sábado, 6 de dezembro de 2014

Sentença que declara Terra Indígena Maró inexistente contraria direito estabelecido em Convenção 169 da OIT


A decisão em primeira instância da Justiça Federal do Pará, que declarou inexistente a Terra Indígena Maró, tem ganhado grande repercussão. No último dia 26 de novembro, o juiz Airton Portela determinou que o relatório produzido pela Fundação Nacional do Índio (Funais) em 2011, que identifica e delimita a área de 42 mil hectares onde vivem indígenas das etnias Borari e Arapium, não tem qualquer validade jurídica.

Como explicação para a decisão, está a de que contradições e omissões em relatório antropológico produzido pela Funai levam à conclusão de que as comunidades da Gleba Nova Olinda, onde está localizada a TI Maró, são formadas por populações tradicionais como ribeirinhos, e não índios.

Mas os habitantes das aldeias Novo Lugar, São José III e Cachoeira do Maró são a prova de que a região é sim povoada também por povos indígenas. Poró Borari, da aldeia Novo Lugar, reclama que os habitantes da TI não chegaram a ser ouvidos para a tomada da decisão. “Nós não somos arquivos de internet. Estamos lá [na terra] há décadas e décadas”.

A decisão da Justiça Federal do Pará vai contra o direito de autorreconhecimento, estabelecido na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa convenção prevê o direito de expressar livremente a identidade, de modo incontestável, para assim melhor situar na realidade conflituosa os direitos de comunidades que tiveram por anos sua identidade negada. Dessa forma, os autoreeconhecidos indígenas da TI Maró possuem o direito de exigir a demarcação de suas terras.

Sobre o caso
Em 2010, o Ministério Público Federal (MPF) de Santarém – Pará entrou com Ação Civil Pública (ACP) contra a Funai requerendo a demarcação da Terra Indígena Maró, a pedido dos indígenas das etnias Arapium e Borari. O processo tramita na 2ª Vara Federal de Santarém. A ACP movida pelo MPF visava apenas a celeridade no processo de demarcação da Terra Indígena, tendo em vista que a Funai havia criada o Grupo Técnico (GT) em 2008, e até o ano de 2010 não publicou o Relatório de Identificação e Delimitação do território, o que veio a ocorrer somente em 10 de outubro de 2011. Em nenhum momento a FUNAI contra-argumentou o pleito de demarcação da área, apenas se opôs a celeridade do processo com razões específicas. No entanto, o Juiz da 2ª Vara atendeu ao pedido de seis associações locais.

As organizações contestaram a legitimidade do pleito, alegando não haver povos indígenas no local. Assistiram essas associações, o município de Santarém e o governo do Estado do Pará, que advogaram contra os povos indígenas.

Supostamente fundamentado pela Constituição Federal, o juiz em sentença publicada no dia 3 de dezembro de 2014, declara improcedente o pedido do MPF. Com argumentos sobre tradicionalidade, permanência e originariedade, afirma não existirem povos indígenas na área pretendida.

O argumento usado na sentença é o da Teoria do Fato Indígena, a mesma utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Raposa Serra do Sol em Roraima. Segundo o juízo, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação produzido pela antropóloga Georgia Silva, integrante do GT da Funai, não apresenta características das comunidades estudadas para que se afirme serem aldeias indígenas das etnias Arapium e Borari.
Assim, se desconsidera o processo de etnogênese das aldeias, que duramente sofreram pela descaracterização de sua identidade e hoje lutam pela afirmação de sua cultura e de seus direitos.

“Atualmente falantes somente do português, os Arapium e os Borari guardam, na memória dos mais velhos, o tempo da gíria, forma como denominam o nheengatu. A recordação da fala feia como um tempo em que seus antepassados eram discriminados pelas populações não-indígenas e a transmissão da língua negada pelos pais, por força da perseguição, entrelaça a versão indígena e a versão documental do processo de implantação/negação do nheengatu na região amazônica”, indica o relatório produzido por Georgia Silva.

O Ministério Público Federal deve recorrer da decisão.

Interesses contrários à demarcação da Terra Indígena Maró
A chamada Gleba Nova Olinda, onde se localiza a Terra Indígena Maró, é visada por grandes empresas madeireiras. A região que ainda apresenta vastas áreas com madeiras de alto valor de mercado (por exemplo ipê, maçaranduba e amarelão) foi destinada a concessão florestal pelo governo do estado do Pará na grande área que reúne as glebas Nova Olinda (I, II e III), Maramuru-Arapiuns e Curumucuri.

Desde que o estado do Pará arrecadou essas terras na década de 1990 (Portaria nº 0798/99 Iterpa) se planeja o investimento em larga escala para a extração de madeira.

Em 2006, através do Decreto nº 2472, o governo do Pará autorizou a permuta de moradores do Projeto Integrado Trairão para a Gleba Nova Olinda, dentro da Terra Indígena. As permutas favoreceram a exploração de madeira e formação do Grupo Rondonbel. 

Conforme o Plano de Outorga Florestal de 2014, a tendência é de expansão da exploração madeireira no local. Em novembro deste ano, a comunidade indígena teve uma primeira vitória na luta contra a exploração ilegal de madeiras dentro do território. As denúncias relativas à ação das madeireiras na TI resultaram no envio de notificações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para as empresas exploradoras e, em alguns casos, o embargos das atividades.

Para saber mais sobre o caso, acesse: migre.me/mEMnA

*Fonte: Terra de Direitos
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