terça-feira, 10 de setembro de 2013

Rio Tapajós: Jornalista inglesa e sua equipe são hostilizados por pesquisador e homens da Força Nacional

Fotografia: Nayana Fernandez

Conforme o blog anunciou anteriormente, duas jornalistas do Latin America Bureau (LAB), Sue Branford e Nayana Fernandez, chegaram à cidade de Santarém (PA)  no dia 5 de setembro. Elas passarão um mês viajando na região para ver o impacto de “grandes projetos de desenvolvimento” sobre comunidades locais, especialmente mineração e hidrelétricas. No dia 07 de setembro, enquanto protestos e repressões sacudiam novamente o país, as jornalistas se dirigiram para o município de Jacareacanga, área onde indígenas Munduruku resistem ao chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós.

A região está militarizada pelo governo federal , que enviou soldados da Força Nacional de Segurança e do Exército para escoltar estudiosos que realizam levantamentos para estudos de impacto ambiental da obra. No relato abaixo, Sue Branford descreve o inusitado encontro dela e sua pequena equipe com um coordenador de estudos biológicos e as tropas federais na rodovia Transamazônica. Rodrigo de Filippo agrediu verbalmente a jornalista inglesa e sua equipe, que também foi intimidada pela Força Nacional.


Sue Branford há mais de quarenta anos atua com coberturas jornalísticas sobre o Brasil. Foi correspondente no país do jornal The Guardian e da rede BBC. Esteve em Marabá, no início dos anos setenta, durante a construção da Transamazônica quando a região também estava militarizada, sendo em seguida chamada para depor no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão do regime militar), pois sem conhecimento prévio da jornalista, no local se desenvolvia o combate de forças militares contra a Guerrilha do Araguaia, conflito até então desconhecido da grande maioria dos brasileiros. Foi responsável por uma das primeiras matérias sobre o assunto, publicada fora do país. Cobriu com entusiasmo o surgimento do novo sindicalismo do ABC Paulista e de Lula, as campanhas pela Anistia e Diretas, a Constituição de 1988 e a chegada do PT ao poder, entre outros fatos recentes da história brasileira.

No ano passado, quando esteve novamente na Amazônia, escreveu matérias sobre conflitos fundiários entre assentados e madeireiras nos municípios paraenses de Uruará e Anapu, publicados no Brasil na revista Caros Amigos e na Inglaterra no sítio da BBC.

Na atual viagem, na qual também escreve para BBC, antes de desembarcar em Santarém, produziu dois relatos  em seu blog a partir de sua estada no Rio de Janeiro. Os textos dizem sobre a nova geração de jovens que protagonizam os protestos no Brasil e sobre a Mídia Ninja.

Abaixo, a reprodução em português da primeira de uma série de postagens que Sue escreverá sobre a região. O texto original em inglês encontra-se no sítio da LAB. Essa versão em português foi gentilmente revisada por Sue para o blog Língua Ferina:

Como sempre acontece nessas viagens pela Amazônia, passamos os primeiros dias viajando. Desta vez foi de ônibus – dez horas de Santarém para Itaituba e outras oito de Itaituba para Jacareacanga, uma vila que se tornou famosa por ter sido o lugar onde militares lançaram uma tentativa de golpe contra o presidente Juscelino Kubitschek.

Não havia nada de especial na viagem até um encontro inesperado – e chocante– com Rodrigo de Filippo, o coordenador dos estudos biológicos que estão sendo realizados na região do rio Tapajós por uma grande empresa de engenharia, a Concremat. Esses estudos fazem parte do EIA/RIMA, uma avaliação de impactos sociais e ambientais exigida por lei antes de aprovar qualquer grande projeto. Neste caso, os estudos avaliam duas grandes – e polêmicas –hidrelétricas no rio Tapajós: São Luís do Tapajós e Jatobá.

Mapa: LAB


Por lei, o governo deveria realizar previamente uma série de grandes consultas públicas com as comunidades locais. Essas consultas não ocorreram, talvez porque as autoridades já saibam que os índios Munduruku, que se somam cerca de 12.000 na região impactada, estão em sua grande maioria opostos às hidrelétricas.

Sem as consultas públicas, há tempos, os índios Munduruku exigem do governo a paralisação dos estudos biológicos. Como o governo ignorou por completo suas demandas, optaram em junho por ação direta: prenderam três biólogos que trabalhavam na região à revelia dos índios. Os reféns passavam à noite numa aldeia próxima e durante o dia ficavam “expostos” no coreto da única praça da cidade, ora eram fotografados com as mãos amarradas e os rostos pintados, em outras, eram convidados pelos próprios indígenas e os acompanhavam para assistir partidas de futebol no campo próximo.

O governo reagiu rapidamente: comprometeu-se a paralisar os estudos enquanto não fossem realizadas as consultas publicas, e os reféns foram soltos.

Mas era promessa para inglês ver: as consultas públicas não ocorreram e, pior, poucas semanas depois o governo emitiu licença para a retomada dos estudos. Logo em seguida, os biólogos voltaramà região, desta vez escoltados por contingentes armados de metralhadoras e fuzis, helicópteros e mais todo um verdadeiro aparato de guerra. Até agora os índios não reagiram, coibidos pelas metralhadoras. Segundo nos relatou um ribeirinho, as famílias não indígenas, mais próximos da operação e ainda mais assustados, sofreram uma pressão maior, e algumas delas chegaram a abandonar suas casas e se refugiar em Itaituba, a cidade mais “próxima”, numa viagem que pode levar até 12 horas.

Pode-se imaginar a minha surpresa quando desci do ônibus na parada para o almoço, numa comunidade no Km 180 da Transamazônica, no trecho Itaituba-Jacareacanga, longe das margens do Tapajós, onde são realizados os estudos, e vi um grupo de biólogos, cercados de soldados ostensivamente armados, sentados numa mesa ao lado. Como jornalista, queria saber como eles se sentiam trabalhando nessas condições.


Aproximei-me deles e me apresentei, gentilmente, mas, em seguida, um homem se levantou e se identificou como chefe dos trabalhos. Dirigindo-se a mim numa maneira bastante agressiva, disse que os pesquisadores estavam proibidos taxativamente de falar comigo. Respondi, outra vez com cortesia, “então, posso falar com o senhor?”. “Muito menos comigo! Muito menos comigo!” gritou ele em voz tão alta que deu para ser ouvido no restaurante todo. Imediatamente, os soldados ficaram em alerta.

E ele continuou, em tom elevado e ríspido: “Vocês desqualificaram meu trabalho. Vocês não tem nenhuma credibilidade!”, entre outros impropérios. Reagi, dizendo que ele não me conhecia – era a primeira vez que nos víamos – que eu era uma jornalista estrangeira fazendo matérias para a BBC de Londres, um órgão da imprensa mundialmente respeitado, que ele não tinha nenhum direito de me insultar dessa forma. Ele respondeu com mais insultos e me afastei. Um soldado levanta-se e posta-se intimidativo ao lado da minha colega Nayana Fernandes que tentava fotografar a cena.

Um incidente trivial, sem maiores consequências não fosse a preocupação que suscita. Se Rodrigo de Filippo age desta forma, em lugar público, com uma jornalista inglesa, imagine-se o tratamento que dispensa a ribeirinhos e indígenas longe de qualquer público na mata?
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