segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Belo Monte: a anatomia de um etnocídio

Por Eliane Brum*

Thais Santi, procuradora da República, mostra nesta entrevista o ovo da serpente inteiro. Não fosse terrível, seria fascinante. Talvez não exista nada tão simbólico do atual momento do Brasil quanto Belo Monte, que vira fato consumado à beira do Xingu, a partir da 
suspensão da Lei, numa total mistura entre o público e o privado, o que é o Estado, o que é a empresa. Nesta composição, a Norte Energia contratou as grandes empreiteiras (essas que aparecem na Lava Jato), que assim não precisam prestar contas de nada. Thais mostra aqui essa assustadora operação - assustadora mesmo - e mostra que povos indígenas de recente contato estão hoje entupidos de bolachas e coca-cola. Ela se prepara para entrar com uma ação por etnocídio indígena.
A procuradora Thais Santi, em sua sala no Ministério Público Federal de Altamira, no Pará – Fotos: Lilo Clareto/Divulgação

 O bacana nesta entrevista é que vamos descobrindo a anatomia da coisa toda pelo olhar dela, que levou um ano para ver e outro ano para saber o que fazer. Ela vai nos conduzido pelos contornos do que parte dos moradores do Xingu chamam de "Belo Monstro". E tudo vai ficando claro, claríssimo. Límpido até.

 O desafio com Belo Monte, índios e Amazônia é que as pessoas que não são as mesmas de sempre leiam, porque estas já sabem. Assim como aqueles que perpetram os crimes contra a floresta, também já sabem. Cada vez que vou para a Amazônia e trago de lá entrevistas como essa é com o sonho meio besta de que uma massa de gente bacana, mas que acha esse negócio meio distante demais, comece a tomar contato e ver o mundo de outro jeito, para que talvez a gente consiga fazer um debate público sobre os rios da Amazônia e um jeito de viver menos zumbi. Vejo tanta gente preocupada em como educar os filhos, mas será que tem coisa mais importante do que educar com um outro tipo de relação com o planeta, com o consumo e com a diferença? Essa entrevista é uma das que, se as pessoas chegam até o fim, acho que muda alguma coisa dentro. 

 O que eu mais gosto dela, aliás, é o fim. Quando a Thais nos conta Belo Monte a partir de Hannah Arendt. E nos faz olhar para o etnocídio indígena a partir da naturalização ocorrida com o genocídio judeu. Somos mais parecidos com a sociedade alemã do nazismo do que gostaríamos.

Leia o texto de Eliane Brum sobre a entrevista de Thais Santi no sítio Desacontecimentos e a entrevista no sítio do El País.

*Texto em itálico enviado por Eliane Brum por correio eletrônico.
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