A decisão em primeira instância da Justiça Federal do Pará, que
declarou inexistente a Terra Indígena Maró, tem ganhado grande repercussão. No
último dia 26 de novembro, o juiz Airton Portela determinou que o relatório
produzido pela Fundação Nacional do Índio (Funais) em 2011, que identifica e
delimita a área de 42 mil hectares onde vivem indígenas das etnias Borari e
Arapium, não tem qualquer validade jurídica.
Como
explicação para a decisão, está a de que contradições e omissões em relatório
antropológico produzido pela Funai levam à conclusão de que as comunidades da
Gleba Nova Olinda, onde está localizada a TI Maró, são formadas por populações
tradicionais como ribeirinhos, e não índios.
Mas os
habitantes das aldeias Novo Lugar, São José III e Cachoeira do Maró são a prova
de que a região é sim povoada também por povos indígenas. Poró Borari, da
aldeia Novo Lugar, reclama que os habitantes da TI não chegaram a ser ouvidos
para a tomada da decisão. “Nós não somos arquivos de internet. Estamos lá [na
terra] há décadas e décadas”.
A decisão da
Justiça Federal do Pará vai contra o direito de autorreconhecimento,
estabelecido na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT). Essa convenção prevê o direito de expressar livremente a identidade, de
modo incontestável, para assim melhor situar na realidade conflituosa os
direitos de comunidades que tiveram por anos sua identidade negada. Dessa
forma, os autoreeconhecidos indígenas da TI Maró possuem o direito de exigir a
demarcação de suas terras.
Sobre o caso
Em 2010, o Ministério Público Federal (MPF) de Santarém – Pará
entrou com Ação Civil Pública (ACP) contra
a Funai requerendo a demarcação da Terra Indígena Maró, a pedido dos indígenas
das etnias Arapium e Borari. O processo tramita na 2ª Vara Federal de Santarém.
A ACP movida pelo MPF visava apenas a celeridade no processo de demarcação da
Terra Indígena, tendo em vista que a Funai havia criada o Grupo Técnico (GT) em
2008, e até o ano de 2010 não publicou o Relatório de Identificação e
Delimitação do território, o que veio a ocorrer somente em 10 de outubro de 2011. Em nenhum momento a FUNAI contra-argumentou o pleito de
demarcação da área, apenas se opôs a celeridade do processo com razões
específicas. No entanto, o Juiz da 2ª Vara atendeu ao pedido de seis
associações locais.
As
organizações contestaram a legitimidade do pleito, alegando não haver povos
indígenas no local. Assistiram essas associações, o município de Santarém e o
governo do Estado do Pará, que advogaram contra os povos indígenas.
Supostamente
fundamentado pela Constituição Federal, o juiz em sentença publicada no dia 3
de dezembro de 2014, declara improcedente o pedido do MPF. Com argumentos sobre
tradicionalidade, permanência e originariedade, afirma não existirem povos
indígenas na área pretendida.
O argumento usado na sentença é o da Teoria do Fato Indígena, a
mesma utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Raposa Serra do Sol
em Roraima. Segundo o juízo, o Relatório Circunstanciado de Identificação e
Delimitação produzido pela antropóloga Georgia Silva, integrante do GT da
Funai, não apresenta características das comunidades estudadas para que se
afirme serem aldeias indígenas das etnias Arapium e Borari.
Assim, se desconsidera o processo de etnogênese das aldeias, que
duramente sofreram pela descaracterização de sua identidade e hoje lutam pela
afirmação de sua cultura e de seus direitos.
“Atualmente falantes somente do português, os Arapium e os Borari
guardam, na memória dos mais velhos, o tempo da gíria, forma como denominam o
nheengatu. A recordação da fala feia como um tempo em que seus antepassados
eram discriminados pelas populações não-indígenas e a transmissão da língua
negada pelos pais, por força da perseguição, entrelaça a versão indígena e a
versão documental do processo de implantação/negação do nheengatu na região
amazônica”, indica o relatório produzido por Georgia Silva.
A chamada Gleba Nova Olinda, onde se localiza a Terra Indígena
Maró, é visada por grandes empresas madeireiras. A região que ainda apresenta
vastas áreas com madeiras de alto valor de mercado (por exemplo ipê,
maçaranduba e amarelão) foi destinada a concessão florestal pelo governo do
estado do Pará na grande área que reúne as glebas Nova Olinda (I, II e III),
Maramuru-Arapiuns e Curumucuri.
Desde que o estado do Pará arrecadou essas terras na década de
1990 (Portaria nº 0798/99 Iterpa) se planeja o investimento em larga escala
para a extração de madeira.
Em 2006, através do Decreto nº 2472, o governo do Pará autorizou a
permuta de moradores do Projeto Integrado Trairão para a Gleba Nova Olinda,
dentro da Terra Indígena. As permutas favoreceram a exploração de madeira e
formação do Grupo Rondonbel.
Conforme o Plano de Outorga Florestal de 2014, a tendência é de
expansão da exploração madeireira no local. Em novembro deste ano, a comunidade
indígena teve uma primeira vitória na luta contra a exploração ilegal de
madeiras dentro do território. As
denúncias relativas à ação das madeireiras na TI resultaram no envio de
notificações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) para as empresas exploradoras e, em alguns casos, o embargos
das atividades.
Para saber mais sobre o caso, acesse: migre.me/mEMnA
Para saber mais sobre o caso, acesse: migre.me/mEMnA
*Fonte: Terra de Direitos