Enquanto os candidatos à
presidência Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) mal e porcamente citam a expressão “reforma
agrária” em seus programas de governo, a candidata Marina Silva (PSB) trouxe
quatro páginas dedicadas à questão agrária, retomando temas que estavam
esquecidos até pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como a atualização
dos índices de produtividade e trazendo várias novidades, como um selo para proprietários
que cumprem a função social da terra.
O documento, apresentado nesta
sexta-feira, 29 de agosto, aparentemente surpreende também por ter sido lançado
um dia após Marina fazer sinalizações positivas ao agronegócio, com direito a
um discurso pró-usineiros numa feira agropecuária.
No programa, a
reforma agrária aparece no chamado Eixo 2 que trata da “Economia para o
Desenvolvimento Sustentável”, eixo que também aborda a distribuição de riquezas
e renda. É dito no documento que a
reforma agrária será tratada “para além da justiça social, da solução de
conflitos territoriais agrários e da reversão do êxodo rural”. Fala-se em “integrar
os assentados na economia tornando produtivas suas terras” e da “pequena
propriedade como uma atividade econômica complementar ao agronegócio de escala
global (...)”.
Utilizando-se de dados
do Incra é afirmado que a criação de assentamentos no país se deu com maior
intensidade após os massacres de Corumbiara (Rondônia, 1995) e Eldorado dos
Carajás (Pará, 1996) e a sequente criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelo governo Fernando Henrique
Cardosos.
Num gráfico, é
demonstrado o baixo número de famílias assentadas pelo governo Dilma, onde
teria havido uma “drástica diminuição dos assentamentos” e uma “perda de fôlego
das ações de reforma agrária desde a segunda gestão Lula e, mais
acentuadamente, no governo Dilma”, sem o assentamento de novas famílias e
qualificação daquelas já assentadas. “O governo Dilma foi responsável por
apenas 2% do total de áreas de interesse social para reforma agrária decretadas
desde 1995”, aponta o documento que critica ainda a redução gradual do
orçamento da reforma agrária a partir de 2010.
Utilizando-se também
de gráficos ilustrativos, é demonstrado que 88% da área destinada à reforma agrária
e 74% dos assentamentos estão no Norte e no Nordeste, fora dos limites das
terras mais produtivas e economicamente viáveis e distantes das principais áreas
de conflitos fundiários. “Para maior sucesso dos programas de reforma agrária,
é preciso conectar os assentamentos aos centros de consumo, organizando a produção
por meio de cooperativas”, diz trecho da análise.
“O fato é que a
política de redistribuição de terras não contribuiu para mudar a estrutura fundiária
do país, que permanece praticamente inalterada nas décadas recentes, apesar do
assentamento de 1 milhão de famílias. O último Censo Agropecuário (2006)
constatou um coeficiente de Gini da propriedade da terra de 0,0854, muito próximo
do índice de 1995/1996, que era 0,0856, e também do 0,0857 apurado em 1985", diagnostica.
Neste aspecto, é proposto:
• Lançar uma força tarefa para solucionar os conflitos fundiários, assentando
as 85 mil famílias hoje à espera de lotes, segundo estimativas dos movimentos
sociais.
• Incorporar à economia cerca de 1 milhão de famílias que vivem em
minifúndios de agricultura de subsistência oferecendo-lhes assessoria técnica e
crédito público subsidiado. A partir daí, elas poderão ter renda, gerando
efeito multiplicador na comunidade local.
• Priorizar, ao fazer novos assentamentos, a proximidade com as
cidades médias do interior, que podem ser a base tanto para polos regionais
como para oferta de serviços vinculados à atividade rural.
A criação de assentamentos
em áreas mais próximas aos centros urbanos e em terras mais economicamente
viáveis se daria pela proposta mais ousada do programa de Marina para a reforma
agrária. A proposta de retomada da atualização dos indicadores de produtividade,
prometido pelos governos Lula por várias vezes, e nunca efetivada. Os índices
de produtividade são parâmetros para a desapropriação de terras e estão
desatualizados desde os anos setenta. Além da dimensão produtiva, o programa de
Marina promete regulamentar a função social em seus aspectos trabalhistas e ambientais
e dar um selo para aqueles que cumprem a função social da terra.
Outra proposta ousada
seria a implantação da unificação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), previsto no novo Código Florestal, do Cadastro
Rural do Incra e do Cadastro de Imóveis Rurais (Cafir) da Receita Federal com a
criação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (Cnir) . A proposta, prevista em
lei desde 2001, nunca foi implantada e poderia ser uma importante ferramenta
para gestão territorial, combate a grilagem de terras, correção de erros, resolução
de conflitos, de combate à sonegação fiscal, crimes ambientai, imobiliários e
fundiários e ainda ser uma ferramenta de regularização fundiária.
Propostas:
• Atualizar os indicadores de produtividade agrícola e acelerar o
diagnóstico da função social da propriedade rural nos aspectos produtivo,
ambiental e trabalhista, permitindo a rápida desapropriação nos casos previstos
em lei ou premiando aqueles que fazem uso correto da terra, por meio da criação
de um Selo da Função Social.
• Estabelecer os parâmetros para unificar o cadastro de terras, o
que envolve desde a precisão dos dados a coletar, armazenar e atualizar até a
forma de torná-los públicos e de acessá-los, a fim de discriminar positivamente
os diferentes estabelecimentos e as respectivas formas de propriedade
fundiária, algo vital para definir as contrapartidas socioambientais a cobrar
de cada segmento,
bem como para fazer justiça tributária.
O programa
afirma que “o governo vem perdendo as
possibilidades de regularizar os territórios
quilombolas” e propõe "priorizar e qualificar os processos de regularização
fundiária,especialmente na Amazônia, no Nordeste, na faixa de fronteira e nos territórios quilombolas".
O Incra, é tido no
documento como “corroído pela precarização e pelo aparelhamento político, já
não consegue realizar nenhuma de suas funções: nem reforma agrária, nem gestão
territorial”. É dito ainda que "apesar de sua
história respeitável, o Incra carece dos requisitos para fazer uma reforma
agrária como a que propomos”. Para órgão e o MDA é proposto:
• Profissionalizar a gestão da política agrária, não permitindo o aparelhamento
político de seus órgãos (Incra, MDA etc.).
• Reorganizar o Incra e dotá-lo de recursos e competências que lhe permitam
atuar no apoio aos assentamentos rurais e desenvolver programas de assistência
aos assentados.
• Incumbir as universidades e os institutos de tecnologia de
integrar o ambiente educacional e o produtivo nos assentamentos.
Os dados utilizados no programa de Marina e parte das propostas foram incorporados pela candidata a partir de um documento apresentado a vários candidatos a presidência no primeiro semestre pelo Sindicato dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) do Incra.
"A coligação discorre sobre
vários problemas com dados apresentados pelo Sindicato, a exemplo dos baixos
números de Dilma Rousseff no assentamento de famílias e a falsa qualificação
dos processos, com a suspensão das portarias do MDA em 2013 para permitir a
edição de decretos de última hora. Apresenta problemas como o
sobrecadastramento de propriedades rurais e o desconhecimento de imóveis
adquiridos por estrangeiros", afirma .