Houve um crescimento de
diferentes formas de violências cometidas, em 2012, contra os povos indígenas,
que vão de ameaças de morte, assassinatos, omissão e morosidade na
regularização das terras à desassistência em saúde e educação. Esta é a
constatação apresentada no Relatório Violência Contra os Povos Indígenas
no Brasil que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou, na
sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília.
Nas três categorias
abordadas no Relatório, verifica-se uma ampliação do número total de casos e vítimas.
Em comparação com 2011, os casos de Violência contra o Patrimônio saltaram
de 99 para 125, o que representa um aumento de 26%. Em relação à Violência
por Omissão do Poder Público, foram relatadas 106.801 vítimas, o que significa
um aumento de 72%, considerando que 61.988 vítimas foram registradas em 2011. O
mais acentuado crescimento é observado no total de vítimas da categoria Violência
contra a Pessoa, em que estão incluídas ameaças de morte, homicídios,
tentativas de assassinato, racismo, lesões corporais e violência sexual. Nesta
categoria, houve um aumento de 378 para 1.276 vítimas, o que revela uma
expansão de 237% em comparação com 2011.
Os dados do Relatório
revelam que voltou a crescer o número de assassinatos de indígenas em 2012. Em
todo o Brasil foram registradas 60 vítimas, nove a mais que no ano anterior.
Com 37 casos, o Mato Grosso do Sul continua sendo o estado com o maior número
de ocorrências, seguido pelo Maranhão, com sete vítimas. Nos últimos dez anos,
os levantamentos do Cimi mostram que pelo menos 563 indígenas foram
assassinados no país, sendo que 317 destas mortes ocorreram no Mato Grosso do
Sul. Os dados apresentados pelo Ministério da Saúde (Diasei/DSEI) são ainda
mais assustadores ao indicar que 43 assassinatos de indígenas ocorreram no Mato
Grosso do Sul em 2012.
Violência gerada pela falta
da terra - Chamam atenção os 54 casos registrados de omissão e morosidade
na regularização de terras indígenas. Em 2011, haviam sido 46. Aqui também, o
Mato Grosso do Sul é o estado campeão de violações, com 19 casos. Em seguida,
aparece o Rio Grande do Sul, com 11 casos. Este dado revela que o governo da
presidente Dilma Rousseff tem cedido às pressões da elite ruralista e pouco tem
avançado na demarcação das terras tradicionais. Em 2012 foram homologadas
apenas sete terras indígenas pela Presidência da República, enquanto a Fundação
Nacional do Índio (Funai) publicou 11 portarias de identificação e o Ministério
da Justiça publicou apenas duas portarias declaratórias.
Os levantamentos do Cimi
indicam que das 1.045 terras indígenas, 339 (32%) estão sem providência,
enquanto 293 (28%) estão em estudo. Destas, 44 estão engavetadas no
Palácio do Planalto, aguardando apenas a assinatura da presidente da República.
Com média anual de cinco homologações, Dilma é a presidente que menos homologou
terras indígenas no Brasil desde a abertura democrática, em 1985.
"A vida dos povos
indígenas está vinculada à terra. É na sua terra ancestral que 'o índio
é'. O governo federal tem que, urgentemente, saldar esta dívida
histórica com os povos indígenas. Este é o único modo de propiciar as condições
fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses povos", afirma
Cleber Buzatto, Secretário Executivo do Cimi.
O Relatório aponta que
também aumentaram os casos de invasões possessórias e exploração ilegal de
recursos naturais (62 casos), ameaças de morte (30 vítimas e crescimento de
200% em relação a 2011), homicídio culposo (21 vítimas e aumento de 75%),
racismo e discriminação étnico-culturais (14 vítimas) e tentativas de
assassinato (1.024 vítimas). No caso das violências relacionadas à omissão do
poder público, houve crescimento na desassistência à educação escolar (18.865
vítimas) e à saúde (80.496 vítimas) e na disseminação de bebidas alcoólicas e
outras drogas (254 vítimas).
Violações graves - O
chocante descaso com a saúde indígena é tema de um artigo escrito por quatro
procuradores da República, que descrevem a ação coordenada do Ministério
Público Federal (MPF) no "Dia D da Saúde Indígena", realizado em 10
de dezembro de 2012. Duas graves violações de direitos vividas pelos povos
Munduruku, da aldeia de Teles Pires, no Pará, e pelos Guarani-Kaiowá de Pyelito
Kue/Mbarakay, em Naviraí, no Mato Grosso do Sul, exemplificam, no Relatório, como
os povos indígenas ainda são considerados obstáculos ao progresso tanto pelo
governo como pelo setor privado, no caso o ruralista.
Em novembro de 2012, na
trágica e truculenta Operação Eldorado, agentes da Polícia Federal e soldados
da Força Nacional destruíram inúmeros bens do povo Munduruku, como casas e
barcos. Adenilson Kirixi Munduruku foi assassinado e o crime continua impune.
No mês anterior, os Guarani-Kaiowá comoveram o Brasil com uma carta em que,
desiludidos pela iminência da reintegração de posse da área ocupada por eles,
afirmaram que iriam resistir em suas terras, mesmo que tivessem que morrer
nelas. Erroneamente, houve a interpretação de que eles estavam anunciando um
suicídio coletivo. Não era o caso desta vez.
No entanto, os dados apontam
que o suicídio está causando um genocídio silencioso no Mato Grosso do Sul.
Nove Guarani Kaiowá se suicidaram em 2012, de um total de 23 suicídios em todo
o Brasil. Novamente aqui, os dados oficiais são muito mais dramáticos, já que o
Ministério da Saúde registra 56 suicídios entre os Guarani-Kaiowá no mesmo
período.
As ameaças a seis grupos de
indígenas isolados - Awá Guajá (MA), do Alto Envira e do Vale do Javari (AC),
da área do Complexo Hidrelétrico do Madeira e do Bom Futuro (RO), da região da
hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, e da bacia do Rio Tapajós (PA) -
também são retratadas no Relatório, já que os impactos dos mega projetos de
infraestrutura tornam a ameaça de extinção destes povos uma possibilidade cada
vez mais real.
Os dados do Relatório foram
obtidos a partir dos relatos e das denúncias dos povos e organizações
indígenas, de informações levantadas pelas equipes dos 11 regionais do Cimi, de
notícias veiculadas pela imprensa, além de informações obtidas por órgãos
públicos que prestam assistência às comunidades. Há relatos de casos em que
comunidades inteiras foram violentadas, no entanto em algumas não há o número
preciso do total de vítimas, o que evidencia que os dados do Relatório são
parciais e que a violência praticada contra os povos indígenas no Brasil
apresenta um número de vítimas ainda maior do que o retratado nele.
Falta de vontade política - A
baixa execução de recursos autorizados pelo governo federal para a
implementação de políticas públicas evidencia situações em que o que não há, de
fato, é disposição para solucionar severos problemas enfrentados pelos povos
indígenas em praticamente todo o território nacional. Do orçamento de quase R$
68 milhões previstos para saneamento básico nas aldeias, apenas R$ 86 mil (0,13%)
foram utilizados. Para a estruturação de unidades de saúde, apenas R$ 26 mil
(8,70%) dos R$ 2,3 milhões foram liquidados. Dos mais de R$ 15 milhões
previstos para a demarcação e regularização de terras indígenas, apenas R$ 5,9
milhões (37%) foram executados. E do R$ 1,5 milhão previsto para apoio ao
desenvolvimento sustentável das comunidades, apenas R$ 75 mil (5,06%) foram
gastos em 2012.
Fonte:Cimi