sábado, 30 de agosto de 2014

Em meio à paralisia, programa de reforma agrária de Marina surpreende


Enquanto os candidatos à presidência Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) mal e porcamente citam a expressão “reforma agrária” em seus programas de governo, a candidata Marina Silva (PSB) trouxe quatro páginas dedicadas à questão agrária, retomando temas que estavam esquecidos até pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como a atualização dos índices de produtividade e trazendo várias novidades, como um selo para proprietários que cumprem a função social da terra.

O documento, apresentado nesta sexta-feira, 29 de agosto, aparentemente surpreende também por ter sido lançado um dia após Marina fazer sinalizações positivas ao agronegócio, com direito a um discurso pró-usineiros numa feira agropecuária.  

No programa, a reforma agrária aparece no chamado Eixo 2 que trata da “Economia para o Desenvolvimento Sustentável”, eixo que também aborda a distribuição de riquezas e renda.  É dito no documento que a reforma agrária será tratada “para além da justiça social, da solução de conflitos territoriais agrários e da reversão do êxodo rural”. Fala-se em “integrar os assentados na economia tornando produtivas suas terras” e da “pequena propriedade como uma atividade econômica complementar ao agronegócio de escala global (...)”.

Utilizando-se  de dados do Incra é afirmado que a criação de assentamentos no país se deu com maior intensidade após os massacres de Corumbiara (Rondônia, 1995) e Eldorado dos Carajás (Pará, 1996) e a sequente criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelo governo Fernando Henrique Cardosos.

Num gráfico, é demonstrado o baixo número de famílias assentadas pelo governo Dilma, onde teria havido uma “drástica diminuição dos assentamentos” e uma “perda de fôlego das ações de reforma agrária desde a segunda gestão Lula e, mais acentuadamente, no governo Dilma”, sem o assentamento de novas famílias e qualificação daquelas já assentadas. “O governo Dilma foi responsável por apenas 2% do total de áreas de interesse social para reforma agrária decretadas desde 1995”, aponta o documento que critica ainda a redução gradual do orçamento da reforma agrária a partir de 2010.


Utilizando-se também de gráficos ilustrativos, é demonstrado que 88% da área destinada à reforma agrária e 74% dos assentamentos estão no Norte e no Nordeste, fora dos limites das terras mais produtivas e economicamente viáveis e distantes das principais áreas de conflitos fundiários. “Para maior sucesso dos programas de reforma agrária, é preciso conectar os assentamentos aos centros de consumo, organizando a produção por meio de cooperativas”, diz trecho da análise.

“O fato é que a política de redistribuição de terras não contribuiu para mudar a estrutura fundiária do país, que permanece praticamente inalterada nas décadas recentes, apesar do assentamento de 1 milhão de famílias. O último Censo Agropecuário (2006) constatou um coeficiente de Gini da propriedade da terra de 0,0854, muito próximo do índice de 1995/1996, que era 0,0856, e também do 0,0857 apurado em 1985", diagnostica.

 Neste aspecto, é proposto:
Lançar uma força tarefa para solucionar os conflitos fundiários, assentando as 85 mil famílias hoje à espera de lotes, segundo estimativas dos movimentos sociais.
Incorporar à economia cerca de 1 milhão de famílias que vivem em minifúndios de agricultura de subsistência oferecendo-lhes assessoria técnica e crédito público subsidiado. A partir daí, elas poderão ter renda, gerando efeito multiplicador na comunidade local.
Priorizar, ao fazer novos assentamentos, a proximidade com as cidades médias do interior, que podem ser a base tanto para polos regionais como para oferta de serviços vinculados à atividade rural.

A criação de assentamentos em áreas mais próximas aos centros urbanos e em terras mais economicamente viáveis se daria pela proposta mais ousada do programa de Marina para a reforma agrária. A proposta de retomada da atualização dos indicadores de produtividade, prometido pelos governos Lula por várias vezes, e nunca efetivada. Os índices de produtividade são parâmetros para a desapropriação de terras e estão desatualizados desde os anos setenta. Além da dimensão produtiva, o programa de Marina promete regulamentar a função social em seus aspectos trabalhistas e ambientais e dar um selo para aqueles que cumprem a função social da terra.

Outra proposta ousada seria a implantação da unificação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), previsto no novo Código Florestal, do Cadastro Rural do Incra e do Cadastro de Imóveis Rurais (Cafir) da Receita Federal com a criação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (Cnir) . A proposta, prevista em lei desde 2001, nunca foi implantada e poderia ser uma importante ferramenta para gestão territorial, combate a grilagem de terras, correção de erros, resolução de conflitos, de combate à sonegação fiscal, crimes ambientai, imobiliários e fundiários e ainda ser uma ferramenta de regularização fundiária.

Propostas:
Atualizar os indicadores de produtividade agrícola e acelerar o diagnóstico da função social da propriedade rural nos aspectos produtivo, ambiental e trabalhista, permitindo a rápida desapropriação nos casos previstos em lei ou premiando aqueles que fazem uso correto da terra, por meio da criação de um Selo da Função Social.
Estabelecer os parâmetros para unificar o cadastro de terras, o que envolve desde a precisão dos dados a coletar, armazenar e atualizar até a forma de torná-los públicos e de acessá-los, a fim de discriminar positivamente os diferentes estabelecimentos e as respectivas formas de propriedade fundiária, algo vital para definir as contrapartidas socioambientais a cobrar de cada segmento, bem como para fazer justiça tributária.

O programa afirma que “o governo vem perdendo as possibilidades de regularizar os territórios quilombolas” e propõe  "priorizar e qualificar os processos de regularização fundiária,especialmente na Amazônia, no Nordeste, na faixa de fronteira e nos territórios quilombolas".

O Incra, é tido no documento como “corroído pela precarização e pelo aparelhamento político, já não consegue realizar nenhuma de suas funções: nem reforma agrária, nem gestão territorial”. É dito ainda que "apesar de sua história respeitável, o Incra carece dos requisitos para fazer uma reforma agrária como a que propomos”. Para órgão e o MDA é proposto:
Profissionalizar a gestão da política agrária, não permitindo o aparelhamento político de seus órgãos (Incra, MDA etc.).
Reorganizar o Incra e dotá-lo de recursos e competências que lhe permitam atuar no apoio aos assentamentos rurais e desenvolver programas de assistência aos assentados.
Incumbir as universidades e os institutos de tecnologia de integrar o ambiente educacional e o produtivo nos assentamentos.

Os dados utilizados no programa de Marina e parte das propostas foram incorporados pela candidata a partir de um documento apresentado a vários candidatos a presidência no primeiro semestre pelo Sindicato dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) do Incra. 


"A coligação discorre sobre vários problemas com dados apresentados pelo Sindicato, a exemplo dos baixos números de Dilma Rousseff no assentamento de famílias e a falsa qualificação dos processos, com a suspensão das portarias do MDA em 2013 para permitir a edição de decretos de última hora. Apresenta problemas como o sobrecadastramento de propriedades rurais e o desconhecimento de imóveis adquiridos por estrangeiros", afirma . 

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