Por Claudemir Monteiro*
Parecia Estado de Sítio.
Policiais militares e da força tática fortemente armados, agentes da Prefeitura
espalhados por todo lugar, políticos e o próprio prefeito monitorando e
esbravejando pelos cantos, proibindo e deixando de proibir. Acreditem, era uma reunião
de caciques e lideranças indígenas que aconteceu no último 3 de agosto. A
cidade: Jacareacanga, povo Munduruku, sul do Pará.
Era perto de 8 horas da
manhã quando uma ordem, estabelecida entre indígenas da mesa coordenadora e
autoridades locais, autorizava apenas caciques a entrar na reunião. Demais
lideranças estavam dispensadas, o que não foi aceito e um novo acordo garantiu
a participação de todos.
Acomodados no ginásio
poliesportivo da cidade, foi anunciado por uma liderança indígena (que coordenou
quase todo o evento) que não seria permitido o uso de faixas, e apenas a TV
Buré, afiliada ao SBT, pertencente ao prefeito da Cidade, e o Conselho
Indigenista Missionário (cimi) podiam fazer registros fotográficos do evento.
Um pouco surpreso e sem entender
a razão do Cimi ter essa exclusividade, busquei uma máquina fotográfica para
cobrir o evento. Dirigi-me a uma militante do Comitê Metropolitano Xingu Vivo,
que se encontrava na arquibancada, para emprestar a máquina, mas percebi que
pelo menos oito pessoas me observavam (quatro policiais, o prefeito e três
capangas). Me apresentei como membro do Cimi. O próprio prefeito, que atende
pelo nome de Raulino, do PT, me disse: “Você tem autorização, mas esta máquina
não. Pois pertence àquela moça que há algumas semanas esteve fazendo baderna na
cidade”. Tentei explicar que aquela moça teria vindo pela primeira vez, mas num
tom neurótico o prefeito gritou: "Se esta máquina for usada eu mando quebrar”.
Disse isso sob o auspício
dos policiais, cujo comandante Anderson me alertou que o papel da polícia
estava em proteger a vida dos ‘baderneiros’, pois da ultima vez que estiveram
na cidade tinham causado muitos tumultos e o povo queria linchá-los, então
seria bom controlar os ânimos. Voltei com a máquina e devolvi para a dona e
disse para que tomasse cuidado, pois poderiam cumprir a ameaça de quebrar. E de
fato quase o fizeram. Pois o capanga do prefeito que atende por nome de
“Perito” tentou de forma violenta arrancar a máquina do braço da militante, sob
olhares da polícia, cuja função, segundo eles, era de proteger. Só não o fez
porque um grupo de guerreiros levantou e foi em cima do agressor, que se
sentindo pressionado saiu e sumiu do ginásio.
Na mesa de abertura do
evento estavam presentes o cacique geral dos Munduruku, o presidente da
Associação Pusuru, Cândido Munduruku, o comandante da Polícia Militar,
comandante da Polícia Tática, o prefeito, um representante da Funai e , por
fim, um representante da Sesai.
Patrocínio da prefeitura
Na fala do prefeito já mostrava
quem era o patrocinador do evento. A reunião tinha apoio da Prefeitura, porque
ele acreditava na unidade entre não índios e os Munduruku. Disse que esperava
que na reunião os indígenas definissem pelo desenvolvimento do município, o que
seria bom para todos. E disse que todos eram bem vindos, menos aqueles que
vieram com intenção de tumultuar, num recado velado às ONGs que observavam o
evento.
O discurso era intimidador e
voltado exclusivamente para os indígenas: os ‘atos de vandalismo’ acontecidos
no último mês de junho, o tumulto criado na cidade, a depredação de prédios
públicos, eram crimes e que poderiam levar os índios à prisão, pois a lei dos
brancos serve para os índios. Notava-se que se tratava de um discurso
reproduzido, adequadamente, como professa o governo petista.
Aliás, após desfeita a mesa
das autoridades, se compôs a mesa indígena que avaliaria os últimos
acontecimentos e buscaria ‘outro rumo’ para a PUSURU. Porém o mais intrigante
foi a presença de meia em meia hora do sr. Ivanio (assessor do prefeito e
secretário de assuntos indígenas da prefeitura) na mesa coordenadora. Como um
fiscal, um monitor, mostrando e dizendo que ele estava ali, bem junto, quase
colado na mesa.
Do discurso para a prática
Lideranças indígenas, que
tinham pedido faixas para expressar indignação contra o processo do projeto
hidrelétrico de Tapajós, foram aos poucos colocando as mesmas no intervalo da
manhã para o almoço. Mais ou menos próximo das duas da tarde, o Sr. Ivanio e
quatro policiais da Rota arrancaram as faixas. Alguns indígenas presentes se
queixaram, mas o Sr. Ivanio falava alto “quem não se adequar às condições, que
assuma as despesas do evento”. Estava se referindo às quase duzentas cadeiras e
serviço de som que pertencem ao próprio. Só não se sabe se foi gasto dinheiro
público da prefeitura no material.
Nesse mesmo momento um casal
de estudiosos, ele antropólogo americano e ela uma estudante italiana, que
acompanhavam o grupo do Tapajós Vivo, chegaram ao momento em que arrancavam as
faixas. Perceberam que havia algo incomum e decidiram sair, mas foram parados
pelos policias que pediram para olhar suas máquinas. Não bastou dizer que não
registraram nada. Sem dó apagaram (os policias) todos os registros fotográficos
do casal.
Dois membros do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) foram parados por
pessoas não identificadas que perguntavam sobre a identidade e origem do grupo.
O membro do FAOR se apresentou dizendo seu nome e a origem, de Belém. Assim
mesmo foram indagados sobre se não tinham o que fazer para estar naquele
evento. Foi quando o militante do FAOR apresentou a carta convite da PUSURU
justificando sua presença.
Se formos elencar as várias
outras atitudes de estranhos, policiais, de agentes da prefeitura vamos fazer
uma dissertação de autoritarismos. Mas o certo é que toda coerção fez efeito
sobre os indígenas. Os Munduruku saíram do ginásio, depois de quase 20 horas,
com uma “nova PUSURU”. Mantendo o atual presidente e incluindo três novos
membros. Uma PUSURU adequada ao jeito “Raulino de ser”. Que não brigue com o
governo do PT e mais aberta para dialogar com o governo sobre a hidrelétrica. O
sempre coordenador indígena do evento chamou a atenção dos observadores
dizendo: “Somente esses quatro tem o papel de representar a PUSURU e fazer
documentos com papel timbrado”.
Em conversas com pelo menos
30 caciques após o evento, ficou nítida a confirmação do que acabo de escrever.
Diziam que não sabiam o que vinham fazer nessa reunião. Outros diziam: “Fiquei
calado por medo de não ter combustível para voltar para casa”; ou: “Tinham
muitos policias por lá”; ou ainda: “O pessoal do prefeito tava olhando”. Mas o
certo é que há insatisfações. Não sei bem certo se a PUSURU vai conseguir
dominar e representar essas insatisfações, cujas vozes reclamam e não aceitam nenhum
diálogo com o governo em relação às hidrelétricas.
Conclusão
Na condição de observador, a
conclusão que apresento foi de uma armação entre prefeito, vereadores ligados à
base, incluindo alguns vereadores indígenas, e militantes para anular a ação
dos guerreiros Munduruku contra o processo hidrelétrico no rio Tapajós, imposto
pelo governo Dilma, assim como foi feito com Belo Monte, no rio Xingu.
Primeiro era necessário
trazer os caciques para Jacareacanga, mudar a associação e enquadrar os
indígenas revoltosos. Conseguiram puxar essa reunião indígena para
Jacareacanga. É bem sabido que Jacareacanga é uma cidade caracteristicamente
indígena.
Porém, no meu entender indigenista, uma reunião de assuntos internos
se faz numa aldeia, longe e sem interferências de terceiros. E não foi isso que
aconteceu nesta reunião do dia 3 de agosto. A interferência na reunião foi
descaradamente imoral, baseada em coerções com polícia fortemente armada, com
funcionários e até capangas do prefeito espalhados por todo o ginásio, com um
secretario de assuntos indígenas, inspetor das decisões, e com indígenas com
discursos afinados com o governo local. Não poderia sair outra coisa a não ser
uma conformação adequada para reatar um diálogo com o governo do PT, que tinha
na PUSURU uma resistência sem igual e vista nos últimos meses. Agora só nos
resta saber se vão conseguir enquadrar os indígenas revoltosos.
Fonte da notícia: Cimi Regional Norte II