste espaço.
Aécio Neves evidentemente não pode ser responsabilizado pela forma com a qual seus parentes tratam os trabalhadores.
Mas o caso é uma amostra de algo que muitos ainda fingem não enxergar: como grupos próximos do centro do poder político são capazes de subverter a lei para garantir a perpetuação da exploração dos trabalhadores. E como damos pouca importância a isso.
A assessoria de imprensa da Coligação Muda Brasil encaminhou uma nota para o blog: “É inadmissível que, em pleno século XXI, trabalhadores tenham seus direitos básicos desrespeitados pelos empregadores. O senador Aécio Neves condena veementemente esse tipo de infração, não importando quem a tenha cometido. Os responsáveis devem se sujeitar a todas as punições previstas em lei''. A nota encerra afirmando que “o senador também lamenta a tentativa de exploração política desse episódio, que não tem a mínima relação com ele nem com a sua candidatura à Presidência da República''.
É interessante que algo tão deplorável quanto trabalho escravo
contemporâneo esteja tão perto de famílias que detém o poder econômico e
político. Mais ainda: como essas famílias criam formas sofisticadas para burlar
a legislação trabalhista de forma a contornar direitos e baratear o custo da
produção. Legislação que, esses mesmos grupos de poder no poder, deveriam ter a
obrigação de zelar.
Estou tomando a fazenda
Santa Izabel como exemplo, mas isso se repete em território nacional, com
grupos políticos que apoiam os principais candidatos à eleição presidencial.
Os trabalhadores foram
atraídos por falsas promessas de boa remuneração, alojamento e alimentação. Porém,
ao chegarem ao município se deparavam com condições diferentes do prometido. Se
a vontade apertasse no meio do expediente, teriam que fazer suas necessidades
atrás de algum monte de cana. Não havia alojamentos ou equipamentos de proteção
adequados ou mesmo água potável. Descontos irregulares aconteciam na
remuneração. E quem quisesse ir embora deveria conseguir dinheiro por conta
própria para voltar pois, apesar de terem sido trazidos, a Destilaria teria
afirmado que só retornaria os trabalhadores ao final da safra. Isso sem contar
que já havia sido firmado um termo de ajustamento de conduta com o Ministério
Público do Trabalho, em 2007, proibindo diversas dessas situações.
Ou seja, não muito
diferente de casos similares flagrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego
nos últimos 19 anos, quando o governo Fernando Henrique criou o sistema de
combate a esse crime e teve a coragem de reconhecer diante das Nações Unidas a
persistência de formas contemporâneas de escravidão por aqui.
Mais do que as condições
em que estavam os trabalhadores, gostaria de me ater, contudo, à forma de
contratação.
O relatório de
fiscalização resultante do resgate dos trabalhadores em Cláudio (MG) detalha,
com provas documentais e entrevistas, como se dava o processo para burlar a lei
e tirar da Destilaria Alpha a responsabilidade trabalhistas pelos cortadores de
cana.
A “cantina'', local
utilizado para preparo das refeições dos trabalhadores, era mantida por José do
Carmo Pereira dos Santos e seus familiares. Ele era o responsável por aliciar
os trabalhadores em suas cidades de origem (Brasília de Minas e Luislândia,
ambas em Minas Gerais) e trazê-los para prestar serviços diretamente à
Destilaria Alpha Ltda, através da empresa Vanilda da Silva Santos-ME.
Através de inspeções nas
frentes de trabalho das fazendas Santa Izabel e Santo Antônio, verificou-se que
os trabalhadores atuavam no corte de cana-de-açúcar. Parte deles acreditava que
o patrão era a usina. Porém, a maioria não sabia explicar porque suas carteiras
de trabalho não eram anotadas pela Destilaria Alpha e sim por Vanilda da Silva
Santos-ME, que nem sequer conheciam. Outros trabalhadores estavam empregados
por uma outra empesa, a Ômega Agrícola Ltda.
A Destilaria Alpha foi
representada à equipe de fiscalização por Quinto Guimaráes Tolentino Filho,
Onias Guimaráes Tolentino e Mariana de Campos Tolentino. De acordo com a
fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, a Alpha é quem controlava o
trabalho dos cortadores de cana.
Segundo o relatório,
apesar de todos os pressupostos de relação de emprego se darem com a Destilaria
Alpha Ltda e do cultivo de cana-de-açúcar ser uma de suas atividades-fim, a
mesma valeu-se de um aliciador de mão de obra, de nome José do Carmo Pereira
dos Santos e alcunha “Gambá'' para arregimentar esses trabalhadores em seu
município de origem já pelo terceiro ano consecutivo, conforme afirma o
relatório com base em depoimentos e análise documental.
Este, além de ter um
acordo financeiro com a usina para aliciar e controlar o trabalho desenvolvido
por esses trabalhadores, ampliava, com a anuência da Destilaria Alpha Ltda, seu
esquema de exploração e lesão aos direitos desses cortadores, sendo o
fornecedores de todas as suas refeições.
Ainda buscando redução de
custos trabalhistas e fiscais, conforme depoimentos prestados pelos próprios
prepostos legais da usina aos fiscais, a Destilaria Alpha Ltda valeu-se da
empresa Vanilda da Silva Santos – ME como empregadora formal dos trabalhadores
aliciados por José do Carmo Pereira dos Santos. Vanilda – ME não teria
idoneidade econômica, sendo utilizada com o único fim de intermediar a mão de
obra em favor da Destilaria Alpha Ltda.
De acordo com os auditores
fiscais, Vanilda da Silva Santos, proprietária da empresa, era esposa de
Antonio Newton dos Santos, contador da empresa Destilaria Alpha Ltda e detentor
de procuração pública com amplos poderes de representação da empresa registrada
em nome de sua esposa.
O relatório afirma que
Onias Guimarães Tolentino possuía poderes de representação informal tanto da Destilaria
Alpha Ltda quanto da empresa Ômega Agrícola Ltda, e junto com o Eduardo
Henrique da Silva, gerente industrial da usina, teria estabelecido e concebido
com José do Carmo Pereira dos Santos todo o sistema de arregimentação e
controle da mão de obra, sendo além disso, um dos idealizadores da relação
triangular com a empresa Vanilda da Silva Santos – ME. A estrutura teria sido
gestada também com o contador da usina, Antônio.
Este caso mostra como
grupos próximos do poder político são capazes de sentir-se seguros o suficiente
para subverter a lei a fim de garantir a exploração dos trabalhadores.
Flagrados, alguns usam o “mas sempre foi assim'', que justifica a maiores
aberrações pela manutenção da exploração como “tradição''. Outros culpam o
Estado, que se interpõe sobre a relação de compra e venda de força de trabalho.
Para eles, a legislação impede a livre negociação. Como se a relação
capital-trabalho fosse baseada sempre em igualdade de condições.
Como disse, esta história
não tem vinculação com este ou aquele grupo. E ninguém escolhe a própria
família.
Porque a superexploração
do trabalho não vê fronteiras ideológicas ou partidárias. O mesmo vale para os
de Dilma Rousseff. Por exemplo, Armando Monteiro Neto é irmão e ex-sócio de
Eduardo Queiroz Monteiro, proprietário da então Destilaria Gameleira (hoje
Araguaia), no qual foram libertados 1003 pessoas em condições análogas às de
escravo em 2005 – uma das várias operações de resgate ocorridas naquela fazenda
de cana. Armando é candidato ao governo do Estado de Pernambuco, na frente nas
pesquisas e é da base de Dilma.
Infelizmente a pauta dos
direitos do trabalhador passa ao largo do período eleitoral. Quando aparece,
diz respeito à geração de empregos, sem que se discuta a qualidade do emprego
que estamos gerando. Isso é ótimo para quem não se importa com a qualidade de
vida da população e sim com os lucros oriundos da exploração desta.
A história do caso de
trabalho análogo ao de escravo na fazenda ao lado do aeroporto também pode ser
lida no portal Entre Fatos.
Atualizado às 22h10 do dia 01/08/2014 para a
inclusão da nota da campanha do senador Aécio Neves.
Fonte:
Blog do Sakamoto