Os
indígenas impactados de maneira definitiva pelos projetos de usinas
hidrelétricas na Amazônia nunca foram consultados previamente, da forma
definida pela Constituição brasileira e pela Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Por esse
motivo, o governo brasileiro responde a três processos judiciais, movidos pelo
Ministério Público Federal no Pará e no Mato Grosso.
Nas
ações, o MPF defende o direito de consulta dos povos indígenas Arara, Juruna,
Munduruku e também para os ribeirinhos dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires.
Uma quarta ação está em estudo, em defesa do direito dos Kayabi, afetados pela
usina de São Manoel e nunca consultados. O licenciamento da usina está em
andamento, mas chegou a ser paralisado por não prever sequer estudos de
impactos ambiental sobre os indígenas.
Em
todos os processos que move sobre a consulta, o MPF obteve vitórias em favor
dos indígenas, mas o governo recorreu e toca os projetos com base em liminares
e suspensões de segurança – instrumento em que o presidente de um tribunal
suspende decisões das instâncias inferiores de forma solitária, sem julgamento
em plenário. A suspensão de segurança não analisa os argumentos debatidos na
ação, apenas se uma determinada decisão judicial afeta a ordem, a saúde, a
segurança e a economia públicas, deixando o debate sobre os motivos do processo
para depois.
Sobre
o histórico de suspensões de decisões nos processos de usinas, os
desembargadores da 5ª Turma do TRF1, que julgou os casos de Belo Monte e Teles
Pires, lembraram que esse tipo de suspensão surgiu na lei processual brasileira
em 1964, durante o regime de exceção. “A lei é de exceção e o Estado, hoje, é
de direito. Portanto, a lei que criou a figura excepcional de suspensão de
segurança, rompendo com o devido processo legal, é um diploma autoritário”, disseram
em um acórdão.
Conflitos
Nos
três rios que são objeto das ações do MPF pela consulta, o governo brasileiro
tem projetos de pelo menos 11 hidrelétricas em estágios variados de construção
e licenciamento. Belo Monte, o caso mais emblemático, já acumula mais de 17
processos na Justiça Federal e incontáveis conflitos com índios e
trabalhadores. Foi palco de várias ocupações por indígenas, as últimas
reivindicando claramente o direito da consulta prévia.
A
maior parte dos indígenas que ocuparam Belo Monte por 17 dias somente no último
mês de maio vivem no rio Tapajós, afetados pelas usinas de São Luiz do Tapajós,
São Manoel e Teles Pires. São Luiz do Tapajós é um dos grandes focos de
conflito, mas não é o único. A usina Teles Pires, já em estágio de construção,
explodiu cachoeiras consideradas território sagrado para os índios Munduruku.
Eles nunca foram consultados e por isso, o Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, em Brasília ordenou a paralisação da obra em agosto do ano passado. Mas
a decisão dos três desembargadores que analisaram o processo foi suspensa por
uma decisão monocrática do presidente do Tribunal, Mário César Ribeiro. O
processo continua tramitando.
No
caso de São Luiz do Tapajós, todas as instâncias judiciais reconheceram o
direito à Consulta não só para os índios, como para os ribeirinhos, que no rio
Tapajós são conhecidos como beiradeiros. Em vez de fazer as consultas, no
entanto, o governo recorreu na Justiça e montou uma operação da Força Nacional
para garantir os estudos de impacto dentro dos territórios indígenas, o que é
um dos principais motivos para a revolta dos Munduruku. Novamente, a Advocacia
Geral da União conseguiu suspender as decisões favoráveis aos índios, dessa vez
por meio de uma decisão monocrática do presidente do Superior Tribunal de
Justiça, Félix Fischer.
O
primeiro caso do MPF sobre a consulta, iniciado em 2006, diz respeito aos
indígenas do Xingu, impactados pela usina hidrelétrica de Belo Monte. A batalha
judicial já completou sete anos. No começo do processo, os advogados do governo
alegavam que as consultas poderiam se dar em qualquer etapa do licenciamento
ambiental, que os estudos poderiam prosseguir, que as licenças poderiam ser
concedidas e depois a consulta seria feita.
No
meio do processo, o governo federal mudou sua argumentação e passou a dizer que
os indígenas do Xingu nem precisariam ser consultados, porque a hidrelétrica
não alagará terras indígenas. O TRF1 desconsiderou o argumento, já que a
obrigação prevista na Convenção 169 é para consultar povos afetados e que terão
seus modos de vida modificados, não necessariamente alagados. No caso do Xingu,
o rio será desviado para abastecer a usina: em vez de alagar, as terras
indígenas vão secar, o que pode ser impacto ainda mais grave.
A
decisão favorável aos indígenas no caso de Belo Monte, que paralisou a usina
por dez dias em agosto de 2012, também foi suspensa por uma decisão
monocrática, do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres
Britto. Até agora, o plenário do STF não analisou a questão.
O momento da consulta
Entre
as suspensões de segurança concedidas ao governo federal por Félix Fischer,
Ayres Britto e Mário César Ribeiro existe uma coincidência: nenhuma delas
afirma que que a consulta não é necessária ou não precisa ser feita, apenas permitem
que o governo siga com estudos, cronogramas e obras até que chegue a hora de se
julgar o direito da consulta. Para o MPF, o momento da consulta afeta
decisivamente a efetividade desse direito.
De
acordo com a Convenção 169, a consulta é necessária em qualquer projeto ou
decisão de governo que vá afetar, modificar, de forma permanente e
irreversível, a vida de povos indígenas, tribais e tradicionais. Para o MPF,
deve ser aplicada a várias populações amazônicas, não apenas indígenas. E deve
ser feita antes de qualquer decisão sobre o projeto.
Atualmente,
o governo tenta convencer os indígenas do Tapajós e o judiciário que a consulta
pode ser feita depois dos Estudos de Impacto Ambiental. Em argumentações nos
processos judiciais, a AGU contraditoriamente afirma que quer fazer a consulta,
batizada de Diálogo Tapajós, mas que não pode deixar de cumprir o cronograma de
implantação da usina – do qual os estudos de impacto são etapa inicial. Para a
AGU, para ser prévia, basta que a consulta seja feita antes da Licença Prévia
concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.
Para
o MPF, isso equivale a tornar a consulta inválida, porque a decisão de
construir a usina foi tomada muito antes do Ibama entrar no processo, quando
concluído o inventário da bacia hidrográfica e definidos os pontos para
construção de hidrelétricas. “Se a obra já tem até cronograma, como falar em
consulta?”, questiona o procurador da República Felício Pontes Jr, que
acompanha os processos sobre o assunto.
Após
o inventário da bacia hidrográfica existem dois momentos em que o governo, em
conjunto com empresários da construção civil e do setor elétrico, decide
realmente pela construção da usina, sem a participação dos povos afetados. São
as resoluções do Conselho Nacional de Política Energética e da Agencia Nacional
de Energia Elétrica que definem que a obra será realizada. “Esses momentos tem
que ser precedidos de consulta aos povos afetados, ou então o Brasil estará
violando o compromisso assumido na Convenção 169”, explica o procurador
Ubiratan Cazetta.
Processo
sobre a consulta da usina Teles Pires: 0018341-89.2012.4.01.0000 Acompanhamento
Processual:
http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php?tipoCon=1&proc=183418920124010000
Processo sobre a consulta da usina São Luiz do Tapajós: 0003883-98.2012.4.01.3902 Acompanhamento processual: http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/captcha/index.php?proc=38839820124013902&secao=STM&nome=eletrobrás&mostrarBaixados=N
Processo sobre a consulta da usina São Luiz do Tapajós: 0003883-98.2012.4.01.3902 Acompanhamento processual: http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/captcha/index.php?proc=38839820124013902&secao=STM&nome=eletrobrás&mostrarBaixados=N
Processo
sobre a consulta da usina Belo Monte: 200639030007118 Acompanhamento
Processual:
http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php?proc=200639030007118
http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php?proc=200639030007118
Fonte: MPF – Ministério Público
Federal