Márcio
Santilli*
ministro Neri Gueller | Antônio Cruz - Agência Brasil |
Operação
da Polícia Federal revela esquema de compra de lotes de assentamento no Mato
Grosso que, segundo policiais, seria liderado por irmãos do atual ministro da
Agricultura. Segundo Justiça Federal, há indícios de que o titular da pasta,
também pode ter participado de organização que financiou campanhas de líderes
ruralistas, como Kátia Abreu, e da própria presidente Dilma Rousseff.
O
assentamento Itanhangá-Tapurah, em Itanhangá (MT), está no epicentro da
operação “Terra Prometida”, deflagrada pela Polícia Federal, com foco no Mato
Grosso, na semana passada, para desarticular uma vasta quadrilha de grilagem de
lotes da reforma agrária. A operação decorreu de decisão da Justiça, em
Diamantino. Foram executados mais de 50 mandados de prisão, além de várias
outras diligências.
A
quadrilha envolve cerca de 80 fazendeiros, além de políticos, sindicalistas e
funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e
teria se apossado de cerca de mil lotes do assentamento, por meio de compra,
por baixo valor, dos anteriormente assentados pela reforma agrária, ou por sua
expulsão por meio de violência. Estima-se que a quadrilha apropriou-se de mais
de R$ 1 bilhão em terras da União, além de ter praticado vários outros crimes,
inclusive de predação ambiental.
Entre
os presos, estão dois irmãos do ministro da Agricultura, Neri Gueller (PMDB),
e, tendo sido constatado o seu provável envolvimento pessoal, a investigação do
caso foi transferida para o Supremo Tribunal Federal (STF), pois ministros de
estado dispõem de foro privilegiado (veja
aqui). Estima-se que sua família, que possui várias outras propriedades
rurais na região, apropriou-se de pelo menos 15 lotes do assentamento, o que
equivaleria a 1,5 mil hectares, por meio de parentes e laranjas.
A
quadrilha financiou várias campanhas eleitorais neste ano, de conhecidos
escroques locais e também a do deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT),
vice-presidente da frente parlamentar da agropecuária, do governador eleito
Pedro Taques (PDT), da senadora Kátia Abreu (PMBD-TO), convidada para ser a
próxima ministra da agricultura, e até a da presidente reeleita Dilma Rousseff
(PT). Trata-se de um esquema eclético de sustentação política.
O
assentamento Itanhangá-Tapurah é um dos maiores já realizados pela reforma
agrária. Foi criado em 1995, com uma extensão de 115 mil hectares e permitiu
assentar 1.120 famílias em lotes com 100 hectares cada. Mais de 400 quilômetros
de estradas foram abertos dentro dele e milhões de reais foram investidos na
sua implantação. Estima-se que apenas 10% dos lotes permanecem na posse dos
legítimos assentados.
O
município de Itanhangá (significa “pedra viva”, em Guarani), constituído
fundamentalmente pelo assentamento, emancipou-se recentemente do município de
Tapurah (nome de tuxaua do povo Irantxe). Um dos irmãos do ministro que estão
presos foi o primeiro prefeito do novo município. Estima-se que a quadrilha
atue há quinze anos na reconcentração das terras anteriormente distribuídas.
O
caso Itanhangá-Tapurah é emblemático. Mostra bem o porquê dos ruralistas
defenderem a “emancipação” dos assentamentos e a titulação dos lotes, criando
condições legais para regularizar os grilos de terra já efetivados ou ainda
pretendidos em áreas destinadas à reforma agrária. Ilustra, de forma didática,
o programa de trabalho que a senadora Kátia Abreu tentará executar como
possível ministra e a natureza da sua afinidade com a presidente. E permite
entender porque, objetivamente, inexiste reforma agrária no país.