A
onda de cortes em gastos previstos no Orçamento deste ano, que deve ultrapassar
a R$ 70 bilhões, pode colocar em risco a manutenção de áreas protegidas no
Brasil.
O ajuste fiscal promovido pela equipe
econômica da presidente Dilma Rousseff poderá atingir em cheio a sobrevivência
de unidades de conservação (UCs). Esta tem sido a grande preocupação do biólogo
americano Philip Fearnside radicado no Brasil há quatro décadas.
“Sabemos que o meio ambiente não é
prioridade para o governo. E os cortes vão agravar essa situação”, alerta o
pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Membro da
Academia Brasileira de Ciências, ele estuda questões ambientais na Amazônia
brasileira desde a década de 70 e foi um dos cientistas que ganharam o Prêmio
Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) em
2007.
De Manaus onde vive, Fearnside
conversou com o Blog do Observatório de Ucs e falou de suas grandes preocupações
para preservar as áreas protegidas no país.
Na sua opinião, as Ucs não estão
apenas diminuindo de tamanho como também em ritmo de criação, pois desde 2008,
há uma paralisação no processo de definição de novas áreas.
Uma vez consideradas prioritárias para
projetos de infraestrutura aos olhos do governo, as áreas protegidas ficam à
mercê de Medidas Provisórias que redefinem seus limites sem nem mesmo consultar
previamente as comunidades locais ou ainda obter o parecer do órgão ambiental
sobre os impactos das obras.
Atualmente, o caso mais preocupante é
a construção de 43 barragens na bacia do rio Tapajós, no Pará, que têm previsão
de iniciar suas operações depois de 2020.
Eis a entrevista.
O que
está acontecendo no rio Tapajós, na sua opinião, reflete a situação que vivem
muitas áreas protegidas no Brasil?
A questão é que as unidades de
conservação estão diminuindo. O exemplo mais preocupante é o rio Tapajós, no
Pará, pois as áreas de proteção foram tiradas para abrir espaço para a
construção de hidrelétricas. Estão planejadas 43 barragens [com potência superior
a 30 MW com conclusão prevista para até 2022] na bacia do Tapajós. Algumas
delas estão em áreas protegidas e em terras indígenas. Todo o processo de
licenciamento é uma farsa, passa por cima do ICMBio que é responsável pelas
Ucs. É muito grave, significa que as áreas protegidas não têm proteção frente à
prioridade do governo. Só no Tapajós foi editada uma Medida Provisória em 2012
[MP nº 558, 6 de janeiro de 2012 e depois promulgada a lei 12.678/2012], isso
ocorreu muito antes de se concluírem os estudos de impacto ambiental e de
viabilidade das barragens.
Há
quanto tempo o Brasil não cria novas Ucs?
Desde 2008 teve início esse processo
de não criar mais áreas protegidas. Foi uma parada bruta. Além de desfazerem as
áreas protegidas, também estão paralisando e não fazendo mais nenhuma.
Simplesmente bloquearam a criação de novas unidades de conservação. Isso se vê
tanto a nível federal quanto estadual.
Não
basta apenas criar uma área protegida, o desafio é mantê-la frente a muitas
ameaças?
Não são apenas barragens e
hidrelétricas, há outras ameaças como obras para construir rodovias que geram o
perigo de ocasionar invasões nas Ucs. Isso modifica toda a geografia do
desmatamento e deixa as áreas protegidas expostas sem proteção. Para desestimular
as invasões, precisa se fazer presente nessas áreas.
Outra ameaça às Ucs são os cortes
fiscais e restrições que o governo está planejando. Sabemos que o meio ambiente
não é prioridade para o governo. A proteção das Ucs ainda está só no papel. E
os cortes vão agravar essa situação.
Depois do assassinato da irmã Dorothy
Stang, em 2005, estava prevista a criação de duas bases de fiscalização na
Terra do Meio e até hoje não foram feitas. Não há presença de guardas que
afastam o perigo da invasão. [Com mais de 3 milhões de hectares, a Terra do
Meio é um dos territórios menos explorados na porção leste da Amazônia. Rica em
biodiversidade, é habitada por comunidades extrativistas que vivem da pesca,
agricultura de subsistência e coleta de castanha do Pará. Sua área é delimitada
pelo rio Iriri a oeste e pelo rio Xingu a leste. Comunidades tradicionais têm
sido expulsas, terras públicas griladas e a floresta convertida ilegalmente em
pastagens. A criação da Unidade de Proteção Integral - UPI na Terra do Meio era
uma das principais metas de Marina Silva quando esteve à frente da pasta do
Meio Ambiente entre 2003 e 2008].
Quais
são os tipos de unidades de conservação mais ameaçadas?
Cada tipo de UC tem problemas com
pressões diferentes. No caso de reservas extrativistas como a Resex Chico
Mendes, no Acre, há problemas com a criação de gado. Nas florestas nacionais,
as Flonas, é a ação não sustentável de madeireiras. Mas as Flonas têm melhores
perspectivas de projetos de manejo florestal em comparação com as propriedades
privadas. Já as áreas de proteção ambiental, as APAs, a grande questão é a
fiscalização real. No mapa, aparece que há muitas áreas protegidas em APAs, mas
a verdade não é assim. É muito enganador, pensa-se que elas estão protegidas,
mas cidades inteiras estão dentro de APAs. Há a possibilidade de mudar os
regulamentos e conseguir fazer com que essas áreas ganhem mais valor em termos
de conservação.
As
maiores pressões estão na Amazônia?
As ameaças são grandes em Ucs de todos
os biomas. No caso da Amazônia, a grande questão é a criação de novas áreas
protegidas, se não, em mais alguns anos essas áreas serão invadidas por
grileiros. Depois que são invadidas, fica quase impossível torná-las uma área
protegida de verdade. Especialmente porque não haverá dinheiro para desapropriar,
além do desgaste político para remover as famílias.
Na Mata Atlântica, existe uma situação
que precisa parar o desmatamento por completo, pois se desmatou quase tudo e o
que resta sofre de muitos problemas. É importante manter as áreas protegidas já
existentes.
Mesmo
após serem criadas, as unidades de conservação ainda correm o risco de serem
eliminadas com facilidade?
Foi o que aconteceu com o caso da
bacia do Tapajós. Quando é prioridade para o governo, simplesmente vai
atropelando e faz sem nenhum tempo de consulta às comunidades e sem consultar o
próprio órgão ambiental. O clássico foi o Parque Nacional das Sete Quedas para
a construção da hidrelétrica de Itaipu em 1982. [A maior cachoeira do mundo em
volume de água desapareceu com a formação do lago da Usina de Itaipu]. Foi o
exemplo de algo que era uma joia em termos de parque e simplesmente acabou.
Fonte: Observatório
de Unidades de Conservação